A cobertura do New York Times sobre o vírus zika, até o início de fevereiro deste ano incluiu uma tentativa de captação de novas fontes da web interessadas em enviar seus depoimentos sobre o vírus zika direto da página do jornal na web. Várias edições incluíram uma caixa de texto com um convite à participação de gestantes brasileiras que de alguma forma tiveram suas vidas afetadas por esta nova ameaça. Cada uma poderia descrever sua experiência em 150 palavras e depois preencher um formulário incluído na página da publicação na rede.
Muitos periódicos incluem hoje em dia fotos ou breves filmagens do público em suas edições. Mas uma chamada para captação de mensagens de texto não é muito comum no cotidiano dos grandes jornais. Observem a figura abaixo (edição do dia 3/2):
A cobertura do periódico nova-iorquino trouxe fontes variadas, e em bom número. O que significaria, então, aquela tentativa de contato direto com mulheres envolvidas? Havia um formulário a preencher, depois da primeira caixa de texto. Com mais espaço para depoimentos online, e informações para contato com a publicação. Uma das questões com resposta obrigatória indagava se a fonte aceitaria falar com um repórter. “O que vai acontecer com dados de quem não puder falar com jornalistas, mas tiver uma boa história para contar?”, pensei, depois de testar o formulário na página do Times.
Trabalhar com dados escritos enviados de forma direta pela web pode significar um risco potencial para qualquer publicação. Como verificar todas as informações em um meio tão instável e sujeito a todo o tipo de interferência? Como conferir dados de fontes que não desejam contato com repórteres? Quem teve a ideia de coletar informação do público, em texto, e direto da página do jornal na rede?
Como o vírus zika afetou os brasileiros?
Contatei (e-mail, 7/2) o chefe do escritório para o Brasil do New York Times, Simon Romero. O jornalista tem 45 anos, vive no Rio de Janeiro e havia viajado para regiões afetadas pelo vírus a cobrir o sentimento da população e a posição das autoridades brasileiras sobre a nova ameaça. Apresentei algumas questões a ele a respeito da tentativa de contato direto do Times com possíveis fontes potenciais.
Perguntei ao correspondente como e quem faria a apuração das informações postadas por pessoas que não querem, ou não podem, aceitar o contato com repórteres no periódico. Também indaguei sobre a autoria da ideia do contato direto com leitoras brasileiras. Eu imaginava que poderia estar em ação alguma técnica direta de verificação de dados que poderíamos não conhecer. O jornalista respondeu no dia seguinte (8/2).
“Estas são grandes questões. Editores em nosso escritório internacional em Nova York apareceram com a ideia da caixa de texto, parte de um esforço para encontrar vozes interessantes ou experiências que não conseguiriam de outro modo entrar em nossa reportagem. Jeffrey Marcus, um de nossos editores em Nova York, disse-me que nós sempre perguntamos por informações de contato para que possamos acompanhar quem responde e confirmar ou vetar suas respostas. Sobre a pauta do zika, nós pedimos e-mail e telefone para que repórteres possam acompanhar nossas fontes potenciais.”
O diário norte-americano, em sua cobertura, quis saber de que modo o vírus zika afetou os brasileiros e, principalmente, as gestantes recentes do Brasil. E usou todos os meios disponíveis e legítimos para entrar em contato com elas. Como páginas da web que coletam dados e encaminham fontes locais a correspondentes internacionais ou jornalistas que abordaram esta pauta. Quem vai fazer a verificação dos fatos relatados nelas serão “repórteres do jornal”, esclareceu Simon Romero.
A interação entre jornalistas e suas fontes
Em 2015, o jornalista revelou em entrevista ao Knight Center of Journalism (16/10) que acredita na tecnologia para expandir o público do jornal em toda parte, e não apenas em centros como “Nova York ou Washington”. Vencedor do mais antigo prêmio em jornalismo do mundo no mesmo ano (o “Cabot”), Romero informou que confia nas novas tecnologias para “ampliar as audiências e atingir novos públicos”. Sem nunca deixar de fora o valor do contato com as histórias que o público traz. Ele contou ao Knight Center que “não há substituto para as reuniões com as fontes de cada lugar para saber o que está se passando”.
Romero é um profissional experiente. Ele sabe que é inútil apegar-se a imagens românticas dos correspondentes de “uma ou duas gerações” passadas. A rotina diária dos correspondentes internacionais é dura. Não significa diversão paga em lugares exóticos, como contam as lendas urbanas sobre a imprensa, mas uma quantidade brutal de trabalho. Mudanças foram impostas aos profissionais contemporâneos, que agora devem equilibrar de modo pragmático o uso da tecnologia com a presença essencial das fontes locais de informação se quiserem ampliar seu público em todo o mundo e manter a relevância de seus postos de trabalho.
Felizmente, um fundamento básico do periodismo sobrevive ainda em um cotidiano impregnado de incertezas sobre o futuro da prática jornalística em todos os seus gêneros: o encontro e interação entre jornalistas e suas fontes continua fundamental para a produção de conteúdo de alcance universal. Por mais que a experiência (de alguns) com o jornalismo digital da web possa muitas vezes sugerir o contrário, o contato com a realidade das vidas humanas não pode ser reproduzido, ou substituído por argumentações teóricas ou técnicas que pretendam replicar o valor da informação originada pela experiência de quem tem uma importante história a contar.
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Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, tradutor e consultor