Notícia após notícia, confesso que fico atônito com o que tenho visto de denúncias envolvendo personagens da cena política nacional que nos anos 80 e 90 eu tinha como referência. Como jornalista, produtor cultural e homem atento ao que vê, ouve e lê, procuro aguçar meu senso crítico para, como se diz popularmente, ler nas entrelinhas. E é nelas que, claro, percebo um pernicioso bombardeio midiático contra Lula, Dilma e o PT. E assim enxergo porque ele é desproporcional quando comparado a outros escândalos envolvendo nomes do PSDB ou do mensalão do DEM, por exemplo.
Mas nem por isso me rendo aos autoproclamados revolucionários de gabinete refrigerado que reduzem todos que deles discordam a “coxinhas” e, por extensão, rotulam a cobertura jornalística de forma sectária, simplista e reducionista como fruto de uma imprensa vendida e representante dos interesses das elites. Até porque, o tratamento editorial dos fatos pode, sim, ser manipulado e atender valores que são caros aos donos dos grandes conglomerados de comunicação. Entretanto, isso não quer dizer que eles (os fatos) não estejam aí para provar que há muita sujeira debaixo do tapete.
Se por um lado estou certo que o PT deixou um legado importante ao contribuir para o aprofundamento das instituições democráticas e, indiscutivelmente, promoveu uma inclusão social significativa, em particular quando das duas passagens de Lula pela presidência, por outro não consigo tapar o sol com a peneira e negar-me a admitir que o partido se tornou execrável quando o assunto trata de moralidade, comportamento ético e defesa do patrimônio público.
Por isso mesmo, estou convencido que é chegada a hora de avançar para além desses chavões e das reclamações desmedidas contra a grande imprensa, o poder judiciário e instituições que antes eram consideradas intocáveis, como a OAB, e iniciar um processo sério, fraterno e amplo de debate no campo da esquerda e da centro-esquerda, que não pode se limitar ao PT. E por que? Porque do contrário estamos fadados a sofrer um revés de proporções estrondosas nos próximos anos que pode nos conduzir para tempos de obscurantismo.
Vamos nos concentrar em um assunto menor
Os paladinos do retrocesso ganham corpo e seu veneno se espalha pela sociedade não só nos argumentos políticos e econômicos macros, mas também em questões que permeiam as relações sociais. E assim ganham ênfase a perseguição à diversidade sexual, a contestação da liberdade de cunho religioso – quando se insurgem contra religiões de origem africana –, a criminalização que se quer impor a adolescentes infratores, o questionamento da democracia e a consequente apologia à ditadura e, pasmem, até mesmo colocarem em xeque o direito de mães amamentarem seus filhos em locais públicos por acharem que isso fere princípios da moralidade cristã ocidental.
E na outra ponta, assistimos ao PT continuar não admitindo os “pecados” cometidos por Lula, Zé Dirceu, Delcídio, Vacari, Genoíno, Delúbio e tantos outros. Um suicídio anunciado. Continuar usando como argumento de defesa que o PSDB também fazia isso e aquilo e se envolvera em atos de corrupção é de uma demência política sem tamanho. Até porque ninguém que acreditava que a esperança tinha vencido o medo queria no poder pessoas para repetir os mesmos desvios que antes criticavam.
As conquistas sociais, políticas e econômicas experimentadas nos últimos anos podem ser completamente esquecidas se a militância do PT, onde se encontra uma massa formada de gente do bem e cabeças pensantes sensacionais, continuar defendendo “líderes” que – os fatos nos mostram – traíram o que nós acreditávamos no passado tratar-se do prelúdio de uma mudança real. As ideias precisam sobreviver, ainda que alguns guias de outrora e do presente tenham que pagar pelos seus erros. E aí, não dá para poupar ninguém. Não há como santificar, por exemplo, Lula pela sua importância histórica como líder sindical metalúrgico, fundador do PT e primeiro operário a chegar à Presidência da República sem admitir que ele mudou no exercício do poder.
É simples! Esqueçamos por um momento o Mensalão, Petrolão, Cachoeira, obras da Copa do Mundo e outros escândalos. Vamos nos concentrar em um assunto periférico menor. Bem menor! Que tal falar, por exemplo, da antena da Oi a 100 metros do sítio que recebeu os móveis do ex-presidente, que foi reformado sob sua orientação, que era frequentado quase semanalmente por sua família, mas que, já sabemos, não era dele, e sim de um sócio de um dos seus filhos (todos fatos que a lei de transparência pública nos permitiu comprovar). Pois bem, fiquei aqui imaginando se esse mesmo sítio pertencesse, em verdade, a FHC.
Longa vida à democracia!
Nada de antena. Bastava que a Oi, ou qualquer outra operadora de telefonia, tivesse instalado um simples orelhão a 100 metros do sítio para que o PT, CUT, UNE, Ubes, Movimento dos Sem Terra e partidos de esquerda ocupassem as ruas pedindo a prisão de FHC. Ou não? Ou alguém acredita que lideranças do PT, diante de fatos assim, iriam ocupar as tribunas do Congresso na defesa de Fernando Henrique? Imaginem a cena de deputados e senadores petistas dizendo que tudo não passava de uma perseguição ao ex-presidente FHC e que nada mais normal do que uma empresa de telefonia instalar um orelhão na zona rural, ainda que fosse para atender um número ínfimo de pessoas.
Então, é hora de superar a máxima de A revolução dos bichos, de George Orwell, de que “todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros”. Não há segredo. Não há o que inventar. Não se pode fazer descer goela abaixo a imagem de “inocência” de muitos que aí estão, no sentido do atributo que se dá à pessoa que não cometeu nenhum ato ilícito, apelando para a nossa “inocência”, no sentido de excesso de ingenuidade, pureza ou mesmo ignorância.
O que combina com o PT e sua história é exigir apuração completa e punição exemplar, independente de quem será atingido. Quem deve, que pague, e caro, devolvendo aos cofres públicos tudo aquilo que foi usurpado do povo brasileiro. Quem comprovadamente for injustiçado, que haja retratação pública quando provada a sua inocência. Esse é o Estado de Direito que tanto defendemos no passado, quando o país ainda padecia sob o pulso de ferro da ditadura militar. E se o PT quer sobreviver, precisa lembrar disso e começar a se reinventar.
E que não esqueçamos jamais que se muitas verdades estão brotando, inclusive envolvendo aqueles que eram considerados como intocáveis, como os donos de grandes empreiteiras e operadores do sistema financeiro, é porque a democracia, com todos os seus defeitos, permite a existência de uma imprensa livre, de um Judiciário independente, de um Ministério Público atuante, de uma Corte de Contas fiscalizadora e, por fim, de mecanismos de controle social. Longa vida à democracia!
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Melck Aquino é jornalista e produtor cultural e ocupa a Superintendência de Desenvolvimento da Cultura do governo de Tocantins