Jornalista é aquela pessoa que sabe explicar aos outros o que ela própria não entende, definiu Otto Maria Carpeaux (1900-1978), intelectual, ensaísta, crítico literário e também jornalista (ninguém é perfeito). O imigrante austríaco que fez carreira no Brasil não cometeria o aforismo se estivesse acompanhando a cobertura da crise. Quantas vezes você, leitor, tem saído de uma reportagem cheio de dúvidas ou sem entender patavina? Junte-se ao clube!
Essa percepção aumentou nos últimos tempos, com a eclosão da Lava Jato e da crise política que redundou no pedido de impeachment. São assuntos complexos, cheios de firulas e calcados numa linguagem intransponível para a maioria, que exigem dos meios um esforço permanente de interpretação e didatismo. O país já viveu tempos confusos com a queda de Fernando Collor e o julgamento do mensalão, mas, perto do furdunço atual, ambos parecem simples como dançar quadrilha.
A barafunda jurídica é tanta que não basta reportar o que ocorreu, é preciso explicar o que não ocorreu.
Um exemplo recente: “Maioria do Supremo vota pelo envio de investigações sobre Lula para o STF” anunciou a Folha nesta quinta-feira (31). O texto relatava que o pleno do tribunal havia mantido a decisão provisória do ministro Teori Zavascki, que mandou a Justiça Federal de Curitiba enviar todas as investigações sobre o ex-presidente para o STF.
Era correto, mas insuficiente. Para o senso comum, decisão provisória é liminar, o que Teori já havia concedido na semana anterior. O fato de a votação ter envolvido todo o tribunal fez parecer que a questão estava decidida: Lula havia obtido o foro privilegiado. Só que não.
O STF apenas confirmou a liminar da semana anterior, deixando o mérito para ser julgado em outra sessão. A reportagem não deixou isso claro, nem explicou por quê. Provavelmente considerou que o uso do termo “decisão provisória” bastava.
Segundo “O Estado de S. Paulo”, o único dos grandes jornais a trazer uma explicação, o tribunal resolveu referendar coletivamente a decisão do ministro relator como resposta às críticas e ameaças que ele recebeu após a concessão da liminar.
Nesse cenário de incompreensões fáceis e abundantes, é ótimo que o jornal tenha trazido de volta a coluna “Questões de Ordem”, de Marcelo Coelho, criada para acompanhar as 53 sessões do julgamento do mensalão. Colunista da “Ilustrada”, Coelho foi um achado: seus textos eram um facho de luz na cobertura, conseguindo traduzir com rara clareza o juridiquês do Supremo. O autor ganhou o Grande Prêmio Folha de 2012 pelo conjunto da obra.
A iniciativa é bem-vinda, mas demorou. Com o fim da prática sistemática de publicar análises, os textos analíticos rarearam. Estão mais presentes no site, embora menos do que o necessário, e mais voltados à área política. A parte jurídica, um calo mais difícil, andava à míngua.
Demorou, e é pouco. A efervescência do país é ímpar, e o jornal precisa estar não só à altura do momento histórico nacional, mas de sua própria história. A Folha costumava saltar à frente da concorrência em momentos-chaves e dar tratamento especial a grandes apurações. Não é o que ocorre agora.
A cobertura, pouco mais que burocrática, está aquém do momento político. Não há seções novas, nem diferenciais em relação à concorrência, que agora é mais acirrada ainda no digital. Cadê a Folha que se destacava pela ousadia, pela criatividade, pelo barulho?