Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Bodes culpados expiatórios

As cenas da tortura de prisioneiros iraquianos por soldados estadunidenses pioraram ainda mais a já degradada imagem dos Estados Unidos em todo o mundo e principalmente no mundo árabe. Mas culpar estes soldados como os únicos responsáveis pelos atos soa como um atentado à inteligência. A inevitável pergunta é: onde está o senso analítico da imprensa e até mesmo da sociedade na avaliação dos fatos?

É impressionante como a condenação desses soldados já está feita e armada pelos respectivos governos, que, sem dúvida alguma, a imprensa acatará. Não vejo, em praticamente setor algum da mídia, um questionamento maior e sobre a responsabilidade maior dos atos.

Esperar isso da imprensa estadunidense seria a mesma coisa que esperar o retorno do rei Sebastião das cruzadas no Norte da África. Mas falta esse questionamento por parte da imprensa mundial. Mesmo assim, a notícia ‘surgiu como um raio caído de um céu sereno’ (Marx) para toda a sociedade mundial.

Responsabilidade social

Mesmo as mais ousadas ou envergonhadas cobranças da renúncia do secretário de Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, se limitam a pedir explicações. Não há explicações. Como pode um país condenar o que ele mesmo faz, inclusive nos mesmos lugares de seus antecessores? Como afirmou Mino Carta na edição de número 289 da revista Carta Capital, ‘está cada vez mais difícil diferenciar os Estados Unidos de Saddam’.

O que aconteceu no Iraque é um absurdo, um verdadeiro Bushgate. A passividade da mídia quanto a isso não chega a ter o mesmo tamanho do absurdo, mas ajuda. A serventia do mundo aos Estados Unidos fica ainda mais evidente neste caso, mas a mídia não pode ser tão servil assim.

O próprio Bush Jr., do alto (!) de sua idoneidade, vestindo sua carapuça, afirmou que ‘essas fotos só poderiam ser reveladas numa democracia’; então liberemos os filmes do Michael Moore. Deixemos o povo estadunidense saber o que acontece no Iraque. E, mais importante: vamos acreditar que a mídia pode fazer algo pelo mundo.

O grande culpado pelas torturas nos prisioneiros iraquianos chama-se George W. Bush. E todos os seus funcionários dos altos escalões. Num exército, pessoas recebem ordens. Querer culpar apenas os soldados é crime. Crime também da imprensa, contra a realidade e os fatos. Somos todos cúmplices de assassinatos, torturas, humilhações. Estamos assistindo, passivos, a um país impor o que quer, onde quer e como quer, com quem eles consideram ser diferentes ou a quem fazem falsas acusações.

A mídia tem um papel social muito importante para ficar alheia a tudo isso e aceitar as versões de governos fictícios. Weber já dizia que ‘o jornalista participa da condição de todos os demagogos (…): escapa a qualquer classificação social precisa’. Temos, porém, uma responsabilidade social muito grande para ser desprezada e não utilizada neste momento.

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Jornalista