Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Folha de S. Paulo


PROPAGANDA ELEITORAL
Melchiades Filho


Sentença de morte


‘BRASÍLIA – A punição à imprensa por entrevistar pré-candidatos a prefeito é tão absurda que, cedo ou tarde, deverá ser revista. Por isso são mais preocupantes os comentários de nomes ilustres do Judiciário, inclusive de alguns que se opõem à sentença do juiz auxiliar.


Em vez de defender a liberdade de imprensa fixada pela Constituição ou alertar para a distinção na lei eleitoral entre mídia escrita e TVs/ rádios (concessões públicas que têm de ser reguladas), muitos decidiram opinar sobre aspectos jornalísticos: ‘as perguntas foram críticas’, ‘não dá para trazer entrevistas com todos os candidatos no mesmo dia’, ‘não houve promoção excessiva no texto’ etc.


Há algo de estranho e perigoso quando a análise de conteúdo se sobrepõe à leitura constitucional.


Foi este o equívoco das promotoras que abriram o caso. ‘Há uma diferença entre o espírito da lei e o texto da lei’, uma delas quis se explicar, sem esclarecer como se faz essa interpretação ‘mediúnica’.


A lei é clara. O jornal/revista tem o direito de estampar uma reportagem laudatória e baba-ovo tanto quanto o de publicar uma peça ponderada e inquisitiva -e o leitor tem o direito de ler aquela(s) que quiser.


O ativismo do Judiciário não nasceu por acaso. O poder é cobrado (e é bom que seja) a atualizar a jurisprudência. Não faz sentido que feche os olhos ao mundo a seu redor. Mas isso não desculpa os atropelos cometidos pelos juízes eleitorais: o cria-e-depois-anula a verticalização; a pretensão de arbitrar o conteúdo da internet; o decreto da fidelidade partidária, inconstitucional segundo o MP; e agora essa.


Em muitos países, são os partidos que zelam pela integridade das votações -eles fiscalizam uns aos outros. A Justiça Eleitoral, portanto, é uma de nossas jabuticabas. Surgiu para coibir desmandos, cabrestos e fraudes. Na ânsia de ser protagonista e provocar a opinião pública, porém, aos poucos dá razão àqueles que propõem sua extinção.’


 


Cirilo Junior


TSE vai rever norma que limita entrevista, declara Ayres Britto


‘O presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Carlos Ayres Britto, disse ontem que pretende colocar em discussão, em no máximo 15 dias, a revisão da resolução do próprio TSE, de 2006, que restringe a publicação de entrevistas de pré-candidatos.


Ayres Britto reafirmou que é favorável que veículos da mídia impressa tenham total liberdade para publicar entrevistas com pré-candidatos, inclusive com a possibilidade de abordar plataformas eleitorais dos candidatos. Para o ministro, a resolução é inconstitucional. Ele salientou que jornais e revistas devem procurar dar igual tratamento aos pré-candidatos.


‘Pessoalmente, vou ver se a corte se dispõe a aprofundar reflexão sobre o tema, até mesmo na perspectiva de revogação dessa resolução. Minha posição é a mesma já apresentada anteriormente’, disse, após participar do encontro de juízes que presidem os 26 tribunais regionais eleitorais do país.


De acordo com o ministro, a resolução 22.718 do TSE, definida em 2006 e que valerá para as eleições deste ano, impede que sejam abordadas propostas dos pré-candidatos nas entrevistas publicadas na mídia impressa. Ayres Britto defende que, a exemplo do que trata a Constituição, os veículos de mídia impressa tenham mais liberdade em relação ao rádio e a televisão, por não se tratarem de concessões públicas.


‘Não se pode negar um fato. A Constituição separou duas categorias de mídias. A mídia eletrônica representada pelo rádio e televisão, e a mídia impressa, por jornais e revistas. A mídia impressa dispõe de muito mais liberdade de atuação.’


Ayres Britto disse ainda que o TSE vai permitir que candidatos concorram às eleições municipais de outubro mesmo que respondam a processos.


Candidatos


Ele ressaltou que respeita a posição dos TREs, que definiram que vão impugnar candidatos que respondem a processos na Justiça Federal, Estadual ou Eleitoral. Porém, disse que o TSE seguirá decisão anteriormente tomada a respeito.


‘Provavelmente, os processos que chegarem ao TSE serão decididos seguindo essa consulta. A menos que haja fundamento novo ou que o caso concreto se subtraia ao âmbito da decisão do TSE, o que é muito improvável’, afirmou.


O presidente do TSE acrescentou que não pode recusar que juízes e tribunais regionais tenham independência técnica em suas decisões e destacou que espera realizar eleições tranqüilas.


Após o encontro, os presidentes dos TREs de todo o Brasil divulgaram carta na qual reafirmam que vão considerar a vida pregressa dos candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador nas eleições de outubro, no momento que decidirem pela autorização de alguma candidatura. A carta orienta juízes e servidores da Justiça Eleitoral a facilitarem o acesso aos documentos que instruem os processos eleitorais, principalmente os que dizem respeito aos antecedentes dos candidatos, antes do pedido de registro.’


 


Ranier Bragon


PT aproveita brechas na legislação para promover candidatura de Marta na TV


‘O PT se aproveitou nos últimos 15 dias de brechas na legislação para promover fortemente a pré-candidatura de Marta Suplicy em São Paulo.


Terminou ontem o período de inserções televisivas a que o partido tinha direito. Foram exibidos, 22 vezes, cinco comerciais de 30 segundos com o slogan ‘nova atitude’ e com Marta como estrela.


Em um deles, eram mostrados engarrafamentos, motoristas estressados, e a afirmação do locutor de que ‘São Paulo vai parar um dia’. Então, Marta aparece: ‘Não podemos deixar que isso aconteça. São Paulo precisa de uma nova atitude, no trânsito e no transporte’.


A lei veda ‘a divulgação de propaganda de candidatos’ nesses programas. Quase todos, entretanto, recorrem à propaganda implícita, em que não é citada a candidatura, mas cuja estrela é o futuro candidato. ‘Não fizemos nada mais do que o Kassab e o Alckmin fizeram’, disse o presidente municipal do partido, José Américo.


Em outubro do ano passado, a Justiça cassou parte do tempo de TV do DEM, que focava em Gilberto Kassab, sob o argumento de que as propagandas fortaleciam uma ‘já cogitada publicamente candidatura’. A partir de segunda-feira vão ao ar as propagandas partidárias do PSDB de Geraldo Alckmin.


Além da TV, Marta percorreu mais de dez bairros da periferia. Em todos, o clima foi de campanha, embora ela não tenha pedido votos.


Dois ministros já participaram de seminários ao lado de Marta -Dilma Rousseff (Casa Civil) e Fernando Haddad (Educação), que ontem chamou a petista de prefeita.


Em sua fala, Marta rebateu acusações. ‘As famigeradas escolas de lata, herdamos do governo Pitta, do qual o senhor Kassab foi peça fundamental como secretário de Planejamento. Escolas de lata que o então governador Geraldo Alckmin inexplicável e injustificadamente reproduziu’.


Marta deve receber o apoio do bloquinho, mas ontem o presidente do PSB municipal, Eliseu Gabriel, ameaçou lançar uma candidatura própria. O PSB quer saber quais áreas comandará em caso de vitória. Além disso, pressiona o PT a retirar a candidatura em Manaus.’


 


Lilian Christofoletti


Procuradoria eleitoral e entidade defendem juiz e 4 promotores


‘A Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo e a Associação Paulista de Magistrados (Apamagis) saíram ontem em defesa do juiz Francisco Carlos Shintate e dos quatro promotores de Justiça que consideraram propaganda eleitoral antecipada entrevistas concedidas por pré-candidatos a cargos políticos na disputa municipal.


