Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mitos corporativos

A crise é um momento em que as carências são reveladas. A crise financeira internacional colocou o administrador diante de um labirinto. Os balanços financeiros, auditados por exércitos de contadores, transformaram-se em mitos decadentes, diante de previsões de um rigor que nunca se realizou ou se realizará. As matérias corporativas com controle perfeito de processos administrativos, entre eles o financeiro, viraram pó e deixaram de ser história. O administrador, que tem o controle total nas mãos, é um desses mitos destroçados. No cemitério da retórica, jaz o mito da sociedade da responsabilidade corporativa, na qual o emprego virou o seu maior indicador. Pelo menos é o que muitos empresários estão dizendo.

Volta com força a filantropia e seus mitos. Andrew Carnegie, escocês que virou empresário nos Estados Unidos é um deles. No final do século 19, chamado pela imprensa e pelos sindicatos da época de ‘barão ladrão’, bradou que os ricos tinham a obrigação moral de dividir suas riquezas acumuladas. Carnegie cumpriu a palavra à risca ao gastar em torno de 350 milhões de dólares em caridades. É dele a condenação bíblica que anuncia que ‘o homem que morre rico, morre desonrado’.

Mito, por definição, é algo totalmente não explicável. Assim, a narrativa mitológica está sempre aberta para a imaginação. E, aquilo que é completado pelo narrador, sempre será impreciso e fantasioso. Carnegie é mito porque a sua história é imprecisa. É um homem bom ou um ‘barão ladrão’?

Pânico e fantasia

A narrativa do que é transcendente atrai a poesia. A narrativa financeira é um espanta lirismo, um desfile quantitativo sufocante e enquadrado.

Engana-se, porém, quem acredita que as narrativas sobre as pirâmides financeiras de Bernard Madoff não produzirão narrativa mitológica. A persona inventada por Madoff tinha um curriculum vitae corporativo impecável, produzido para provocar a cobiça de head hunters e premeditado o suficiente para passar longe de um boletim de ocorrência. Afinal quem desconfiaria daquele que foi duas vezes presidente da Nasdaq? Mas Madoff acenou para investidores muito experientes com a possibilidade de retornos fabulosos no curto prazo e desapareceu com cerca de US$ 50 bilhões deles.

A lenda do labirinto nos lembra que no emaranhado de corredores é possível encontrar o Minotauro. Como narrativa mitológica, ela é mais crível do que os relatos das grandes revistas e jornais econômicos, que só noticiam o que é matemático e consolidado. A falta de dinheiro em grandes bancos globais é uma narrativa a ser preenchida. Se o jornalismo não o fizer com competência, os correntistas talvez o façam com a velocidade da fantasia e do pânico. Quer situação mais mitológica que a quebra de sigilo pelo sistema bancário suíço?

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Jornalista, professor da ECA-USP e diretor-geral da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje)