Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Dos mascarados e entrudos à internet e negócios milionários

“O carnaval é a única festa nacional que consola a gente do calor, da queda do mil-réis, da política, dos programas de salvação pública e dos desastres de aviação militar” (Ribeiro Couto, 1898-1963)

A palavra carnaval vem do latim carnem levare (“abstenção da carne”), primitivamente designativo da terça-feira gorda, tempo a partir do qual a Igreja suprime (em latim levare) o uso da carne, que originaria carne levare, carne-levale e, finalmente, carnevale em italiano. Embora aceitável foneticamente, mestre Antenor Nascentes (1886-1972) descarta carrus navalis (“carro naval”, carreta no formato de um barco, que abria algumas festas romanas populares) como outra possível etimologia do vocábulo.

“Do ponto de vista folclórico e etnográfico”, afirmou o escritor e folclorista Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), “o carnaval é um índice anual de sobrevivências e elementos reais de psicologia coletiva, adiantamento ou atraso educacional, não falando nas revelações que a psicanálise permite verificar em massa. Música, indumentária, elevação ou pobreza espiritual são trazidos ao alcance do estudo e da observação durante as setenta horas carnavalescas.”

É certo que um baile à fantasia, no melhor estilo europeu, tenha ocorrido no Rio de Janeiro em 1824 ou 1825, no Teatro Real de São Pedro de Alcântara (local onde fica o atual Teatro João Caetano), com a presença de D. Pedro I (1798-1834). E que um fato pitoresco nele se passou. A muito jovem e travessa Estela Sezefredo (1810-1874), de apenas 14 ou 15 anos – que se casaria posteriormente com o notável ator João Caetano dos Santos (1808-1863) –, acertou um limão de cheiro bem no rosto do imperador, sendo presa por isso.

Os primeiros bailes

Mas o registro oficial de um evento desta espécie entre nós data de 1835. Era um sábado, 7 de fevereiro, quando se realizou o Baile dos Mascarados, no pequeno Hotel de Itália, na Rua Espírito Santo (hoje Rua Pedro II), no Largo do Rossio, a atual Praça Tiradentes.

No primeiro baile carnavalesco do Rio de Janeiro, os ingressos, individuais, custavam dois mil réis. A iniciativa desta festa partira dos proprietários do hotel, procurando imitar os grandes bailes de máscaras europeus. As máscaras, em cera, veludo ou cetim, de finíssimo acabamento, tinham sido introduzidas aqui um ano antes, por influência francesa. Em virtude do sucesso obtido, dois outros bailes de máscaras aconteceram em 1840 (em 22 de janeiro e 20 de fevereiro) no mesmo hotel, mencionando-se agora a palavra Carnaval.

Criada em 1845, a Sociedade Constante Polca fez um baile à fantasia no Hotel de Itália em 1846, só para sócios. Também em 1846, na noite de sábado, 21 de fevereiro, a meio-soprano Clara Delmastro Eckerlyn (s/d) – que viera para o Brasil em 1844, com a Companhia de Giuseppe Galatti (1806-1900), representar Joan Seymour na ópera Anna Bolena, de Donizzetti (1797-1848) – promoveu um memorável baile de carnaval no Teatro de São Januário, na Rua do Cotovelo, com entrada paga. Nos anos seguintes, a moda dos carnavais dançantes se propagou, principalmente na década de 1870.

Luxuosos e cada vez mais animados, sucederam-se os bailes nas casas de espetáculos. E, até o fim do século, estenderam-se aos cafés-concerto, clubes de dança, grêmios recreativos, parques públicos, rinques de patinação, circos e casas de família. As músicas executadas iam desde aberturas de óperas, valsas, quadrilhas, polcas e mazurcas, passando por cake-walk, scottish e tango, até o lundu, maxixe e, posteriormente, o charleston.