Tanto para o chefe da Procuradoria, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, quanto para o presidente da associação, desembargador Henrique Nelson Calandra, a discussão deve se limitar à esfera jurídica, sem esbarrar em provocações pessoais.


Ao fazer a defesa do juiz, Calandra afirmou que Shintate, ao condenar a Folha, a revista ‘Veja São Paulo’ e a pré-candidata Marta Suplicy (PT), apenas obedeceu à Resolução nº 22.718 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), especificamente ao artigo 24, que estabelece que ‘os pré-candidatos poderão participar de entrevistas, debates e encontros antes de 6 de julho de 2008, desde que não exponham propostas de campanha.’


O mencionado artigo, no entanto, não foi citado nem na representação assinada pela Promotoria nem na decisão judicial. Esse artigo 24 está inserido no capítulo VI, que trata da ‘Programação normal e do noticiário no rádio e na TV’. No capítulo não é feita nenhuma menção à imprensa escrita.


O único artigo da Resolução do TSE que é citado pelos promotores e pelo juiz é o 2º, que diz que ‘o juiz eleitoral da comarca é competente para tomar todas as providências relacionadas à propaganda eleitoral, assim como para julgar representações e reclamações.’


A representação, assinada pelos promotores Eduardo Rheingantz, Maria Amélia Nardy Pereira, Patrícia Aude e Yolanda Serrano de Matos, é fundamentada em artigos da Constituição Federal e da lei eleitoral (nº 9.504/ 97).


‘O juiz Shintate, cuja competência e brilhantismo intelectual são incontestáveis, fez um julgamento puramente técnico. Sob este ponto de vista, não houve falha’, disse Calandra, para quem a resolução desconsiderou um direito fundamental, que é a liberdade de comunicação e de opinião.


Português


O desembargador informou que considera injustas e mal fundamentadas as críticas e que a discussão gerada por eventuais controvérsias jurídicas deve ser debatida elegantemente. ‘Pior que erro de português, é a falta de respeito.’


A declaração é uma resposta às afirmações do ex-ministro da Justiça Saulo Ramos que, em entrevista à Folha, atribuiu o entendimento do magistrado e dos promotores à uma suposta ‘falta de escolaridade’.


‘Ele [Shintate] não sabe escrever em português, com todo o respeito que tenho pelos cem anos da migração japonesa. Eu atribuo isso exatamente à falta de estudo’, afirmou Ramos.


Em nota de desagravo, o procurador regional eleitoral evitou abordar a aplicação do artigo. Para Gonçalves, o episódio deve ser aproveitado para fazer um debate elevado sobre a legislação eleitoral. ‘O que não pode é jogar tinta marrom num debate que estava sendo elevado ou conspurcar a honorabilidade dos juízes’, afirmou.


O jornal ‘O Estado de S.Paulo’ e a ‘Veja’ também foram representados por entrevistas com o prefeito Gilberto Kassab (DEM), pré-candidato à reeleição. Não há julgamento.’


 


Frederico Vasconcelos


Promotoria se excedeu com ação, diz ex-presidente do TSE


‘Ex-presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), do STF (Supremo Tribunal Federal) e ex-ministro da Justiça, Paulo Brossard, 83, entende que houve ‘excesso’ e uma ‘certa confusão de situações’ no processo que resultou na ação movida pela Promotoria Eleitoral e na aplicação de multas a Marta Suplicy (PT), à Folha e à revista ‘Veja São Paulo’, por alegada propaganda eleitoral antecipada.


FOLHA – Qual a avaliação que o sr. faz da ação movida pela Promotoria Eleitoral e da condenação no caso?


PAULO BROSSARD – Está havendo uma confusão entre noticiário relativamente a uma eventual candidatura e uma manifestação como candidato. Há uma confusão. Seria conveniente fixar os limites. Até agora, não há candidato a um posto eletivo. Há vários nomes que são candidatos a candidatos. Possivelmente, alguns serão candidatos. Em São Paulo, há nomes notórios. Eles são pré-candidatos, ainda não estão em condições de disputar as eleições. Possivelmente alguns deles serão candidatos e vão disputar.


