Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. Será mesmo? O alcance que a internet nos permitiu ter em relação às informações é tão maior do que aquele que tinham nossos colegas há vinte, trinta anos atrás… Mas parece que todo esse “poder” é desperdiçado pela ânsia de se atrair mais e mais leitores. Não importa a checagem de fatos. Os fatos, inclusive, podem ganhar um verniz de seriedade. Basta um veículo de referência, uma fonte ligeira e pronto: temos uma notícia absurda, porém “verdadeira”.
Deparei com um caso assim no dia 2 de março. O CuriosaMente, site criado pelo Diário de Pernambuco para noticiar fatos curiosos, postou em sua fan page uma manchete nada convencional: Nasa pagará R$ 70 mil para voluntário fumar maconha . Como pode uma notícia excêntrica como essa ser vista por mim primeiro em uma fan page regional? Como nunca ouvi falar nisso antes? Fazendo referência a outro blog que fala do mesmo projeto a matéria fez relativo sucesso.
Achei muito absurdo para ser verdade…. Fui checar melhor, pois no blog citado não há um endereço ou contato para inscrição. Apenas uma leve busca no Google pelo termo rest studies confirmou o que já desconfiava: tratava-se de mais um hoax. O que os autores do boato fizeram foi reescrever um artigo que falava desse mesmo “estudo do sono”, realizado em 2014, adicionando, claro, usava a questão da maconha para chamar atenção.
As provas estão em dois sites e olha que eles aparecem logo nas primeiras opções do Google. O curioso é que uma delas foi publicada no dia 26 de fevereiro, quatro dias antes da matéria sair nos veículos do Grupo Opinião. Procurei mais um pouco e voilà: uma matéria completíssima do site Vice sobre a experiência real do Rest Test da Nasa, feita há um ano, em fevereiro de 2015.
A crise de confiança no jornalismo
Ora, podemos até tentar compreender: “É um site, os sites estão cheios de erros que são cometidos pela rapidez das notícias…” Mas eis que tem mais: No dia seguinte (3/03) foi a vez do jornal impresso Aqui PE, pertencente ao mesmo grupo Opinião, do Diário de Pernambuco.
Mas não é justamente o impresso que seria teoricamente imune a esses boatos? Não é nele em que as análises são mais aprofundadas? Os jornalistas tiveram horas para checar as informações. Bastava um acesso à página da Nasa. Ou uma busca do Google. Mas como o importante é divertir milhares de leitores com uma notícia, ainda que ela seja falsa!
Diante disso tudo, só me lembro dos colegas lamentando a decadência do jornalismo e do que está por vir. Da agência de fact-checking, que criou uma barriga em rede nacional para questionar o Ministério da Saúde na GloboNews. É um hábito pernicioso que poderá fazer em breve uma vítima fatal: a credibilidade da nossa mídia.
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Thais Queiroz Ramos Ferreira é jornalista