Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cuidado! A corrupção pode virar piada

Dos quatro semanários de informação, no último fim de semana três deles ocuparam-se fartamente nas capas com a questão da corrupção. Qual deles omitiu-se? Cartas para a redação da CartaCapital.


Nos três que se ocuparam do assunto, impossível escolher qual a pior cobertura. A de Veja foi a mais frustrante porque, tendo sido escolhida com exclusividade na semana anterior pelos corruptos para divulgar o ‘vídeo da propina’, imaginava-se que com seus vastos recursos e inegáveis talentos poderia oferecer aos leitores na edição seguinte uma suíte pelo menos razoável.


O mínimo que se espera de uma veículo jornalístico é sua capacidade de dar continuidade às informações que veicula. O Fantástico seguiu à risca este preceito jornalístico comezinho e no domingo (22/5) deu seqüência à série de revelações gravadas pelo governador de Rondônia, Ivo Cassol, sobre a picaretagem na Assembléia Legislativa iniciadas no domingo anterior.


Convém examinar o teor do material informativo constante nas 16 páginas que Veja dedicou ao assunto na edição (nº 1.906, de 25/5):


** Abertura, duas páginas: artigo rigorosamente opinativo e eminentemente político sobre o presidente Lula e seus parceiros. Nenhuma informação nova.


** Quatro páginas sobre as proezas financeiras do presidente do PTB, o deputado Roberto Jefferson, em outra estatal, o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB). Informações requentadas e conhecidas, verazes com certeza, mas sem qualquer comprovação. Ou pelo menos preocupação em comprová-las.


** Duas novas páginas de avaliação política, agora sobre a reação do governo à instalação da CPI no Congresso. Nenhuma informação nova, nenhuma prova, apenas o velho ‘sabe-se que’.


** Sete páginas e meia sobre a corrupção no Brasil baseadas num estudo já conhecido da FGV sobre o custo (estimado) da corrupção no Brasil e dados da Transparência Internacional. Completadas com um adendo sobre nepotismo no Tocantins e fotos de quatro corruptos já punidos (faltaram pelo menos 10 nomes).


** Duas colunas com um paupérrimo show-room de equipamentos disponíveis no mercado para gravações clandestinas a servir de justificativa para uma chamada na capa (‘ Microcâmeras, aprenda a flagrar um corrupto’).


Conclusão: sem a preciosa colaboração dos corruptos-informantes, o jornalismo investigativo de Veja entrou em recesso. É uma lástima.


Sem empulhação


Época (edição nº 366, de 23/5) tentou a velha fórmula de ser veemente na capa e morna no miolo. Nas oito apocalípticas páginas há de tudo, inclusive assuntos sem qualquer relação com o tema da capa. As condenações sofridas pelo casal Garotinho enquadram-se como crime eleitoral, não houve apropriação de recursos do erário.


IstoÉ, muito sabida, escapou pela tangente. Deixou de lado o governo federal, o PTB e os Correios – cujas verbas não podem ser desperdiçadas – e preferiu cair em cima de dois senadores: o bispo Crivella e o empresário Paulo Octávio. Nas seis páginas sobre as negociatas do bispo-senador, ricamente documentadas, esqueceram do principal: pela Constituição, um parlamentar não pode ser concessionário de um serviço público. Mas como entre 30% e 40% dos congressistas estão metidos na mesma irregularidade, IstoÉ deixou a questão de lado.


[A propósito: ninguém reparou que o vibrante semanário da Editora Três deixou de se apresentar como ‘Independente’. Louvável.]


Mais uma vez somos confrontados com a dura realidade da imprensa brasileira: há nove anos consecutivos os grandes escândalos políticos são escancarados exclusivamente graças à eficiência da bandidagem política e/ou empresarial. Quando, por precaução, os marginais se recolhem, então se descortinam as dimensões do reino da ‘cascata’.


A luta contra a corrupção exige um padrão jornalístico que não pode ser confundido com empulhação. Se virar piada, cansa.