FOLHA – Segundo a legislação atual, o pré-candidato tem as mesmas limitações do candidato?


BROSSARD – Parece-me que não. As limitações a direitos individuais são de direito estrito, não admitem a interpretação analógica. Agora, depois de oficializado, eles ficam sujeitos às regras da Lei Eleitoral, do Código Eleitoral. Então, não podem fazer propaganda senão a partir da sua escolha formal.


FOLHA – Houve precipitação da Promotoria ao promover a ação?


BROSSARD – Eu não quero entrar em julgamento de um órgão que deve estar seguro da sua opinião, mas me parece que houve um excesso. Isso muitas vezes acontece. Às vezes os tribunais são tolerantes em demasia e às vezes são exigentes. É comum isso acontecer, até que a jurisprudência se firma e os operadores do direito ganham a segurança jurídica.


FOLHA – O sr. vê risco em relação ao direito de o eleitor ser informado sobre o processo eleitoral?


BROSSARD – Aí está havendo também uma certa confusão de situações. Uma coisa é o direito de informação, de ser informado e informar. Outra coisa é o direito de participar como candidato para fins eleitorais. O jornalista não está sujeito ao Código Eleitoral. Quando se aplica a Lei Eleitoral ao jornalista, pode haver um conflito desnecessário. O jornal está sujeito ao Código Eleitoral? Em regra, não. Também pode estar sujeito porque há abusos que o jornal não pode cometer.


FOLHA – Houve abuso nesse caso?


BROSSARD – Prefiro não dizer. Salvo nos casos de abuso, não está sujeito, está fora da Lei Eleitoral. Claro que o dever do jornalista é ser exato. Agora, essa senhora é candidata? Todo o mundo sabe. Ela já foi prefeita.’


 


Procurador-geral de Justiça se solidariza com juiz e colegas


‘O procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, Fernando Grella Vieira, divulgou ontem nota em que manifesta apoio aos quatro promotores e ao juiz eleitoral que consideraram propaganda eleitoral antecipada entrevistas com pré-candidatos a cargos políticos.


Segundo Grella, é ‘imperativo dizer que a personalização das críticas não traz qualquer contribuição para o processo de discussão sobre os erros ou virtudes da legislação’.


O procurador afirmou que não discutirá o mérito das representações, ‘que têm por objeto a propaganda realizada em períodos não amparados pela legislação eleitoral’. O caso ainda será analisado pela Procuradoria Regional Eleitoral e pelo Tribunal Regional Eleitoral.


Dos quatro promotores do caso, três foram indicados por Grella para a função eleitoral.’


 


ABI faz protesto contra punição à Folha e à ‘Veja’


‘O presidente da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), Maurício Azêdo, divulgou nota ontem contra a decisão da Justiça Eleitoral que puniu a Folha a revista ‘Veja São Paulo’.


‘A ABI lamenta ter de reafirmar que o Poder Judiciário é atualmente o maior inimigo da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão no país, como tem ficado evidente na farta massa de decisões e despachos colidentes com essas franquias constitucionais emanados de juízes’, diz a nota.


Segundo a ABI, tais juízes não assimilaram ‘o caráter democrático do Estado de Direito’ instituído pela Carta de 1988 e agem como se estivéssemos na ditadura. Segundo a ABI, a multa à Folha e à ‘Veja São Paulo’ constitui ‘grave e intolerável ofensa à liberdade de imprensa assegurada de forma plena pela Constituição’.’


 


PUBLICIDADE
Cristiane Barbieri


Organizadores são os que mais ganham em Cannes


‘Se a Côte d’Azur recebe 12 mil especialistas em vender e em ganhar dinheiro, na semana do Festival Internacional de Publicidade de Cannes, ninguém fatura mais nesse período do que os próprios organizadores do evento. Apesar de não falar em números, é possível ter uma idéia de quanto embolsa o grupo editorial alemão H Bauer, controlador da empresa organizadora Emap.


