No dia 23 de agosto de 2007, o Supremo Tribunal Federal decidiria se aceitava ou não a denúncia do procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, contra 40 acusados da Ação Penal (AP) 470. Os prognósticos eram de que a denúncia não passaria.
No mesmo dia, O Globo publica reportagem de Alan Gripp e Francisco Leali sobre os ministros conversando na sessão, via laptops fotografados por Stuckert Filho. A conversa desqualificava e banalizava o julgamento. A denúncia seria recusada por ministros indicados por Lula.
O impacto foi fulminante. Isso é farsa ou julgamento? A reação da mídia e da opinião pública inverteu quem estava sendo julgado. Não mais réus do Mensalão. Mas a imparcialidade e autoridade do próprio Supremo.
Um juiz já disse: “Quando julgo, sei que serei julgado”. O Supremo estava agora na mira da opinião pública. Sua legitimidade e razão de ser no Estado democrático de direito era questionada. Para que existia?
Tudo mudou. A denúncia foi aceita. Dos 40, 25 foram condenados. As fotos e a reportagem evitaram a impunidade.
O ministro Ayres Britto deixara a presidência do Supremo no meio do julgamento do Mensalão aposentado aos 70 anos. Perguntado depois pelo grupo Sitroom da FGV Direito Rio sobre qual a decisão mais difícil na condução do processo, respondeu: “Colocar em pauta o julgamento. Marcar o dia para começar”. Havia pressão contrária de advogados, governo e alguns ministros.
Britto completou: “Foi também a decisão mais fácil. Depois da a Folha de S.Paulo ter publicado declaração do ministro Lewandowski de que existia o risco de o processo prescrever, eu, ou qualquer presidente, teria que colocá-lo em pauta. Estava em jogo a credibilidade e capacidade de o Supremo produzir justiça” .
Há milhares de outros exemplos. Na democracia, com liberdade de comunicação, a relação Supremo e opinião pública veio para ficar. A Constituição os colocou em diálogo inevitável. Até o silêncio ou o juridiquês são ações comunicativas e produzem reações comunicativas.
Pode ser diálogo-com, em que ambos convergem para objetivos comuns. Ou até diálogo-contra, em que ambos divergem até no objetivo comum. Mas não há como um, do outro, escapar.
A relação dialógica inclui votos e julgamentos, inclusive seu making of. E também o comportamento de ministros. Nos autos e fora deles.
Primeira necessidade
Quando o ministro Lewandowski se encontra com a presidente Dilma, em Portugal, e a mídia revela, explode uma reação comunicativa entre o Supremo e a opinião pública. E obriga o ministro presidente a se explicar.
Quando o ministro Luiz Roberto se encontra com o ministro da Justiça às vésperas do julgamento do rito de impeachment, e a mídia revela, explode igual reação comunicativa. Obriga o ministro relator a se explicar.
Reagir é legitimar ou deslegitimar. Reconhecer autoridade ou não. É de onde vem o poder ou o “despoder” do Supremo.
Os cidadãos podem, em plena liberdade de comunicação e inundação das mídias tecnológicas, conhecer, entender e reagir sobre como a Justiça está sendo feita. Como educação, saúde e segurança, Justiça é bem de primeira necessidade. Também.
Esse diálogo destruiu a crença elitista de alguns juízes de que ninguém lhes influencia. E de que eles decidem apenas com suas livres consciências.
A pergunta hoje é outra. Quem é, e como se forma, a consciência de um ministro do Supremo?
Todas as pesquisas, estudos, aqui e alhures, inclusive de neurociência e de estatística, mostram que muitos fatores influenciam a consciência, além da lei. Educação, valores, comportamento cotidiano, análise econômica das consequências, ambições pessoais, neuroses, preferências sexuais e religiosas etc. Tudo influencia a interpretação do juiz. A lei não é unívoca.
Estamos diante de um complexo de influências interligadas. Uma pode pesar mais que outras. É mix que muda caso a caso, no tempo e espaço. Na história. O poder do juiz reside em organizar esse mix e chamá-lo de consciência.
No passado, ministros davam imensa importância ao mimetismo, doutrinas estrangeiras e crença no caráter celestial da lei importada. Hoje, menos. A influência da mídia e opinião pública traz os ministros de volta aos problemas do Brasil real.
O acesso da opinião pública ao ministro, e vice-versa, decorre desse processo. Antes, só advogados, partes, políticos e outros ministros tinham acesso ao julgador. Acesso controlado. Brasília é ainda o símbolo desse controle. Agora, não mais.
Hoje, a mídia tem amplo e livre acesso ao Supremo. Penetra-lhe pelos poros. E o ministro, amplo acesso à mídia e à opinião pública também. Ninguém está desligado.
Essa é a grande novidade. No diálogo inevitável são todos contaminados pelos vírus dos fatos, dados, notícias, análises e opiniões. O livre convencimento dos juízes ficou mais rico e complexo. Mudou.
Democracia é assim mesmo.
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Joaquim Falcão é diretor da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito Rio)