O carnaval de rua

Trazido de Portugal, antes só havia o entrudo, que em nada lembrava o carnaval europeu. Do latim introitu (que significa “entrada, introdução – são os três dias que precedem a entrada da Quaresma”), o entrudo era uma verdadeira passeata, alegre e muito violenta, que acontecia nas ruas e do alto dos sobrados. Galhofeiramente, nos outros se jogava água pura, água destilada, limões de cheiro, vinho, vinagre e groselha. Além de talco, farinha de trigo, fuligem, cal, alvaiade, pós de sapato, vermelhão e goma. Utilizavam-se baldes, bacias, canecos, cabacinhas, seringas de flandres, laranjas e limões de cheiro, borracha ou celuloide e as bisnagas, predecessoras do lança-perfume metálico, que apareceu em1885. Atirava-se também água suja, ovos podres, talos de hortaliça, piche e pó-de-mico – valia tudo para sacanear o próximo! A molhação provocava gripes e até mesmo pneumonia.

A sujeira e a pancadaria decorrentes do entrudo obrigavam os comerciantes a fechar as portas de lojas e armazéns. Embora humilhante e brutal, a brincadeira empolgava a maioria dos escravos, os senhores e a nobreza, sendo proibida por lei desde o início do século 17 e combatida pela imprensa. No decorrer dos tempos foram vários e inúteis os avisos, editais e portarias contra o entrudo. Em 1904 não houve entrudo, que ressuscitaria em 1905 e 1907, desaparecendo lentamente a partir de 1910.

O carnaval de rua propriamente dito dar-se-ia a partir de 1846, com o surgimento da figura popular do “Zé Pereira”, vivido pelo sapateiro português José Nogueira de Azevedo Paredes (s/d), estabelecido no número 22 da Rua São José. Numa segunda-feira de carnaval, o “Zé Pereira” saiu à rua com um grupo de oito folgazões lusitanos, a cantar, berrar e bater o bumbo pelo centro da cidade. De acordo com a cronista Eneida de Moraes (1898-1971), o “Zé Pereira” “foi traduzido em brasileiro e tomou conta da cidade: virou cidadão carioca”.

As primeiras sociedades

Inspirado na canção francesa ‘Les Pompiers de Nanterre’, de Antonin Louis (1845-1915), o refrão do “Zé Pereira” apregoava: “E viva o Zé Pereira / Que a ninguém faz mal / E viva a bebedeira / Nos dias de Carnaval: / Viva o Zé Pereira / Viva, viva, viva!” Os foliões percorriam então as ruas, fantasiados ou mascarados, marcados em ritmos diversos por tambores e zabumbas, gritando, fazendo gracejos e zombarias. Outros entoavam cantigas de roda. Dançava-se o jongo, coreografia mística e sensual, de origem africana, trazida de Angola pelos negros bantos, percutida por três atabaques: tambu, candongueiro e caxambu. Antecessor do samba, o jongo persiste em nossos dias.

Fundada em 1854, a primeira sociedade carnavalesca, chamada “Congresso das Sumidades Carnavalescas”, iniciou o desfile dos préstitos em 1855, com a participação dos romancistas Manuel Antônio Almeida (1831-1861) e José de Alencar (1829-1877). E tinha na plateia a família imperial. Uma banda marcial, vestida com o uniforme dos cossacos ucranianos, vinha abrindo o cortejo. Puxado por belos cavalos, um dos carros levava uma alegoria de Dom Quixote, que portava a bandeira da agremiação. Ao redor, mandarins, nobres, dançarinas, ciganos, odaliscas e personagens históricas em uma autêntica procissão. E moças que lançavam beijos aos populares e lhes arremessavam saquinhos de balas.

Carnaval no Rio de Janeiro

Carnaval no Rio de Janeiro / Foto Flickr / CC

Despontariam outras sociedades: “União Veneziana”, “Zuavos Carnavalescos” e “Euterpe Comercial Tenentes do Diabo” (1855). Posteriormente, “Democráticos” (1867), “Fenianos” (1869), “Infantes do Diabo” e “Congresso dos Fenianos”. E algumas de curta duração, como “Estudantes de Heidelberg”, “Acadêmicos de Joannisberg”, “Clube X”, “Boêmia”, “Clube dos Socialistas” e “Novo Clube X”.

Pela afrancesada e estreita Rua do Ouvidor – então a mais notável do comércio e do mundanismo cariocas – desfilavam os principais préstitos, que seguiam depois pela Rua do Teatro, Largo de São Francisco e Praça da Constituição. Egresso da Folia de Reis, em 1873, um rancho natalino saiu pela primeira vez no período do Carnaval. Em 1877 apareceram os pufes, desafios compostos em versos, entre as sociedades carnavalescas. Nomes ilustres como Olavo Bilac (1865-1918), Emílio de Menezes (1866-1918), Atílio Milano (1897-1955), Aloísio Neiva (s/d) e Calixto Cordeiro (1877-1957) fizeram pufes.

O corso na Avenida Central

Os blocos e os cordões começaram a se formar nas décadas de 1880 e 1890. E os ranchos carnavalescos, depois de 1892, com instrumentos de percussão, sopro e cordas, tocando melodias em ritmo lento. Em 1897, o bairro de Madureira e outros subúrbios distantes do Centro organizam seu próprio carnaval. Em 1899 é composta por Chiquinha Gonzaga (1847-1935), pianista, maestrina e iconoclasta, a primeira música essencialmente carnavalesca – a marcha-rancho “Ô Abre-Alas”, feita para o cordão Rosa de Ouro. Em 1900, ocorreria o primeiro baile de carnaval em Copacabana, considerada insalubre e um imenso areal. As músicas carnavalescas já refletiam e satirizavam os fatos sociais e políticos da época.

Na Praça Onze, na casa da baiana Hilária Batista de Almeida (1854-1924), a famosa Tia Ciata – mãe de santo e partideira que trouxe o samba de roda para o Rio de Janeiro em 1876 –, reuniam-se malandros e compositores para saraus musicais fartamente regados a acepipes. Essa hospitalidade festiva contribuía para o desenvolvimento deles na cidade.

Em 1906, com a abertura da Avenida Central (mais tarde Av. Rio Branco), os folguedos para lá se deslocam. O jornal Gazeta de Notícias lança o primeiro concurso de cordões. Em 1907, surge o legendário “Ameno Resedá”, “o rancho que foi escola”. E ainda, inspirado em um desfile no carro presidencial, em 1º de fevereiro, por toda a Avenida Central, das filhas do Dr. Afonso Pena (1847-1909), inicia-se a moda do corso: automóveis e caminhões abertos, enfeitados e apinhados de foliões fantasiados, que brincavam entre si e com os passantes das ruas e calçadas.

Uma curtição! Realizavam batalhas de confete e serpentinas, duelos de lança-perfume, e atiravam pequenas balas envoltas em papel crepom, os jetons. Em filas indianas, os veículos transitavam em marcha reduzida, saindo geralmente da Praça Mauá, atravessando a Avenida Central e estendendo-se pela Avenida Beira-Mar até o antigo Pavilhão Mourisco, na Praia de Botafogo.

O High Life e o Municipal

Em 1908 deixava-se de lado a Rua do Ouvidor. Era inaugurado neste ano o célebre “High Life”, na Rua Santo Amaro, no Catete. Um casarão de dois andares, com amplos salões e varandas, no qual se promoviam quatro grandes e animadíssimos bailes, exclusivamente no Carnaval – eram festas de arromba! Em 1909, o “High Life” instituiu o primeiro baile premiando fantasias e folionas mais bonitas.

Em 1911, a Avenida Central recebe iluminação elétrica. Pula-se o carnaval por toda parte. Um dos locais mais badalados era a saudosa Galeria Cruzeiro, no Hotel Avenida (atual Edifício Avenida Central). Em Vila Isabel tornaram-se famosas as batalhas de confetes da Rua Dona Zulmira e do Bulevar Vinte e Oito de setembro.

