Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A moral dos outros

Se o leitor observar atentamente o noticiário político, haverá de notar que as notícias sobre desmandos no Congresso Nacional obedecem a uma ordem sazonal, como as safras e as festas populares.


Geralmente, no início do ano, quando o Parlamento sai preguiçosamente do recesso e são eleitas as mesas diretoras da Câmara e do Senado e indicados os integrantes dos cargos mais importantes – e mais rentáveis – surgem os primeiros sinais de irregularidades, que podem ou não evoluir para o escândalo nas páginas dos jornais.


Quase sempre, candidatos preteridos nas escolhas pelas melhores fatias do poder fazem vazar para algum jornalista a folha corrida dos concorrentes. Em seguida, circulam por Brasília boatos e pequenos dossiês, que reforçam as suspeitas. Então, na falta de notícias sobre votações, a imprensa volta os olhos para aquilo que cheira mal.


E nasce o escândalo.


Corruptos e corruptos


Mas em seguida começam os trabalhos no plenário, e o jogo de interesses mais amplos começa a se sobrepor aos casos pontuais. A turma do ‘deixa disso’ começa a se movimentar, anunciando ‘medidas moralizadoras’, correções de rumo e grandes soluções para tudo – e, no final, os nobres parlamentares conseguem justificar um aumentozinho em seus vencimentos, como aconteceu na sexta-feira antes do carnaval.


A explicação é sempre a igualdade entre os poderes, como se pudesse ser comparado o currículo de um pequeno e seleto grupo de juristas que chegam ao Supremo Tribunal Federal e algumas centenas de parlamentares que, embora levados ao poder pelo voto direto, nem sempre têm uma lista de serviços prestados à causa pública. Muitas vezes, pelo contrário, chegam ao Congresso arrastando extensas fichas policiais.


Mas a imprensa não os trata com igualdade.


Há corruptos e corruptos, há os corruptos da situação e da oposição, em todos os níveis de poder, e isso efetivamente influencia a disposição da imprensa para manter o elã fiscalizador.


Congresso rasga a fantasia


A sucessão de notícias deletérias sobre o Congresso Nacional, que se avolumou após a escolha do deputado Edmar Moreira – o senhor do castelo – para o cargo de corregedor da Câmara – produziu algumas declarações de figuras notórias da política sobre a intenção do Parlamento de ser mais claro na prestação de contas à sociedade.


Mas nem tudo é o que parece.


A decisão de divulgar as notas fiscais apresentadas pelos parlamentares para justificar as tais ‘verbas indenizatórias’, saudada pela imprensa como o começo de uma nova era de transparência no trato com o dinheiro público, logo se revelou ser apenas uma manobra dissimulatória – na verdade, os dirigentes do Congresso se negavam a tornar a medida retroativa e, pior, se negavam a tornar público o CNPJ que identifica as empresas fornecedoras de notas fiscais aos senhores parlamentares.


Como se sabe, uma das causas que derrubaram Edmar Moreira da Corregedoria da Câmara foi a descoberta de que ele usava notas fiscais de suas próprias empresas de segurança para justificar seus gastos como deputado. Portanto, para qualquer pessoa com mediana capacidade de compreensão, parece claro que a única maneira de prestar contas de fato é divulgar os gastos e suas origens, ou seja, explicitar a identidade das empresas que supostamente receberam o dinheiro.


Mas uma medida assim delicada demora a ser absorvida pelo complexo de falcatruas que parece se esconder na contabilidade do Legislativo.


Banda podre


Agora, os nobres parlamentares oferecem uma solução que beira o cinismo. O senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-PB) apresentou uma proposta de emenda constitucional que extingue a verba indenizatória, mas na prática agrega seu valor ao salário dos deputados e senadores, equiparando-os aos vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal.


Foi aplaudido até mesmo por representantes da oposição, que não perdem oportunidade de engrossar o coro da moralidade pública. A imprensa apenas registrou a iniciativa do senador Cavalcanti, sem aprofundar o debate. Parece que cansou.


Na interminável sucessão de acusações e escusas, mais uma vez a banda podre do Congresso parece vencer pelo cansaço. Porque agora é carnaval.