Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imprensa é a primeira vítima

O último episódio da saga cinematográfica de George Lucas, acolhido pela imprensa mundial com páginas e mais páginas de artigos e manchetes, apresenta uma sociedade futurista dividida entre tradicional conflito do bem, a república e a democracia, contra o mal, o império ditatorial, sem fazer a menor referência à imprensa. Não há nenhum jornalista no inesgotável rol de personagens apresentado capítulo após capítulo, e o cavaleiro jedi Anakin Skywalker pode assumir a terrível personalidade de matador de criancinhas de Darth Vader sem se preocupar em apagar as provas de sua vilania. Não há jornais capazes de utilizar o formidável aparato tecnológico criado pelo cineasta para denunciar seus crimes naquele mundo dominado por organizações militares.

Seja na estrutura do bem, seja na do mal, o universo fantasiado por Lucas não concebe a intervenção da imprensa em nenhum momento do conflito. Ela simplesmente deixou de existir, não só como a desejávamos em nossos sonhos adolescentes de um futuro democrático e mais livre, nem mesmo como esse arremedo de organizações manipuladoras e partidarizadas da nossa atual realidade. Não sobrou nada para registrar o nascimento da princesa Léia.

Suborno de jornalistas

Talvez o total massacre da imprensa no futuro explique a rápida transformação de Skywalker em Vader, autojustificada por suas dúvidas e desconfianças. Sem uma massa de informação crítica disponível, o herói de hoje se transforma num terrível vilão sem a menor crise de consciência. Tudo pela mera projeção da sua fé. Se ele antes acreditava nos jedis, no momento seguinte absorveu a crença dos inimigos siths e saiu exterminando os antigos aliados sem a menor preocupação com a repercussão de seus atos. A versão oficial de quem detivesse o poder é a que prevaleceria sobre a verdade. Não há papel para um jornalista nessa história.

O modelo Star Wars bate não só com as pretensões de um George W. Bush, que manobra a maior força militar já colocada à disposição de um único líder político no mundo, como com as de um Luiz Inácio Lula da Silva sem aparato armado, mas com declarada disposição de defender os esfomeados e oprimidos. Para ambos, a imprensa interessa apenas como instrumento de divulgação dos seus discursos, pouco importando se a prática corresponde ao enunciado.

O governo americano suborna jornalistas para defender seus programas e submete a grande maioria aos seus ideários patrióticos, escondendo fatos, plantando outros, manipulando a opinião pública de todas as formas. Enquanto isso, maneja seus exércitos cortando verbas de projetos sociais para se manter como maior investidor em armamentos do planeta. A soma do orçamento militar americano suplanta a do resto dos países.

A palavra do vencedor

Já o Lula do combate à fome mantém os instrumentos criados pelos militares durante a ditadura, como a exigência do diploma para o exercício do Jornalismo e a possibilidade de profissionais da mídia atuarem também como assessores de imprensa, invadindo a seara dos relações-públicas, na tentativa de manter uma imprensa dócil e igualmente manipulável. Hoje, não só os patrões pululam em torno das verbas oficiais de propaganda e crédito subsidiado, como a massa de empregados em empresas de comunicação sonha com um bom emprego público como assessor. Poucos, raros veículos mesmo, furam esse acomodamento para denunciar a corrupção e as falcatruas que continuam proliferando na máquina estatal.

Bush ficaria muito feliz se pudesse adotar o modelo herdado por Lula, intolerável para os padrões ainda vigentes da democracia americana. Nos Estados Unidos, como nos demais países civilizados, jornalista que vai trabalhar como assessor de imprensa perde seu registro profissional e só o recupera quando prova que se desvinculou de uma função exclusiva de relações-públicas. No Brasil, a instância máxima trabalhista, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), já decidiu que ‘assessor de imprensa não é jornalista’, mas sua posição é letra morta no cenário nacional.

Em Star Wars não há imprensa para estabelecer a verdade, nem mesmo na estrutura que se considera ‘do bem’, a que defende a república e a democracia. É um mundo militarizado, de ordens do dia e comunicados oficiais. O jornalismo já está totalmente morto. Como isso aconteceu, Lucas não explica nem justifica. Talvez tenha deixado para um último episódio, adaptado alguns séculos antes, quando os bisavós de Skywalker ainda viviam num universo em que as constantes guerras reduziram a difusão das informações a uma única fonte, a palavra do líder vencedor.