Caranval carioca / Foto Flickr / CC

Caranval carioca / Foto Flickr / CC

Em 1916, arrendado a um particular, o restaurante Assyrio, no Teatro Municipal (inaugurado em 1909), deu seis bailes noturnos de carnaval, em 19 e 26 de fevereiro, e em 4, 11, 18 e 19 de março, com entradas a dez mil réis por pessoa, vestindo traje a rigor ou fantasia mascarada.

O carnaval se transforma

Em janeiro de 1917, grava-se o histórico “Pelo Telefone”, de Donga (1890-1974) e Mauro de Almeida (1882-1956), inicialmente com a Banda Odeon e, logo, na voz de Baiano (1870-1944) e coro. Sucesso nacional, ele é considerado formalmente o primeiro samba registrado em disco no Brasil. Porém, o musicólogo Roberto Moura (1947-2005) garante que dois outros sambas já haviam sido gravados antes pela mesma Casa Edison: “Em Casa da Baiana”, em 1913, e “A Vila Está Magoada”, em 1914.

Mais oito músicas caracteristicamente carnavalescas e o samba iria virar modismo, penetrando na sociedade de consumo, notadamente a partir de 1923, quando o advento da radiodifusão no país ensejou o surgimento de uma nova geração de cantores e compositores populares.

Em 1918, funda-se o clube Cordão da Bola Preta e, no antigo Teatro Fênix, acontece pela primeira vez o “Baile dos Artistas”. Em 1920, começa a sair o bloco do “Eu Sozinho”, constituído – como o nome diz – de um folião apenas. Banhos de mar à fantasia realizam-se no estreito balneário do Flamengo durante os carnavais no decênio de 1920, com sucesso entre os praianos, e plateia aglomerada na mureta.

A Praça Onze, na Cidade nova, transforma-se no ponto alto dos festejos carnavalescos. Em 1926, trazidos por uma empresa estrangeira, vieram os primeiros turistas do exterior para apreciar o carnaval carioca.

Em 1929 ficam célebres as batalhas de confetes dos bondes São Januário e São Cristóvão. Nestes anos 1920 sumiram do carnaval os tradicionais e barulhentos “Zé Pereiras”. Após 1930 foi-se acabando o corso, em decorrência da dificuldade de aquisição de automóveis de capota arriável (caros e rarefeitos no mercado) e de problemas causados no trânsito, crescente e congestionado.

As escolas de samba e os desfiles iniciais

Na opinião de Sérgio Cabral (1937 -), jornalista, escritor, pesquisador e divulgador da MPB, “na história das escolas de samba, os fatos, muitas vezes, misturam-se com as lendas. Isso acontece principalmente quando se quer saber quais foram os primeiros a fazer determinadas coisas. Cada um defende para si ou para o seu grupo o pioneirismo de tudo o que aconteceu e acontece com as escolas de samba”.

Em 12 de agosto de 1928, nas redondezas do bairro do Estácio de Sá, nasce a primeira escola de samba, a “Deixa Falar” – na verdade, o “Bloco Carnavalesco Deixa Falar”; depois, “Rancho Carnavalesco Deixa Falar”. Em parte originária dos ranchos, muitas outras adviriam, acentuadamente nos morros e subúrbios. A designação “escola de samba”, sugerida por Ismael Silva (1905-1978) no Estácio, seria adotada gradativamente, firmando-se a partir de 1935.

Amigo de Villa-Lobos (1887-1959), o baiano José Gomes da Costa “Spinelli” (1901-1943), conhecido também por “Zé Espinguela”, presidente do “Bloco dos Arengueiros” – que em 30 de abril de 1929 se tornaria a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira – e, desde 1927, realizador de encontros musicais de sambistas no Engenho de Dentro – em um terreiro de macumba de sua propriedade – promoveria em 1930 o primeiro desfile público das escolas de samba, num local ao lado de um armarinho que ficava entre a Cervejaria Brahma e a Praça Onze. Venceu a Mangueira, com o enredo “Baianinha de São Salvador”.

