Numa semana que poderia ser de comemoração por dois furos relevantes nas manchetes de quarta e quinta-feira, a Folha registrou dois tropeços que embaçaram a alegria do jogo. O primeiro foi a descoberta de que uma entrevista com Blanca Jiménez, especialista em recursos hídricos da ONU, teve trechos plagiados e frases tiradas do contexto.
O jornal foi avisado pelo governo do Estado, cuja gestão de recursos hídricos era criticada na entrevista, e escrutinou o autor, Robson Rodrigues, colaborador eventual do jornal. Rodrigues negou o plágio, mas admitiu ter juntado trechos de outra entrevista supostamente feita em “setembro ou outubro” de 2015, da qual ele não tem o áudio (diz ter mudado de celular) ou anotação.
Usar uma entrevista antiga para falar do momento atual já seria irregular, ainda mais quando editor e leitor não são avisados. No caso da crise da água foi temeridade: a conversa teria ocorrido antes das chuvas torrenciais deste ano, o que, de cara, poria em xeque a avaliação anterior ou exigiria atualização.
A questão do plágio é ainda mais grave: o material trazia dois trechos idênticos a trechos de entrevista publicada em 2014 por “O Estado de S.Paulo”. Segundo o jornalista, a semelhança decorre do fato de Jiménez dar respostas sempre parecidas, o que acontece com personalidades públicas que falam muito sobre um assunto —mas a fala nunca é ipsis litteris e, além das respostas, as perguntas também eram iguais.
A Folha tomou as atitudes corretas: apurou, reproduziu cartas do governo estadual e da especialista da ONU, registrou o erro nos lugares certos e publicou reportagem relatando o caso num alto de página em “Cotidiano”. O jornal também promoveu uma checagem dos trabalhos anteriores do colaborador e verificou que só houve adulteração no caso da entrevista da água.
Ainda assim, não há como negar o desgaste que episódios como esse provocam na credibilidade.
“Como professor universitário e editor de revista médica, tenho pesadelos constantes com eventuais plágios por alunos, orientandos ou colegas de trabalho. Para isso, há um sem-número de softwares que identificam semelhança excessiva com textos já publicados. A Folha não faz conferência?”, escreveu Paulo A. Lotufo, professor titular da Faculdade de Medicina da USP.
Não, e duvido que a imensa maioria dos jornais o faça, mas é uma boa ideia —sobretudo quando o autor é um colaborador eventual.
Vínculo empregatício não é garantia de atuação correta —vide ocorrências como o acróstico no obituário da Folha ou as invenções de Jason Bair no “New York Times”, ambas cometidas por profissionais com anos de casa. Mas, ainda que não faça brotar ética onde não há semente, o conjunto de ferramentas de treinamento e avaliação permanente dos contratados funciona ao menos como elemento dissuasivo. Colaboradores eventuais não são submetidos a ele e muitas vezes desconhecem até as regras básicas do “Manual da Redação”. Os controles têm que ser arrochados aí.
JOAQUIM BARBOSA
Na segunda (4), a Folha publicou, no impresso e no site, a reportagem “Barbosa teria deixado de pagar imposto de imóvel na Flórida. O verbo “teria” na condicional já evidenciava pouca convicção na apuração, que apontava a falta de pagamento de um imposto de US$ 2.000 pela transferência do imóvel que o ex-ministro tem na Flórida.
A história era rala e só foi publicada porque estava no pacote dos “Panama Papers”: para fazer a compra, Barbosa abriu uma offshore pelo escritório Mossack Ferreira. A matéria dizia que o ato é legal e comum entre estrangeiros, mas o outro lado foi resumido a três linhas que diziam que todas as taxas haviam sido pagas. As explicações detalhadas não saíram nem no digital, onde espaço não é problema.
No dia seguinte (5), após reclamações de Barbosa, reportagem maior contemplou sua argumentação –mas ela saiu só no digital.
Vinicius Mota, secretário de Redação de Edição, reconhece a falha na edição, mas não vê erro. “A primeira reportagem trata de uma suposta dívida. Fala de um imposto de venda. O ‘outro lado’ está registrado. Há aí uma divergência de lados, registrada na reportagem seguinte.”
Pode não haver erro, mas certamente houve informação deficiente e desequilibrada. Coloquei na página digital da ombudsman a íntegra da nota de Barbosa e links para que o leitor tire sua própria conclusão.
ERRAMOS: O nome de Jayson Blair foi grafado incorretamente como Jayson Bair. A empresa Mossack Fonseca também foi incorretamente identificada como Mossack Ferreira.
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