Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Será possível um jornalismo financiado por todos nós?

Há um bom número de anos que o jornalismo de financiamento coletivo via internet se tornou uma maneira comum de ganhar apoio público – e suporte financeiro – para todos os tipos de projetos, do Coolest Cooler [um tipo de liquidificador] a um fone de ouvido para reality games virtuais ou a um protótipo de uma nave especial voando ou ainda a um fundo financeiro de resgate para a Grécia. A área do jornalismo não é uma exceção.

Do dia 28 de abril de 2009 ao dia 15 de setembro de 2015, 658 projetos relacionados com o jornalismo foram propostos pelo Kickstarter, um dos maiores sites de financiamento coletivo do mundo, recebendo o total – ou mais que o total – do financiamento e chegando a quase 6,3 milhões de dólares (cerca de 26 milhões de reais).crise jornais chapeu com dinheiro ampliada

Esse total – tanto em termos do número de projetos quanto dos financiamentos obtidos – abrange quase todas as outras categorias de financiamento do Kickstarter, da música ao teatro, ao cinema, à tecnologia e aos jogos. Entretanto, o número de projetos de jornalismo que obteve financiamento teve um crescimento contínuo ao longo do tempo e inclui um número crescente de propostas de organizações de mídia consolidadas.

Do lançamento do Kickstarter, em abril de 2009, ao final desse ano, 17 projetos de jornalismo receberam financiamento. Esse número triplicou no ano seguinte, passando a 64 projetos em 2010. O crescimento continuous, alcançando 168 projetos em 2014 e 173 nos primeiros nove meses de 2015 [http://www.journalism.org/2016/01/20/crowdfunded-journalism/#fn-53341-2]. O montante em dinheiro investido nesses projetos também aumentou, passando de 49.256 dólares [cerca de 204 mil reais] em 2009 para 263.352 dólares [cerca de 1,1 milhão de reais] em 2010 e 1.743.668 dólares [cerca de 7,25 milhões de reais] nos primeiros nove meses de 2015. Não menos impressionante é a tendência à ascensão do número de pessoas que contribuem financeiramente com esses projetos de jornalismo – que subiu de 792, em 2009, para 25.651 em 2015.

Voz e visibilidade a esforços que não seriam notados

Uma maioria de 71% dos projetos financiados ao longo desse período de sete anos [http://www.journalism.org/2016/01/20/crowdfunded-journalism/#fn-53341-3] foi produzido por pessoas sem qualquer vínculo com uma organização jornalística – individualmente (43%) ou fazendo parte de um pequeno grupo (29%). Organizações de mídia já consolidadas, como a ProPublica e a Boston Review, representaram 22% desse pequeno grupo, enquanto outros tipos de instituições, como escolas públicas e universidades particulares responderam pelos restantes 7%. E, embora o Kickstarter permita a apresentação de projetos de 18 países diferentes, 84% deles pediram que a caução fosse feita em dólares norte-americanos. A maioria dos projetos (64%) deveria ser realizada nos Estados Unidos, enquanto 36% propuseram o trabalho no exterior, abrangendo mais de 60 países.

Contando, em média, com 54 apoiadores, cada projeto financiado ao longo destes seis anos e meio variou consideravelmente em termos de enfoque, mas muitos deles foram para trabalhos mais demorados e abrangentes, como livros, artigos de revistas e documentários. Em conjunto, esse tipo de projetos respondeu por 43% dos projetos financiados e 36% do total do dinheiro obtido.