Na maior edição do festival até hoje, que aconteceu neste ano, foram inscritas 28.248 peças, a um preço médio de 400 cada uma. No total, algo em torno de 11 milhões só com inscrições de campanhas. Já as de participantes renderam 19 milhões. Somados a patrocínios variados, estima-se que a cifra supere os 35 milhões.


Para atingir faturamentos cada vez maiores, os organizadores têm aberto novas categorias, ano após ano. Têm permitido também que a mesma campanha seja inscrita em categorias diferentes. Os publicitários aumentam assim as chances de determinada peça chamar a atenção dos jurados com a desculpa de que, cada vez mais, elas integram diferentes tipos de mídia. Os organizadores, conseqüentemente, aumentam sua receita.


Essa estratégia, no entanto, começa a ser questionada. A frase mais ouvida dos jurados durante o festival era que todas as categorias estavam se misturando. Diversos deles também perguntavam se determinada peça deveria ou não ter sido inscrita naquela categoria.


Mudanças


‘As categorias se desenvolvem e mudam’, afirmou Philip Thomas, presidente-executivo do festival à Folha. ‘Estamos pensando qual é a melhor estratégia com relação a elas e teremos alguma mudança para o próximo ano. Não quer dizer que vamos acabar com categorias grandes, mas faremos o que tiver sentido porque não queremos perder a relevância. Nossa estratégia e nosso negócio são de longo prazo.’


Mesmo com essa perspectiva, segundo Thomas, a tendência do festival é continuar crescendo por conta da complexidade que vem ganhando o mercado de comunicação. ‘Há quatro anos, tínhamos apenas 40 clientes das agências inscritos no festival, o restante eram publicitários’, diz ele. ‘Neste ano, havia 350 clientes. Eles vêm porque precisam entender como é essa nova comunicação.’


Como os clientes têm aparecido em peso, as agências os acompanham e, com elas, vem a entourage das diversas áreas cada vez mais numerosas e já obrigatórias, como marketing direto e internet, por exemplo. Para eles, há seminários e wokshops específicos. São tão numerosos que, de acordo com Thomas, a organização do evento estuda a possibilidade de buscar outros lugares para fazer partes do festival porque as salas do Palais, onde acontece, estão sempre lotadas.


‘Uma coisa que pode mudar aqui é a presença de estudantes do Brasil’, diz ele. ‘Os publicitários brasileiros são os mais ricos do mundo -todos sabem disso- e seria muito útil a eles ter jovens aqui aprendendo.’


De acordo com Thomas, a multiplicação de festivais mundo afora não tem prejudicado a imagem de Cannes. ‘Enquanto continuarmos fazendo diferença para a indústria e a comunicação permanecer cada vez mais complexa, teremos relevância’, diz ele.’


 


LITERATURA
Bernardo Ajzenberg


Cony confronta anos JK com romance sarcástico e profundo


‘Carlos Heitor Cony disse ao que veio logo no primeiro livro. ‘O Ventre’, que ganha nova edição em seu cinqüentenário, é um romance a palo seco, duro, cruento, profundo. Publicado na contramão da euforia desenvolvimentista (anos JK, bossa nova, Copa da Suécia), constitui o que o crítico Alfredo Bosi chamou, ao comentá-lo, de uma ‘representação do universo degradado da ‘persona’ burguesa’.


José Severo, narrador em primeira pessoa, é um filho problemático -mau aluno, feio, emburrado- que cedo se descobre bastardo, fruto do ‘comborço do pai e da vergonha da mãe’. Brigado com a família, expulso do internato, deixa o Rio para viver como motorista de ônibus em Maceió e, depois, Brasil afora, por um tempo, como caminhoneiro.


