Em um contexto em que se discute o fim da necessidade da formação superior do jornalista venho aqui fazer o caminho inverso. Tentarei demonstrar quais as razões que justificam não o fim das exigências, mas a sua consolidação e intensificação. O jornalismo é, sim, uma área de conhecimento específico que possui decisiva importância sobre as dinâmicas sociais em que está inserido. Por isso, tem uma responsabilidade acrescida sobre a emancipação ou não dos sujeitos e da sociedade. E, como toda profissão que possui tal responsabilidade social, o jornalismo deve vir acompanhado de três elementos fundamentais: formação de qualidade, liberdade de expressão e limites ao exercício dessa liberdade. É nesse sentido que devemos nos empenhar em legitimar o lugar de um comunicador autorizado capaz de realizar as operações técnicas e éticas próprias à profissão e dignas de uma sociedade democrática. O caminho contrário, a sua deslegitimação, parece servir apenas aos interesses de pessoas que se favorecem da ignorância social e da despolitização dos cidadãos.
Para uma profissão garantir o controle de sua base cognitiva, instituindo-se socialmente, faz-se necessário:
1) Que possua um conjunto de conhecimentos esotéricos (específicos) e suficientemente estáveis;
2) Que o púbico aceite os profissionais da área como sendo os únicos capazes de fornecer os serviços profissionais (SOLOSKI, p.94, 1993);
Forma particular de produção
Vejamos, então, de que forma o jornalismo possui uma base cognitiva que o delimita, distinguindo-o das demais áreas de conhecimento. Se tivéssemos que destacar, resumidamente, o que caracteriza o conhecimento produzido pelo jornalismo teríamos os seguintes elementos: a) centra-se e orienta-se pela atualidade. A atenção da notícia está sob o presente e se recorre ao passado ou ao futuro esse recurso apenas é útil para explicar melhor o fato presente; b) seleciona os acontecimentos através de valores e hierarquias determinados simultaneamente pelos valores profissionais e sociais, sendo a proximidade do fato com o receptor o mais significativo; c) sua linguagem é intermediária entre o conhecimento especializado e o senso comum, visando ter uma ‘alta comunicabilidade’ com públicos distintos; d) ordena o acontecimento através de uma ordem lógica e não cronológica; e) trata-se de um discurso tanto motivado pelos acontecimentos sociais e seus atores, como um discurso que interfere nesses mesmos acontecimentos.
O jornalismo possui, portanto: uma lógica própria de produção de conhecimento, técnicas, modo singular de selecionar e compreender os acontecimentos (valores-notícia profissionais); texto com redação específica e jargão especializado (como por exemplo: lead; pirâmide invertida; bigode, sobrancelha, teaser, release, pauta, cabeça, off, deixa etc.). Além de ser uma área que já acumula considerável produção acadêmica.
Podemos afirmar que o jornalismo atende o primeiro princípio necessário a sua profissionalização na medida que é uma forma particular de produção de conhecimento sobre os acontecimentos atuais que demanda comunicadores autorizados e especializados.
Credibilidade e capacitação
Em segundo lugar, para que a profissão se institua é necessário que a sociedade confira credibilidade a esse mediador, na medida em que é ele que dará a ver uma série de informações sobre acontecimentos que não podem ser presenciados ou interpretados pelo público diretamente. Nesse sentido as pessoas estabelecem um pacto fiduciário com o jornalista depositando nele a confiança de que irá relatar os acontecimentos da melhor forma possível, aproximando-se da complexidade do real e tornando-o comunicável. Pois, assim como não nos operamos com outra pessoa senão um médico, o mesmo deveríamos esperar da informação. Na medida em que há um profissional especializado em apurar e divulgar os acontecimentos é ele o mais autorizado e credível a essa operação. E, assim pensa a sociedade brasileira já que mais de 70% da população é favorável a formação superior dos jornalistas, segundo pesquisa realizada em 2008 pela Fenaj/Sensus. A pesquisa revela ainda que, ao invés de reduzir as obrigações profissionais, a população espera que elas devam ser intensificadas, o que pode ser compreendido pelo apoio de 74% da população a criação de um Conselho Federal dos Jornalistas para a regulamentação da profissão no país (como por exemplo acontece através da OAB para os advogados e os CREAs para os engenheiros).
Portanto, uma profissão só institui-se com solidez quando é legitimada pela sociedade. Fato, esse, compreendido pela população brasileira na medida que legitima o jornalismo como uma área profissional fundamental para a sua formação cultural e política. Para isso, é essencial defendermos a formação de profissionais credíveis e capacitados nos meios de comunicação. O que implica em oferecer e defender: uma formação de qualidade, condições de trabalho, liberdade de expressão e formas de regulação do exercício dessa liberdade. Condições básicas para a produção de informação e formação de uma sociedade efetivamente emancipada.
Datas e informações
1918 – Primeiro Congresso dos Jornalistas – início do debate sobre a necessidade da formação superior dos jornalistas.
1943 – Primeiro curso livre de jornalismo, criado Vitorino Castelo Branco, na Associação dos Profissionais de Imprensa de São Paulo (Apisp).
13/05/1943 – o curso de jornalismo no ensino superior é instituído pelo presidente Getúlio Vargas, através do Decreto-lei 5.480. O decreto determinava que o novo curso deveria ser ministrado pela Faculdade Nacional de Filosofia com a cooperação da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e dos sindicatos.
1947 – Aberto o primeiro curso superior de jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo.
17/10/1969 – A profissão é regulamentada pelos Decreto-lei 972.
13/04/1979 – Nova regulamentação da profissão pelo Decreto-lei 83284.
1962 – Fundada a primeira Escola de Comunicação (agora não vinculado ao curso de Filosofia), na Universidade de Brasília. O responsável pela abertura da ‘Faculdade de Comunicação de Massa’ foi o jornalista Pompeu de Souza.
1965 – Criação da Faculdade dos Meios de Comunicação, da Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre.
1966 – Criação da Escola de Comunicação e Artes da USP, dirigida pelo professor Júlio Garcia Morejón e, posteriormente, pelo professor José Marques de Melo.
1966 – A Resolução 20/66 listava 16 disciplinas obrigatórias de cultura geral, especiais ou instrumentais e técnicas ou de especialização para a formação superior de Jornalismo.
1967 – Criação da Escola de Comunicação (ECO), da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
1969 – As habilitações: jornalismo, relações públicas, publicidade e propaganda e editoração foram introduzidas pelo Parecer 631/69. A habilitação jornalismo foi subdividida em jornalismo impresso, radiofônico, televisado e cinematográfico. Tal fato motiva a criação de laboratórios nas escolas, destinados às aulas práticas.
1977 – O Parecer 1203/77 acabou com a habilitação de editoração e acrescentou rádio e televisão e cinema e dividiu as matérias em geral humanística, fundamentação específica e natureza profissional.
1980 – O Conselho Federal de Educação criou uma comissão de 21 especialistas para rever a estrutura dos cursos, que resultou na aprovação do Parecer 480/83 e na Resolução 2/84, que perduraram até 1997. O novo currículo passou a ter seis habilitações (jornalismo, relações públicas, publicidade e propaganda, radialismo (rádio e TV), cinema e produção editorial, com duração mínima de 4 e máxima de 7 anos. ‘Esta resolução foi bastante combatida pelos professores por limitar a liberdade das escolas em montar seus currículos e por não acompanhar as mudanças tecnológicas em curso na Comunicação.’
1977 – Os currículos mínimos foram extintos e adotada a terminologia de diretrizes curriculares, vinculadas à Lei de Diretrizes e Bases Curriculares da Educação Nacional (LDB).
2001 – Parecer 492/01 do Conselho Federal de Educação, determinou as habilitações de jornalismo, relações públicas, publicidade propaganda, radialismo, editoração e cinema. Os cursos passam a poder criar novas habilitações e construir a sua matriz curricular de acordo com o perfil esperado de seus egressos e o mercado regional, previstos em um projeto pedagógico.
2002 – Cria-se o documento ‘Padrões de Qualidade para Cursos de Comunicação Social’, (disponível aqui) que faz uma série de considerações a respeito da estrutura geral dos cursos e serve como parâmetro para reconhecimento dos cursos pelo Ministério da Educação.
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Mestre e pesquisadora pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) no curso de Comunicação Social – Fafich, professora no Centro Universitário Newton Paiva