No geral, aquilo produzido pelos projetos de jornalismo e a receita obtida com esses empreendimentos de financiamento coletivo ainda é uma gota d’água se comparada ao volume de produção original diário e aos cerca de 20 bilhões de dólares [em torno de 83 bilhões de reais] em receita com origem exclusiva nos anúncios de jornais. O apoio estimulado ao jornalismo pelo Kickstarter também abrange duas fontes de financiamento que chamaram bastante a atenção do mundo do jornalismo nos últimos anos – a filantropia e o capital de risco, que o Centro de Pesquisas Pew calculou em centenas de milhões de dólares apenas em 2013. E o número de projetos relacionados com o jornalismo financiados ao longo do período de sete anos representa uma coisa à toa na atividade total de financiamento coletivo do Kickstarter – tanto em termos de dinheiro obtido quanto do número de projetos. Os pouco mais de 650 projetos financiados ao longo do período de sete anos ficam atrás de todas as outras categorias, às vezes de maneira considerável. Ficam muito longe, por exemplo, dos 18 mil projetos de filmes e vídeos, dos mais de 6 mil projetos de jogos e dos quase 8 mil projetos de arte. O jornalismo também fica atrás de quase todas as outras categorias em projetos.

No entanto, a atividade que cresce aqui significa mais do que dinheiro e prêmios de reportagem. Na era digital que hoje vem evoluindo representa um novo segmento do jornalismo não tradicional, dirigido em grande parte pelo interesse e motivação do público. Traz voz e visibilidade a esforços que provavelmente não seriam notados nem financiados, contribuindo com outra maneira de envolver o público na criação, financiamento e disseminação do jornalismo e acrescentando mais uma opção ao arsenal de fontes de receita que a indústria vem desesperadamente tenta ndo construir.

Por trás dos projetos de financiamento

O Kickstarter, que recentemente se tornou uma corporação de utilidade pública, é uma das duas maiores e mais amplas plataformas de financiamento coletivo, mas atualmente é a única com uma oferta específica para projetos de jornalismo. A outra, Indiegogo, que foi lançada em 2008, oferece categorias para filmes, fotografia, múltiplas mídias e projetos de vídeo digital – mas não tem um gênero específico de jornalismo. Uma outra tentativa, Beacon, foi lançada em 2013 como uma plataforma dedicada ao jornalismo de financiamento coletivo, baseada num modelo de assinaturas, mas atualmente tem como enfoque parcerias e contrapartidas financeiras. Várias outras plataformas de financiamento coletivo dedicadas ao jornalismo surgiram – e desapareceram – durante os últimos anos, como a Spot.us, para jornalismo financiado por comunidades, Contributoria e Indie Voices, para a mídia independente, Emphas.is, para o fotojornalismo, e Vourno, para o vídeo-jornalismo. Uma análise do Kickstarter, portanto, embora não seja inteiramente exaustiva do financiamentocoletivo relacionado a todas as formas possíveis de jornalismo, pareceu uma maneira apropriada para avaliar o status e a dinâmica deste campo emergente.

Para este projeto, os pesquisadores analisaram os dados publicamente disponíveis para os 2.975 projetos propostos na categoria de jornalismo do Kickstarter entre 28 de abril de 2009 e 15 de setembro de 2015, com um exame exaustivo dos 658 projetos de jornalismo que receberam o financiamento total – ou mais que total [http://www.journalism.org/2016/01/20/crowdfunded-journalism/#fn-53341-4]. Os 658 projetos foram codificados manualmente para um número determinado de elementos não disponíveis nas informações públicas, como quem os propôs, que tipos de esforço jornalístico foi apresentado aos potenciais apoiadores, a orientação geográfica e se o projeto era uma nova iniciativa ou a expansão de um trabalho em andamento.

É útil levar em conta que as categorias do Kickstarter podem se sobrepor a outras áreas temáticas. Por exemplo, existem categorias separadas para publicação, fotografia, filme e vídeo que também podem incluir elementos de reportagem. Para a finalidade desta análise, nós trabalhamos com as informações publicamente disponíveis na categoria de jornalismo designada e todos os códigos tiveram por base a descrição e os detalhes fornecidos quando da entrega dos projetos.

O Centro de Pesquisa Pew identificou quatro tipos de pessoas, ou de organizações, por trás dos projetos de financiamento coletivo de jornalismo: pessoas individuais, pequenos grupos sem vínculo entre si, veículos e organizações de mídia e instituições públicas e privadas, como universidades.