Divide o palco central do romance com um ‘torturado irmão’, matemático renomado, e Helena, amiga de infância cuja vocação -fiel ao veio machadiano de Cony- será armar entre os dois um circo, e cerco, de astúcia, sensualidade e dissimulação. Neo-realista nas águas do existencialismo de Jean-Paul Sartre então em voga, Cony explora, já aí, temas que marcam vários romances seus: a questão da paternidade, o adultério, a liberdade individual, a relação entre irmãos, uma presença feminina densa e desnorteante, a hipocrisia à luz da fé, o suicídio.


A certa altura, Severo afirma: ‘Tragédia é sopa. Pior é a aflição. A dúvida -por mais fortes que sejam as evidências, sempre se dá um jeito de introduzir a dúvida- é pior’. Coisas ruins, portanto, a gente tira de letra, pensa o narrador. O que nunca se acomoda é o que vai dentro da cabeça. Diz ainda, sobre o pai que não era pai: ‘Tentei gostar daquele homem que não era nada meu e que sofria. Era um porco, como os outros homens, mas sofria e isso o enobrecia. O sofrimento tem dessas coisas. A felicidade é vil’.


Ironia e humor sarcástico


Como em toda a obra de Cony, essa aspereza tem contrapeso na ironia e no humor sarcástico. Ao narrar uma conversa com o irmão ‘sábio’, na casa deste, Severo conta: ‘Levantou-se. Acendeu outro cigarro e ficou passeando de um lado para o outro. Olhou para um quadro na parede. Era a reprodução vulgar de um Degas: bailarinas em aula, no primeiro plano, ao lado, uma delas amarra a sapatilha cor-de-rosa. O irmão soprou a fumaça em cima do Degas. Eu, como sempre mais modesto, soprei minha humilde baforada em cima do catálogo de telefones’.


‘O Ventre’ surpreende, como livro de estréia, por marcar de cara, também, a habilidade descritiva de Cony. Numa visita a Helena, paixão desde um ‘porão escuro’ da infância, Severo a vê ‘bem diferente agora. Era uma mulher transbordando seiva, sumarenta. Saia justa, colante, apertando as coxas fortes. Sentada na minha frente, de pernas cruzadas, via os joelhos nus, dobrados, o brilho da pele esticada na rótula. Fêmea saudável, negócio sério na cama. Ombros suaves, numa curvatura que se prolongava nos braços que saíam da blusinha vermelha […]’. E por aí afora…


Naquele ano de 1958, Nelson Rodrigues espantou o Rio com a peça ‘Os Sete Gatinhos’, em que um pai de classe média, usando as filhas como atração, faz de sua casa um prostíbulo. Ao lado do autor de ‘O Ventre’, o dramaturgo revelava, assim, que o país, então, ia muito além dos barquinhos a navegar nas águas de Ipanema.


BERNARDO AJZENBERG , escritor, tradutor e jornalista, é autor, entre outros, de ‘Homens com Mulheres’ e ‘A Gaiola de Faraday’ (Rocco)


O VENTRE


Autor: Carlos Heitor Cony


Editora: Objetiva/Alfaguara


Quanto: R$ 29,90 (192 págs.)


Avaliação: ótimo’


 


TELEVISÃO
Folha de S. Paulo


Morre o Visconde de Sabugosa da TV


‘Morreu ontem, pela manhã, no Rio de Janeiro, o ator André Valli, que completaria 63 anos no próximo dia 12 de julho. Ele ficou conhecido por ter interpretado o Visconde de Sabugosa, na adaptação para a televisão do ‘Sítio do Picapau Amarelo’, obra de Monteiro Lobato.


Valli tinha câncer e estava em casa, no bairro de Copacabana, na zona sul da cidade.


André Valli nasceu em Recife, em 1945. Em 1965, foi para o Rio estudar teatro. Um de seus primeiros trabalhos foi ‘Roda Viva’, peça de Chico Buarque que estreou em 1968. Em São Paulo, fez a peça ‘Galileu Galilei’, de José Celso Martinez Corrêa.


Valli dirigiu os musicais ‘Elas por Ela’, com Marília Pêra, e ‘Charity, Meu Amor’. Também foi assistente de direção de Pêra na comédia ‘O Reverso da Psicanálise’.


