Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Não há nada tão ruim que não possa piorar

Este parece ser o mantra dos principais telejornais brasileiros numa monótona ênfase no pessimismo como estratégia editorial. Só pode ser uma opção informativa orientada por objetivos políticos porque faltam argumentos para justificar uma estratégia como esta. Desgraças, desastres, escândalos, corrupção, má administração, carências, crimes, violência são atos e eventos tão comuns em nosso quotidiano quanto as ações humanitárias, solidárias e grandes realizações científicas, culturais ou sociais.

O noticiário, em especial dos telejornais, tornou-se um show de desgraças, tragédias e pessimismo generalizado. A líder absoluta no marketing do negativismo é a TV Globo, que por incrível que pareça, historicamente sempre procurou distanciar-se das baixarias predominantes nas emissoras concorrentes. Os telejornais Bom Dia Brasil e Jornal Hoje preferem os dramas pessoais, os assassinatos envolvendo problemas familiares enquanto o Jornal Nacional e o Jornal da Globo preferem a baixaria política e o derrotismo econômico.

A agenda noticiosa é tão monotonamente constante que o espectador é colocado diante da seguinte dúvida: será que o país está sofrendo um ataque de paranoia coletiva ou se trata de uma linha editorial noticiosa preocupada em consolidar a ideia de que o país não tem mais jeito e nem há solução a vista para problemas como corrupção, epidemias, desastres , obsolescência da máquina estatal, desmoralização da atividade parlamentar, violência urbana, paralisia produtiva e outras mazelas. Enfim, uma aplicação massiva da lei de Murphy, segundo a qual tudo o que pode dar errado, dá errado.

Se estivéssemos sendo vítimas de um surto coletivo de paranoia depressiva inevitavelmente algum especialista de plantão já teria colocado a boca no trombone e trataria de buscar algum tipo de terapia capaz de lhe render um belo faturamento. Portanto, a prudência indica a conveniência de descartar esta possibilidade. Sobra então uma montagem editorial para produzir um fluxo noticioso destinado a estimular a percepção de que a vida no país está se tornando insustentável e insuportável.

No momento em que a população é bombardeada com notícias jornalísticas orientadas para este objetivo, em algum momento o instinto de sobrevivência das pessoas vai aflorar e o desdobramento inevitável será a generalização do sentimento de que “ é preciso fazer qualquer coisa”. Este “fazer qualquer coisa”, equivale a uma reação que irá se expressar de forma política com altíssima chance de que surjam alternativas radicalizadas e excludentes. Estaremos então no limiar de uma quebra de paradigmas institucionais, onde o pêndulo da história aponta no sentido de uma tendência conservadora.

A imprensa como partido político

Este é o papel político que a grande imprensa brasileira vem exercendo, depois que abandonou os princípios do jornalismo para envolver-se diretamente na luta pelo poder. Há todo um discurso profissional para justificar a opção preferencial pela estratégia de ver a realidade nacional pelo ângulo do copo meio vazio. Quando os telejornais de todas as emissoras integradas à Rede Globo focam nas misérias do nosso sistema hospitalar, é óbvio que os repórteres não estão inventando nada. As deficiências existem e não são novas.

A postura dos jornalistas em escarafunchar as mazelas hospitalares e os dramas dos pacientes é justificada pelo empenho em promover os direitos do cidadão. Nada mais justo e apropriado para o exercício de uma profissão cujo código de ética coloca a promoção do bem publico como a grande preocupação. Qualquer insinuação de ênfase intencional no negativismo é refutada com base nos manuais jornalísticos.

O problema é que os profissionais da informação preocupam-se com as árvores mas perderam de vista a floresta. Cobrar melhorias na saúde, na economia, na segurança e na política é indispensável e inadiável, mas quando esta cobrança configura a formação de um fluxo informativo que leva ao desenvolvimento de opiniões radicalizadas, estamos entrando noutro terreno. Já não é mais o do exercício do jornalismo, mas o da política.

O repórter ou editor não podem lavar as mãos diante das consequências sociais e políticas das notícias publicadas. A primeira pagina de um jornal, ou a edição de um telejornal, não é uma mera colagem aleatoria de notícias. Há uma intencionalidade, que inicialmente era pouco visível mas que agora está se tornando escancarada, a ponto do público já começar a perceber que há algo estranho na insistência em aplicar a regra do quanto pior melhor no noticiário diário.

É claro que estamos em crise. Nós e o mundo. E que esta crise não será rápida. Portanto se a imprensa ainda pensa em servir ao cidadão, pelo menos no discurso, deveria noticiar também, e com igual intensidade, os esforços e soluções para minorar os efeitos das dificuldades vividas pela população.