“Esquerdismo, doença infantil do comunismo”, precisamente com este título, há cerca de 95 anos (Maio de 1920), Vladimir Ilitch Lenin escreveu e publicou em Moscou um ensaio-panfleto denunciando severamente os PCs da Alemanha e da Inglaterra pelo extremismo de suas estratégias, visto como “desvio ideológico à esquerda”.
No cerne das acusações do patriarca do comunismo, a intransigência destes radicais que consideravam inúteis os partidos políticos, desnecessária a atuação do Partido nos parlamentos “burgueses” e, portanto, qualquer compromisso com os trabalhistas e social-democratas descartados liminarmente como “reformistas”, embora dominassem amplos setores da classe operária nos respectivos países.
A advertência de Lênin mostrou-se plenamente justificada uma década depois quando o delirante PC alemão cometeu o catastrófico disparate ao converter a social democracia reformista e não o nacional-socialismo hitlerista no principal adversário dos comunistas.
O Cavaleiro da Esperança, Luis Carlos Prestes, cometeu o mesmo erro nada menos do que três vezes e, aparentemente, não por ignorar a repreensão de Lênin mas por não identificar suas alianças com a necessária objetividade: em 1935, deixou de lado a recém-lançada e robusta Aliança Nacional Libertadora e partiu para uma canhestra insurreição militar (mais tarde explicada de forma ainda mais canhestra como “levante antifascista”).
Em 1945, recusou enxergar Vargas como o verdugo da sua mulher, Olga Benário e embarcou no “queremismo” em vez de aproximar-se dos socialistas não-revolucionários, dos reformistas civis da ANL e dos camaradas-tenentistas que sempre desconfiaram dos compromissos democráticos de Vargas. Em 1963-1964 finalmente apostou todas as fichas num confronto de Jango com as lideranças “burguesas” que se preparavam para disputar as presidenciais de 1965. Sabemos o resultado da desastrada e desastrosa aposta.
A doença do infantilismo esquerdista diagnosticada por Lênin é contagiosa, incurável, desafia o tempo e o espaço. Não obstante as preferências dos seus fundadores por Trotsky e não pelo deformado stalinismo, o PT deixou-se contaminar pelo esquerdismo doentio e suicida que o pai do comunismo soviético antecipou com tanta perspicácia e acuidade.
Imantada ao noticiário da Lava-Jato e ao jorro contínuo dos escândalos, nossa imprensa e nossa sociedade parecem mesmerizadas pelo rosário e dimensões das roubalheiras, completamente desatentas a sintomas não menos graves da síndrome do esquerdismo infantil — a incompetência.
O dedo podre do aparelhamento partidário existe em todos os quadrantes do universo ideológico. A direita é burra, estupida. Mas o esquerdismo infantilóide está nos obrigando a conviver de forma patológica com a inépcia. Uma aberrante solidariedade com incapazes e néscios, porém beneficiados pela identidade de ideias, está produzindo um irreparável retrocesso.
A devoção às nulidades em situações-limite como a que vivemos é criminosa, mas este tipo de crime não está previsto no Código Penal. Ao contrário é estimulado. A cada dia que passa o Estado brasileiro torna-se mais vulnerável à imperícia de seus agentes. A expansão ilimitada desta bisonhice funcional acaba por impor-se como padrão, atingindo indistintamente todos os atores e elencos da cena política: a situação e oposição, o mercado e a academia, eleitos e eleitores, a imprensa e seus críticos — todos parecem igualmente estabanados e enfileirados.
O paroxismo que Lênin denunciou foi na verdade um apelo à razão e à eficácia. A paranoia esquerdista difere muito pouco da paranoia direitista. Igualmente tortas, só deixarão de reproduzir-se quando finalmente for aplicada a vacina contra a mosca azul — um aedes de última geração que prefere a estultice e só prolifera ao lado dos incompetentes e burocratas do aparelho estatal.