Ora, para tudo há um ciclo, um tempo. E vem de longe, lá do Eclesiastes; portanto, milhares de anos. Já faz algum tempo que vejo um esforço tremendo dos teóricos da comunicação para responder à questão que é título deste texto. Vamos por partes. O advento dos meios eletrônicos de informação, de entretenimento etc. não foi ainda blindado por uma ética maior que é a busca da verdade, de se ouvir o outro lado de uma notícia, de se checar as fontes.
Exemplo disso é o recente caso Paula Oliveira, a recifense morando na Suíça. Nem se buscou a verdade – ao contrário, se alardeou o quanto pode. Não se ouviu o outro lado, pois esse era encorpado pela força policial de um país estrangeiro, não se checou as fontes, aduzindo-se que o lado do bem era representado pela jovem pernambucana e que sua palavra seria por si só suficiente para rasgar qualquer compêndio básico de investigação jornalística. Passamos um vexame dos grandes. Um vexame, diga-se, bem merecido.
O jornalismo construído em anos de imprensa escrita, radiofônica e depois televisiva tem buscado, com muitos altos e baixos, é verdade, selecionar as informações que pretende divulgar mediante a observância de critérios tais como o interesse público. Tenta algumas vezes apresentar problemas da sociedade em um arcabouço crítico, analítico. Daí que são ouvidos especialistas, pessoas de boa reputação em sua área de atuação.
A publicidade em crise
A espetacularização da informação travestida em notícia é uma tentação e tanto. Exemplo recente foi a entrevista do senador Jarbas Vasconcelos à revista Veja. Espremam-se aquelas páginas amarelas e sumo algum sairá. É que não havia fatos concretos a serem investigados. Basta que mudemos o lugar de fala do entrevistado por qualquer outra pessoa que, ainda assim, a entrevista não engrenaria rumo ao bom jornalismo. E qualquer entrevistado poderia desfiar um rosário de desafetos, alcunhar um e outro com esse ou aquele péssimo adjetivo (ladrão, corrupto). Ao cabo e ao fim ficaria por isso mesmo.
Querer comparar tal entrevista com a do Pedro Collor no início dos anos 1990 é escamotear a verdade. O primeiro irmão tinha o que dizer, sabia nomes e sobrenomes, mandos e desmandos e, acima de tudo, tinha algo que o motivava, algo que preencheria o arco desde o irmão invejoso/ambicioso até o temor de perder poder econômico em sua província nas Alagoas. Já a entrevista de agora não parece ter uma motivação clara, ou melhor, o futuro dirá qual teria sido a real motivação.
Enquanto respostas não chegam, ou se chegam não são sólidas o suficiente para se porem de pé, observamos com um quê de consternação e desapontamento nossos órgãos midiáticos tradicionais fazendo sua enésima repetição de notícias e conseqüentes impactos em um amplo espaço vazio de idéias, como a nos dizer que já não existe lugar para o jornalismo a que estávamos desde há muito acostumados.
Nadando contra a corrente mundial, que sempre desemboca nos mares virtuais da internet, é fácil verificar o aumento de uma crise financeira que reduz drasticamente o aporte de publicidade e que, em geral, tem sido, ao lado da venda de jornais em bancas e a receita das assinaturas, o caixa gerador de todas as mídias. Fazer publicidade de carros? Basta olhar pátios de montadoras no ABCD paulista com milhares de automóveis encalhados e ler com calma tantas notas dando conta do desemprego de milhares dos operários dessa indústria.
Fazer publicidade de bancos? Não precisa ser muito bom de memória para visualizar a quebradeira de gigantes financeiros como Lehman Brothers, Bear Stearns, Hume Bank, Wachovia, Douglass (do Missouri), Silver State; e são salvos da falência com dinheiro público estadunidense o gigante Citibank, Merrill Lynch, e J.P. Morgan. Aqui no Brasil, o Votorantim foi adquirido pelo Banco do Brasil.
Princípios e valores
Este quadro é a realidade dos dias atuais, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. Mas se a situação se acentuar, não precisaremos de nenhuma Dona Carlota para prever que os grandes conglomerados capitalistas com filiais no Brasil e em outros tantos países, emergentes ou não, terminarão por fechar suas fábricas e agências no exterior, e não no país-matriz já que cláusula pétrea do socorro estatal depende da manutenção de sua massa de empregos in loco. Portanto, publicidade agora, não.