O grupo das pessoas individuais foi o que apresentou mais projetos – 43%, ao longo do período de sete anos. Esses projetos variaram de The Smokey Generation, uma história oral digitalizada de bombeiros lutando contra incêndios na floresta, a uma nota biográfica sobre um campo de trabalho paleontológico, de autoria de um escritor freelancer de textos científicos, a uma reportagem de multimídia sobre a Tanzânia, sobre o destino do sapo de Kihansi e sobre o marionete viajante chamado Stevie P. oferecendo mandar cartões postais da Europa.

Projetos de entidades sem fins lucrativos

Os pequenos grupos de pessoas responderam por mais 29%, o que incluiu três estudantes formados em religião que chegaram juntos para produzir, independentemente, um podcast, um livro escrito por duas mulheres sobre o primeiro parque temático do tipo faroeste nos Estados Unidos e dois documentaristas que viajaram à Europa Oriental para contar histórias de refugiados na fronteira entre a Sérvia e a Hungria.

As pessoas envolvidas variaram de aprendizes de kickboxing tailandês a uma equipe de ex-repórteres da National Public Radio, o que reflete a ampla atração e significado do financiamento coletivo para pessoas em todo o espectro jornalístico.

As organizações de mídia também entraram para o financiamento coletivo e com algum sucesso. Aproximadamente uma quarta parte dos projetos de jornalismo financiados durante esse período (22%) foram produzidos por esse tipo de veículo ou de organização de mídia.

Assim como com as pessoas individuais e os pequenos grupos, as organizações de mídia que produziram projetos – e os tipos de projetos que propuseram – tinham uma grande abrangência. O San Francisco Public Press, por exemplo, que funciona desde 2009, procurou financiamento para ampliar a conexão a vizinhança a seu jornal investigativo local por meio da entrega de exemplares impressos por bicicleta; o relativamente bem-sucedido Texas Tribune criou um financiamento para transmissão ao vivo por um ano da cobertura das eleições de 2014; e o Baltimore Brew procurou, e conseguiu, apoio financeiro para expandir sua cobertura da cidade. A proposta da Civil Eats [fonte diária de informações sobre o sistema alimentar norte-americano] era passar de uma empresa de voluntários para uma que pudesse pagar um salário a seus jornalistas e editores, enquanto a NK News procurava apoiadores para financiarem o envio de dois jornalistas, por um tempo longo, para a região fronteiriça entre a China e a Coreia do Norte. E a comunidade online ADHDKidsRock precisava de um apoio financeiro para manter o website funcionando e acrescentar novos recursos.

Instituições públicas e privadas responderam por 7% do total das propostas de jornalismo. As escolas (desde escolas fundamentais até escolas de ensino médio e universidades) foram, de longe, o tipo de instituição mais comum (31, dos 46 projetos com base institucional) e procuraram financiamento para projetos como a edição de verão de um jornal estudantil, uma revista impressa sobre o estilo de vida universitária e uma plataforma para contar histórias online. Também houve vários projetos iniciados por entidades sem fins lucrativos, como o Reef Check California, um grupo que coleta informações sobre a vida marinha; a Sociedade para a Ciência e para o Público [the Society for Science and the Public], que procurou financiamento para um companheiro de seu Manual do Professor para a revista Science News e uma usina de pensamento [think tank] norueguesa, que propôs um livro com enfoque no exame do ambiente para empreendedores em vários países europeus.

Temas menos pesados também recolheram apoio

O número total de projetos financiados decuplicou ao longo do tempo, passando de um total de 17 que receberam financiamento total em 2009, para 173 em 2015. Com a exceção de 2013, o grupo de pessoas individuais abarcou a maior parcela dos projetos, de 30% a 59%, enquanto o grupo das instituições continuou firme, entre 5% e 9% durante o mesmo período. Os grupos de pessoas não mostraram grande alteração em sua parcela no total dos projetos, mantendo-se entre 25% e 35% por todos os anos. As organizações de mídia variaram entre 6% de todos os projetos, em 2009, e um pico de 36% em 2013.

Uma outra maneira de pensar sobre estes projetos financiados é de acordo com o formato ou a estrutura do jornalismo que é produzido. Os pesquisadores encontraram um total de 14 diferentes formatos de mídia representados nos projetos de jornalismo. Os mais comuns são empresas maiores e mais duradouras que não teriam sido possíveis sem o apoio de doadores independentes. Entre essa série de formatos, os projetos relacionados a revistas – que incluíram o lançamento de novas publicações inteiramente desenvolvidas, a expansão de coberturas baseadas em temas por uma revista de mídia e artigos autônomos que os produtores pretendiam lançar em revistas ou jornais já existentes – encabeçavam a lista como o formato mais popular, e respondendo por 20% do total dos projetos financiados na categoria do jornalismo.

Os esforços relacionados aos websites foram outra área popular, respondendo por 16% de todas as propostas financiadas. A maioria desses esforços procurava financiamento para apoiar a criação online de conteúdo de notícias e informação, como o objetivo da Media Diversified de produzir um catálogo interativo de vozes das minorias étnicas no panorama da mídia da Grã-Bretanha. Uma proposta para criar um website multimídia, Nuba Reports, que daria notícias em primeira mão do Sudão do Sul, também não teve sucesso, assim como uma criada por um grupo de jornalistas-cidadãos para ampliar o alcance das reportagens do site Russia Insider. Outras, como The Nicaragua Dispatch, voltaram-se para o financiamento coletivo como uma maneira de manter ou reformar um website já existente; o site pedia aos apoiadores que se empenhassem no sentido de contratar um desenvolvedor de internet. No caso, The Dispatch procurava especificamente transformar o site numa plataforma de financiamento coletivo.

Os livros também respondiam por 16% e abrangiam uma porção de gêneros, como história, romances, relatos pessoais e esportes profissionais, assim como muitas crônicas sobre as caminhadas na Trilha dos montes Apalaches. Também foram financiados vários projetos de livros de jornalistas que procuravam sintetizar (ou ir mais longe) em suas experiências de meses ou anos de reportagem. O jornalista freelancer Nathan Webster, por exemplo, que foi agregado às tropas norte-americanas durante a guerra do Iraque, escreveu dois livros com apoio do Kickstarter; o cartunista dos editoriais e correspondente de guerra Ted Rall procurou financiamento para voltar ao Afeganistão; e o repórter de polícia Thomas Anderson teve dois lançamentos bem-sucedidos com base nos meses de trabalho que passou agregado a agências encarregadas de fazer cumprir a lei que tinham por enfoque o crime provocado pelas meta anfetaminas e a intersecção da cultura da prisão, do crime e da falta de financiamento da saúde mental.

Contar histórias através de documentários – principalmente, embora não exclusivamente por vídeo – era o objetivo de 7% dos 46 projetos financiados. Também estes muitas vezes tinham por objetivo juntar extensos períodos de trabalho para contar uma história mais completa. Um correspondente holandês que queria contar histórias das crianças sírias que vivem no Líbano, um freelancer que queria ampliar o alcance de seu documentário sobre o tráfico sexual de menores nos Estados Unidos e um projeto de longo alcance para contar a história de quatro fotojornalistas afegãos, todos conseguiram apoio financeiro através do Kickstarter. Temas menos pesados também recolheram apoio, como o texto sobre o Campeonato Mundial de Laser Tag de 2014 e filmes sobre um grupo de amigos fazendo uma caminhada pela Trilha John Muir ou o 60º aniversário de Godzilla.

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Nancy Vogt e Amy Mitchell são, respectivamente, pesquisadora de jornalismo no Pew Research Center e diretora de pesquisa de jornalismo no Pew Reasearch Center