Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Vera Guimarães Martins

Justiça seja feita: sob risco iminente de perder o mandato, a presidente Dilma Rousseff pode ser acusada de muita coisa, menos de atentar contra a liberdade de imprensa. “A gente não pode demonizar pessoas, não pode demonizar órgãos de imprensa, nós não podemos demonizar opinião diferente da nossa”, declarou na última segunda-feira (7), diante de uma plateia que gritava slogans contra a TV Globo.

A frase passou quase em branco, engolida por chamarizes mais antagônicos da crise –”Dilma defendeu Lula”, “Dilma atacou a oposição”, os repetecos de sempre. Pena.

A presidente sempre mostrou capacidade maior de compreensão do princípio republicano da liberdade de imprensa, e a declaração era um óbvio contraponto à postura que Lula assumira três dias antes, quando atacou nominalmente os meios de comunicação, que vê como os culpados de sempre pelo noticiário.

O ex se disse indignado não com os jornalistas, mas com os veículos. O malabarismo retórico não se sustenta nem resolve na hora do conflito. Nos jornais (o ambiente que conheço bem), quem apura, depura e escreve são os jornalistas. Em qualquer meio, são esses profissionais que dão a cara a tapa nas ruas, enfrentando essas acusações simplórias de manipulação, instrumentalizadas à direita e à esquerda.

O destampatório do ex-presidente caiu em terreno fértil, adubado pela deterioração acentuada do panorama político, e as hostilidades começaram já na cobertura de seu discurso. Houve agressões a pessoas e equipamentos, seguidas depois por protestos em frente a empresas (até aí é parte do rito democrático), uma invasão pelo MST de emissora de TV em Goiânia e a retenção de dois repórteres de outra TV no Paraná (cortesia do mesmo movimento).

Na quinta, um grupo de representantes dos meios foi a Brasília cobrar ações do governo para garantir a segurança de profissionais e empresas diante do clima de acirramento e do aumento da violência.

Por “representantes dos meios”, entendam-se as entidades das empresas do setor, mas não vamos ser injustos: o Sindicato dos Jornalistas de SP publicou em seu site dois parágrafos repudiando as agressões a profissionais. Com uma dose de boa vontade, é possível localizá-los no final de um comunicado em que a entidade, filiada à CUT, condena a condução coercitiva de Lula.

Registre-se ainda trecho de nota oficial postada na quarta pela Federação Nacional de Jornalistas, também filiada à CUT. “Sem fazer a defesa apriorística do governo Dilma ou do ex-presidente Lula, a Fenaj reitera que a técnica e a ética jornalísticas não estão sendo observadas e respeitadas na abordagem dos fatos, o que tem ocasionado, inclusive, atos de violência contra jornalistas.” O título da nota é “Em defesa da democracia, do Estado de Direito e da liberdade de imprensa”.

É uma triste ironia que as duas entidades vivam do tributo que os jornalistas somos obrigados a pagar.