Seria possível sobrevivermos com um jornalismo – vou me restringir aos jornais impressos, pois o espaço é sempre curto para análises de maior fôlego – sem uma eventual fase de impressão de jornais diariamente? Não me vem à mente a idéia de pensar em um jornalismo sem jornais; afinal, são esses que marcam a própria trajetória da imprensa como a conhecemos. São os jornais que mantêm ainda certa cultura profissional e sabem ter vindo à existência com a missão de informar e suscitar o debate de opinião. Não é à toa que vemos na evolução da imprensa escrita o progresso e o retrocesso da liberdade, do Estado de direito, dos valores democráticos. São os jornais impressos as primeiras vítimas de qualquer forma de totalitarismo.
E não existe semi-totalitarismo, nem muito menos ditadura branda, como pontificou em dias passados a Folha de S.Paulo – em editorial, diga-se. A passagem do tempo nunca será suficiente para absolver tiranos como Hitler, Pol Pot, Idi Amin Dada ou Milosevic. Esse mesmo tempo será incapaz de transmutar iniqüidade em equidade, escravidão em liberdade, fanatismo em devoção saudável. Não precisamos fazer vista grossa ao fato que o rádio, a televisão e a internet têm tomado de empréstimo do jornalismo impresso princípios e valores, além de gêneros e práticas de investigação e busca da verdade dos fatos. Até o nome jornalismo/jornal/redator/editor tem sido uma constante na apresentação da atividade por essas outras mídias.
Enxurrada de informações
Longe de nos deixarmos abater por essa tantas vezes adiada morte do jornalismo impresso, em papel de verdade e com tinta de verdade, é mais que o momento para entender que nem sempre a novidade é a coveira da modernidade. Exemplos? Por acaso as cartas deixaram de ser escritas com o advento do telégrafo? Por acaso o cinema mundial decretou falência após a invenção dos videocassetes e dos aparelhos de DVD? Por acaso o rádio foi escanteado ante a existência da caixa mágica chamada aparelho de televisão? O esperanto, aquela língua inventada em 1878 pelo doutor Zamenhof, deixou de ser difundido ante a formidável aceitação do inglês como língua dos negócios, da academia, do entretenimento e até da diplomacia?
É claro que, como tudo na vida, existem prós e contras. O telegrama ganhava em rapidez, mas perdia (e muito) em análise, em profundidade, em detalhamento. O videocassete e seu sucedâneo ganhavam em comodidade, mas perdiam (e muito) na criação da atmosfera mágica que somente a imensa tela do cinema poderia propiciar. A televisão nos trazia o som e a imagem a um só tempo e isso já era um ganho incalculável, mas o rádio sempre teve maior amplitude de recepção seja no Himalaia, no Saara ou nas selvas amazônicas. O esperanto ganhava no aprendizado rápido (apenas 17 regras gramaticais!), mas era em inglês que os filmes e os musicais eram produzidos além da grande indústria artística dos países mais ricos do planeta.
Assim também é o caso do jornalismo online. Este pode ser mais rápido, alcançar incalculável massa de habitantes em todos os quadrantes do mundo, trazer textos a serem lidos, músicas, jogos, bibliotecas, museus, vídeos, contatos com voz e imagem. Mas está longe de ser fonte confiável devido à sua característica de ser camaleão: agora está na tela, em segundos desaparece, deixa de existir. As informações surgem na forma de tsunamis e não existe, ainda, qualquer anteparo para proteger nossas mentes dessa colossal enxurrada. Privilegia-se o momento, o instante mesmo, e deixa-se à deriva a sempre boa mania dos humanos de pensar, refletir, suscitar o debate, arrumar os pensamentos e desembocar em alguma idéia maior, ampla e arejada.
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Mestre em comunicação pela UNB e autor, entre outros, de Nova Ordem Mundial, novos paradigmas; Viajar é preciso; Macabéa vai ao cinema; Liderança em tempo de transformação; Direitos Humanos – conquistas e desafios. Criou o blog Cidadão do Mundo