Na TV, além da série infantil, na qual viveu de 1977 a 1986, na Globo, seu personagem mais marcante, o Visconde, o ator trabalhou em cerca de 20 novelas, entre elas ‘O Bem Amado’, ‘Pecado Capital’, ‘Selva de Pedra’, ‘Escrava Isaura’ e ‘Laços de Família’.


Telona


No cinema, a estréia foi em 1974, com o filme ‘Lobisomen’. Atuou, entre outros, em ‘Bonitinha, Mas Ordinária’ e ‘Vestido de Noiva’, inspirados nas peças de Nelson Rodrigues, seu autor favorito.


Também fez participações em filmes da Xuxa e em minisséries, como ‘Despedida de Solteiro’ e ‘Hoje É Dia de Maria’. Seu último trabalho na Globo foi na segunda versão dessa produção, de Luiz Fernando Carvalho, em 2005.


Em seguida, foi para a Record, onde fez duas novelas: ‘Cidadão Brasileiro’ (2006), na qual vivia o dissimulado office-boy da prefeitura Gasosa, e ‘Vidas Opostas’ (2006/07), em que interpretou um agiota apaixonado pela personagem de Íris Bruzzi. Neste ano, ainda teve participação especial no humorístico ‘Zorra Total’.


Seu corpo seria velado ontem no teatro Villa Lobos, em Copacabana. À noite, seguiria para Recife, onde vive sua mãe, e deveria ser enterrado hoje.’


 


***


Atriz Dirce Migliaccio, a primeira Emília, se emociona ao falar do parceiro


‘Dirce Migliaccio, 76, que interpretou a primeira boneca Emília no ‘Sítio do Picapau Amarelo’, se emocionou ao falar de André Valli. ‘Fomos companheiros de trabalho e trocávamos confidências. Agradeço imensamente a passagem dele pela Terra’, disse a atriz, que atualmente mora em um hotel na Grande São Paulo.


A atriz Íris Bruzzi, que contracenou com Valli em ‘Vidas Opostas’ (Record, 2006/07), última novela do ator, deu sua declaração aos prantos. ‘Ele é meu amigo há muitos anos. Nunca me esqueço de quando levei minha neta, vestida de Emília, para ver uma gravação do ‘Sítio’. Ele já estava saindo, mas, quando nos viu, voltou, vestiu novamente a fantasia e se maquiou. Era uma criatura maravilhosa’, afirmou a atriz e ex-vedete.


A Record soltou ontem uma nota sobre a morte do ator. No texto, diz que ‘seu talento e a qualidade de sua interpretação contribuíram para o sucesso das produções da Record’. A Globo, emissora na qual o ‘Sítio’ foi exibido, não havia enviado mensagens sobre Valli até o fechamento desta edição.


O novelista Lauro César Muniz elogiou o ator. ‘Ele atuou em novelas minhas, como ‘Escalada’ [Globo, 1975] e ‘Cidadão Brasileiro’ [Record, 2006], e era um ator extremamente dedicado a seus personagens. Tinha um humor latente e permanente com o qual nós, autores, sempre podíamos contar.’


O ator Aramis Trindade, um dos intérpretes do Visconde no remake do ‘Sítio’, lembra que Valli fez questão de se apresentar a ele, há dois anos, nos estúdios da Globo. ‘Percebi rapidamente um carinho tão grande quanto o do personagem.’’


 


Folha de S. Paulo


‘Roda Viva’ lança site de pesquisa


‘‘Memória Roda Viva’ é o novo canal de pesquisa na internet do programa semanal da TV Cultura. A ferramenta, incluída nos sites www.tvcultura.com.br/rodaviva e www.rodaviva.fapesp.br, disponibiliza 205 entrevistas, em textos, dos 22 anos de história programa. A previsão é de que, até 2009, o acervo completo de entrevistas do ‘Roda Viva’ esteja acessível ao público.’


 


 


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