Em 9 de fevereiro de 1932, domingo de carnaval, o jornal Mundo Esportivo – dirigido por Milton Rodrigues (1905-1972), em sua redação militavam diversos jornalistas ligados diretamente à música popular brasileira, como Orestes Barbosa (1893-1966), Antônio Nássara (1910-1996) e Armando de Lima Reis (1910-1983) – bancava o certame, divulgando amplamente o evento por toda a imprensa. Eram dezenove as escolas concorrentes, reunidas na Praça Onze pelo repórter Carlos Pimentel (s/d). Ganhou outra vez a Mangueira, sob o entrecho “Sorrindo”.

Em 1933, o patrocínio coube a O Globo (nova vitória da Mangueira, com o tema “Uma Segunda-Feira no Bonfim”); em 1934, ao jornal A Hora (deu Recreio de Ramos, com “Brasil, Legião de Estrangeiros”); em 1935, ao jornal A Nação (venceu a Vai Como Pode, hoje Portela, apresentando “O Samba Dominando o Mundo”). Em 1934 formara-se a União Geral das Escolas de Samba, Uges, o primeiro órgão de classe dos sambistas. Em 1935, o prefeito do então Distrito Federal, Pedro Ernesto (1884-1942), oficializou os desfiles e tornou obrigatória a utilização de uma temática nacional nos enredos das escolas.

Jornalista e pesquisadora, Dulce Tupy (1948 -) afirma que “o êxtase das escolas de samba só virá, de fato, muito mais tarde. Se o rádio foi o veículo de afirmação do sambista prestes a se profissionalizar, a escola de samba foi a trincheira onde o negro se defendia de sua situação marginal. No momento em que a sociedade brasileira fazia uma revisão de seus valores políticos/culturais, a escola de samba estava apta a revelar um universo preservado pela comunidade negra desde o período colonial”.

Os anos dourados da folia

“Quem foi que inventou o Brasil? / Foi seu Cabral! / Foi seu Cabral! / No dia vinte e um de abril / Dois meses depois do carnaval…” (Lamartine Babo (1904-1963), “História do Brasil”.

Os concursos de músicas carnavalescas haviam sido regulamentados em 1932 pelo prefeito Pedro Ernesto, embora muitos deles já existissem extrarregularmente antes. 1932 foi ainda o ano da oficialização do carnaval carioca e da realização do primeiro grande baile do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, patrocinado pelo Touring Club do Brasil e efetuado às onze horas da noite de 8 de fevereiro, com ingressos a sessenta mil réis. A decoração do salão do teatro coube ao colunista social Gilberto Trompowsky (1912-1982), que se assinava G. de A.

Nos anos vindouros seguiram-se outros bailes no Municipal, virando uma tradição. E também os dos hotéis Glória e Copacabana Palace, dos cassinos da Urca e Atlântico, do Automóvel Clube, dos Cronistas Carnavalescos, dos Pierrôs, do Rádio, das Atrizes, dos Travestis, dos clubes Flamengo, Fluminense, Vasco, Botafogo, Marimbás, Monte Líbano e centenas mais.

Criada em 1933 pelos jornalistas Vasco Lima (s/d) e Pilar Drummond (s/d), de A Noite, a figura do Rei Momo I e Único – “do latim Momus, derivado do grego Mómos, deus, filho do Sono e da Noite, personificação da maledicência e representado com máscara, tendo na mão um bastão”. Inicialmente, era um grande boneco de papelão, modelado pelo artista plástico Hipólito Colomb (? -1947). Mas em 1934, em consequência do êxito alcançado e para incentivar os foliões, a dupla deu-lhe vida, fazendo de Moraes Cardoso (? -1948), cronista de turfe daquele jornal, o primeiro Rei Momo de carne e osso – ele permaneceria no cargo de 1934 a 1948, quando veio a falecer, em dezembro. Mantendo o costume, sucederam-se outros ocupantes no cargo do rei do carnaval.

Em 1935, com a apresentação do Clube dos Vassourinhas, vindo do Recife, Pernambuco, introduziu-se no carnaval carioca o frevo: um ritmo apoiado no baião e na marcha, mesclado com o maracatu, e que tomou o acréscimo de metais. O nome “frevo” é uma corruptela da primeira pessoa do singular do indicativo presente do verbo “ferver”, já que a cadência frenética da dança põe as multidões literalmente em ebulição.

Ainda em 1935, contestando o Rei Momo, surgiu o Cidadão Momo – o cantor Sílvio Caldas (1908-1998), o primeiro – e, em 1937, elegeu-se o Cidadão Samba – o sambista e compositor Paulo da Portela (1901-1949). Em 1942, a Prefeitura estimulou a animação do carnaval, ofertando prêmios aos ranchos, blocos e escolas de samba, com julgamentos feitos por comissões especializadas por ela designadas.

Em 1944 promovem-se banhos de mar à fantasia na Praia do Leme, a exemplo do que já ocorrera na Praia do Flamengo. Havia também os concursos de melhores fantasias que, confeccionadas em papel, se desmanchavam na água.

Em 1947 formou-se a Confederação das Escolas de Samba e, em 1949, a Federação das Escolas de Samba do Brasil, ano em que o desfile oficial dos sambistas transferiu-se da Praça Onze para a Av. Presidente Vargas, na altura do Campo de Santana.

Em 1950, a Associação dos Cronistas Carnavalescos lançou o certame de Rainha do Carnaval Carioca, vencido pela vedete e atriz Elvira Pagã (1920-2003), uma paulista escultural – 90 cm de busto, 55 de cintura e 90 de quadris. Até 1959 a competição se dava no sistema de votos vendidos pelas próprias candidatas.

Em 1952, aliam-se as três entidades representativas das Escolas. Em 1953, a mídia impressa considera a apresentação dos sambistas como “a maior atração do carnaval”. Em 1954 criou-se a Associação das Escolas de Samba da Guanabara, AESEG. Em 1957, desloca-se o desfile, ainda gratuito, para a Avenida Rio Branco. Em 1958 comparecem moradores da zona sul às quadras das escolas. A classe média começou a descobrir as escolas de samba, que, até então, só interessavam aos habitantes dos subúrbios e das favelas. Nestes anos 1950 os concursos de fantasias do Teatro Municipal, em luxo e originalidade, alcançaram o auge da fama.

Carnaval carioca, atração internacionalCarnaval 2013

“Eu conheci o samba de pé descalço, hoje o samba está de smoking” (Ismael Silva (1905-1978). Na década de 1960, houve o declínio do rádio e a ascensão da televisão. Circulavam muito por toda a cidade os denominados “blocos de embalo”, sendo os principais os rivais Bafo da Onça e Cacique de Ramos. Os componentes desses blocos marcavam o ritmo batendo dois tamancos com as mãos.

Em 1963, já instituídas pelos órgãos de turismo as entradas pagas, há o crescimento e o retorno dos desfiles à Av. Presidente Vargas. Em 1965 – já em pleno regime militar de exceção –, o governador Carlos Lacerda (1914-1977) financiou amplamente as escolas de samba a fim de que se exibissem rica e luxuosamente – as fantasias eram obrigatórias pelo regulamento, desde 1952 – durante o carnaval do quarto centenário de fundação da cidade.

Nos anos seguintes, as escolas foram se tornando o centro das atenções do carnaval do Rio de Janeiro. Cobravam-se ingressos para que os certames pudessem ser apreciados por um público em expansão: milhares de populares e turistas, acomodados em improvisadas arquibancadas, desmontáveis. As transmissões feitas pelas emissoras de televisão contribuíram para uma afluência de segmentos dos setores artísticos, culturais e da sociedade aos desfiles.

