Em primeira análise, La France pour la vie (Paris: Plon, 2016), de Nicolas Sarkozy, não suscitaria nenhum interesse de leitores não franceses. O livro trata, rude e duramente, da política interna da França dos últimos anos. Promove fortes críticas ao presidente François Hollande. E reconhece os riscos de Marine Le Pen chegar ao poder máximo do país nos próximos escrutínios. É, portanto, uma densa resposta política e partidária a críticos, adversários e inimigos, que não são poucos.
No ambiente político francês, não restam dúvidas que Nicolas Sarkozy é um candidato com musculatura política. No cenário presente, ele dispõe de imensas chances de disputar as futuras eleições e voltar ao palácio do Élysée – o que teria implicações geopolíticas e geo- estratégicas para o Brasil, uma vez que as relações franco-brasileiras são de crescente importância. Mas, pelo instante, nada interessa mais que o livro enquanto livro.
Lançado no dia 25 de janeiro de 2016, La France pour la vie vendeu, em três semanas, mais de cem mil exemplares. Os lançamentos, com a presença do político-autor, se multiplicam por todo o país. Os jornais impressos e televisivos comentam diariamente esse fenômeno de vendas que se transformou – como desejava seu autor – num acontecimento político.
Esse fenômeno e esse acontecimento provocam ao menos duas reflexões. Uma sobre livros impressos. Outra sobre livros políticos.
A opção por livros em papel
Toda publicação que ultrapassa os dez mil exemplares impressos e vendidos é considerada um sucesso. A maior parte das edições fica nos cinco mil exemplares vendidos. O sucesso, mais e mais, vem sendo reservado a obras, geralmente romances, muito bem promovidas no mercado e, muita vez, vendidas massivamente em formato digital. La France pour la vie foi claramente amplamente promovido nas semanas anteriores ao seu lançamento. Entretanto, é um relato político. Seu autor é um dos homens públicos mais fortemente rechaçados da França – e mundo afora – dos últimos anos.
Enquanto relato, está longe de ser aprazível. É bem escrito e conciso, mas não é um romance. É quase um libelo. Mas virou um sucesso. E não seria justo afirmar que os exemplares estão sendo adquiridos somente por correligionários de Nicolas Sarkozy. E mais que isso: estão sendo adquiridos em formato impresso – o que informa que, mais uma vez, os anúncios da morte do livro impresso são um pouco exagerados. Ao menos na França.
E, também na França, políticos que se prezam precisam, rapidamente, virar autores. O general De Gaulle inaugurou, por assim dizer, essa condição de político-autor com suas Memórias da Guerra, de 1954, e desde então os políticos – e muito especialmente os presidenciáveis – acertam suas contas em livros. O fato relativamente novo no cenário político francês é que esse tipo de manifestação vem se tornando uma verdadeira obsessão. Toda livraria francesa passou a dispor de um setor actualités politiques onde residem escritos – verdade que nem sempre escritos pelos autores – de personagens políticos do momento. Praticamente todos os políticos que participaram da presidência Sarkozy escreveram – ou estão escrevendo – seus livros.
Para ficar em alguns, Henri Guaino, assessor especial da presidência da República, publicaria La nuit et le jour (Paris: Plon, 2012); François Boroin, ministro do budget e das finanças, Journal de crise (Paris: Éditions JC Lattès, 2012); Bruno Le Maire, ministro da agricultura, Jours de pouvoir (Paris: Éditions Gallimard, 2013); Michèle Alliot-Marie, ministra do exterior, Au coeur de l’État (Paris: Éditions Plon, 2013); Rama Yade, ministra dos esportes, Carnets du pouvoir. 2006-2013 (Paris: Editions du Moment, 2014);. François Fillon, primeiro-ministro, Faire, (Paris: Albin Michel, 2015); e Alain Juppé, chanceler, Pour un État fort (Paris: Éditions JCLattès, 2016).
Em tempos de hiper-exposição e fluidez digital, a opção dos políticos franceses vem sendo recorrer aos alfarrábios; livros e em papel. Neles, o tempo parece mais lento e perene e o público leitor, contrário às aparências vem, mais e mais, apreciando. La France pour la vie de Nicolas Sarkozy consiste na mais forte confirmação dessa dupla tendência.
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Daniel Afonso da Silva é pesquisador no Ceri-Sciences Po de Paris