1. Domingo (10): “Ex-deputado que negocia delação cita Wagner e Aécio anunciava a principal reportagem de “Poder”. O texto relatava que o ex-deputado Pedro Corrêa adiantara informações capazes de comprometer cerca de cem políticos –entre eles o senador Aécio Neves e os ministros Aldo Rebelo (Defesa) e Jaques Wagner (Casa Civil).
“Não há nenhuma informação consistente sobre o contexto, tão somente se destacam nomes supostamente mencionados, sem nenhuma prova, indício ou suspeita”, reclamou, com razão, a assessoria do ministro da Defesa (leia abaixo, nota ao fim deste texto).
A inconsistência já havia sido apontada na crítica interna: a afirmação não foi feita em depoimento oficial, mas em negociação na qual o ex-deputado tenta há seis meses, sem sucesso, fechar um acordo de delação premiada. A razão, segundo a reportagem: “Investigadores disseram que Pedro Corrêa até agora não entregou provas convincentes para boa parte dos episódios relatados. A defesa sabe que, para o acordo vingar, os termos precisam ser taxativos e concretos”.
Carece perguntar então: se assim é, por que o jornal deu tanto espaço e destaque à narrativa? Por que os nomes dos políticos foram parar no título e no subtítulo, enquanto a ressalva sobre a confiabilidade da história foi relegada ao fim do texto?
Resposta do editor de “Poder”, Fábio Zanini: “O ex-deputado sempre foi considerado potencial testemunha-chave na Lava Jato, dado o fato de ter presidido o PP, partido que indicou Paulo Roberto Costa [a uma diretoria da Petrobras]. O que ele fala, mesmo sem termos muitos detalhes, me parece relevante”.
2. Terça (12): “Cerveró liga Lula a contrato investigado pela Lava Jato, diz a manchete da Folha. Na sequência, outras duas chamadas: “Ex-diretor cita Renan Calheiros e “Delator fala em propina sob FHC. “Em que critério jornalístico, e não político, cabe a diferença de destaque dada à notícia sobre Lula em relação à de FHC? Obviamente em nenhum”, escreveu Luiz Sérgio Canário, ecoando outras críticas com o mesmo teor. Não é bem assim.
Goste-se ou não, aqui a diferença se ancora, sim, em padrões jornalísticos. A revelação sobre FHC era furo do “Valor Econômico” –ou seja, era notícia do dia anterior, que foi recuperada e exibida com destaque no site da Folha em boa parte da segunda-feira. As outras duas eram novidade. “Além disso, nestes dois casos havia menção à participação individual do então presidente Lula e do senador Renan Calheiros em situações sob investigação. Na citação sobre suborno na gestão tucana, não há referência a quem, no governo ou na Petrobras, teria recebido dinheiro”, declara Vinicius Mota, secretário de Redação/Edição.
Acrescento outra razão que considero fundamental, mas que os jornais nem sempre respeitam, como se vê no primeiro item. Pelo que li, a menção ao governo FHC foi feita durante a negociação prévia de delação (daí, talvez, a mesma vagueza do relato de Pedro Corrêa), e não em depoimento, como no caso de Lula. Na quinta (14), o “Valor” relatou que Cerveró mudou parte de um relato prévio sobre a refinaria de Pasadena, trocando o nome da empreiteira que repassou a propina e acrescentando uma acusação ao senador petista Delcídio do Amaral, agora preso. É uma mostra do quão movediço é o terreno pré-delação.
3. Sexta (15): “Lobista reconhece assessor de Palocci que teria recebido R$ 2 mi, tasca a Folha em título interno. O lobista em questão é Fernando Baiano, que, em acareação, identificou Charles Capella como “o interlocutor” que estava em uma casa de Brasília onde ele se reuniu para acertar a doação ao caixa dois da campanha de Dilma (2010). No parágrafo seguinte, porém, Baiano diz que Capella não participou da reunião –ou seja, não “interlocutou” coisíssima alguma.
Em outra acareação no mesmo dia, Alberto Youssef não reconheceu Capella como o recebedor da propina –que, por sinal, foi o próprio doleiro que entregou. Como o jornal pode ignorar isso e escrever em título que Capella teria recebido o dinheiro? “Não acho que uma versão invalide a outra, e as duas estão registradas”, responde Fábio Zanini. Meu ponto não são versões conflitantes, mas a conclusão indevida: o título uniu o que a acareação separou.
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Leia, abaixo, a íntegra da nota enviada pela assessoria do ministro da Defesa, Aldo Rebelo.
Ministro da Defesa contesta reportagem sobre Lava Jato
A matéria “Ex-deputado que negocia delação cita Wagner e Aécio”, publicada na edição do último domingo (10), embora tenha a pretensão do furo jornalístico, não passou pela apuração necessária e condizente com o cuidado que o trato da informação jornalística requer.
O texto registra que o ex-presidente do PP Pedro Corrêa estaria negociando um acordo de delação premiada e teria adiantado “informações capazes de comprometer aproximadamente cem políticos”. E inclui o nome do ministro da Defesa, Aldo Rebelo, como um dos políticos dessa suposta lista, ao lado dos nomes do ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, e do senador Aécio Neves.
Não há na matéria nenhuma informação consistente sobre o contexto no qual os nomes foram citados, ela tão somente destaca nomes supostamente mencionados pelo ex-deputado, sem nenhuma prova, indício ou suspeita. No entanto, o texto ganhou chamada de capa e edição de destaque, com foto.
É de se notar que, no último parágrafo, o texto chega a informar que “investigadores ouvidos pela Folha disseram que, embora Pedro Corrêa venha narrando o enredo de uma ‘grande crônica política’, ele até agora não entregou provas convincentes para boa parte dos episódios relatados.” Mesmo assim, essa informação não foi suficiente para que a Folha de S.Paulo analisasse os fundamentos da notícia para sua publicação.
Em vez de informar o leitor, a matéria produziu apenas o desgaste inaceitável e desnecessário à imagem das pessoas alvo do texto e o consequente descrédito para um veículo jornalístico, do qual se espera, ao menos, o cumprimento do critério básico de apurar o que noticia.