A partir de 1965, com a pioneira Banda de Ipanema, desenvolveram-se nos bairros e nas ruas grande número de bandas carnavalescas que esquentavam mais ainda as folias de Momo. Em 1967, a classe média engrossa a frequência dos ensaios das escolas de samba. E o samba-enredo “O Mundo Encantado de Monteiro Lobato”, da futura campeã Mangueira, fez inusitado sucesso nos salões dos bailes de carnaval. Ao final do ano de 1967 era gravado um disco de vinil em LP com os sambas-enredos do carnaval de 1968, antecipando assim ao povo, pela primeira vez, letra e música das escolas de samba. Em 1969/1970, a Portela traz os seus ensaios para a sede náutica do clube Botafogo, no Mourisco, na zona sul carioca.

Nos anos 1970, comercializam-se e agigantam-se as escolas. O samba e os sambistas são ofuscados pelo brilho das fantasias e da beleza dos carros alegóricos. Para evitar os constantes atrasos nos desfiles, limitou-se o tempo de exibição de cada escola na pista. Em 1974 e 1975, a apresentação dos sambistas foi deslocada para a Avenida Presidente Antônio Carlos. E, em 1978, para a Rua Marquês de Sapucaí. É interessante ressaltar que já havia um plano elaborado, desde 1974, na Associação das Escolas de Samba, AESEG, manifestando a necessidade imperiosa de se fixar os desfiles em um lugar apropriado e permanente, exatamente naquele logradouro.

Do sambódromo à internet

“Sem bicho [o jogo] e bicha não há carnaval” Carlos Imperial (1935-1992)

Em 1984, com o projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer (1907-2012) e em rápida execução, inaugurou-se, no governo de Leonel Brizola (1922-2004), a designada Passarela do Samba (Passarela Professor Darcy Ribeiro, 1922-1997), na Rua Marquês de Sapucaí. Local aparentemente definitivo – salvo especulações sobre novas mudanças que ora ou outra surgem eventualmente – para ser o palco das escolas. Logo apelidado de Sambódromo, é dotado de espaçosas e imponentes arquibancadas de concreto armado e de reversíveis camarotes que se tornam salas de aula no período letivo, em um CIEP, Centro Integrado de Educação Pública. Há ainda uma gigantesca Praça da Apoteose, na qual as escolas deveriam evoluir após as apresentações. Esta ideia da “apoteose”, considerada inviável, foi revogada pelos próprios sambistas dois anos depois.

Na estreia da Passarela do Samba, no carnaval de 1984, deu Mangueira na cabeça, com o enredo “Yes, Nós Temos Braguinha”. Descontentes com a sua Associação, um grupo de dirigentes das principais organizações do samba fundou, em 24 de julho daquele ano, a Liga Independente das Escolas de Samba, Liesa, que se encarregaria dos interesses das agremiações e da preparação dos desfiles, utilizando a informática.

No vaivém dos deslocamentos, da Praça Onze de Junho à Marquês de Sapucaí, passando pelas avenidas Rio Branco, Pres. Vargas e Pres. Antônio Carlos, os desfiles das escolas de samba transformaram-se em uma atração internacional, constituindo-se no ponto alto do carnaval brasileiro e num dos mais belos, ricos e luxuosos espetáculos visuais do mundo, em que não falta tecnologia, engenho e arte.

No entanto, o crítico e pesquisador José Ramos Tinhorão (1928 -) acha que “os sambistas cometeram um suicídio cultural. Eles, ingenuamente, acreditaram que com a participação de cenógrafos e gente da alta sociedade nas suas escolas seriam melhor aceitos. Não ficaram mais bonitos, continuam pobres e agora só participam do carnaval pelo esforço físico da caminhada e pelo trabalho braçal de empurrar carros”.

Polêmicas infindáveis à parte, estamos vivendo o décimo sexto carnaval do século 21. Hoje temos festa, samba e desfiles transmitidos via internet para todo o planeta. Felizmente não se materializou o vaticínio do sambista Martinho da Vila (1938 -), feito há mais de vinte anos. Segundo o compositor e cantor de Vila Isabel, as escolas de samba, patrocinadas e oligopolizadas, iriam se apresentar nos folguedos momescos do Terceiro Milênio exibindo marcas e logotipos de produtos e empresas. Será que quem sobreviver ainda verá?

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Fernando Moura Peixoto é jornalista