Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Aprendendo a ler jornal

Permitindo-me um plágio benigno, eu diria que aprendi a ler jornal com Alberto Dines. É verdade que antes já lera bom jornalismo no Correio da Manhã e no próprio Jornal do Brasil, que o Dines dirigia, mas foi a partir da década de 70, com a coluna “Jornal dos Jornais”, que era publicada na Folha de S.Paulo, que nunca mais li jornal do mesmo jeito. Não só aprendi a ler jornal, como – na época, poderia considerar-se uma consequência quase natural – aprendi a fazer jornal. Eram os tempos dos anos esquisitos e fazer jornal exigia uma postura de resistência e muita criatividade.

Muitos anos se passaram e tive uma experiência igualmente alentadora durante minha breve passagem pela versão brasileira do Monde diplomatique. Foi com o então editor-chefe do Diplo, como é conhecido o jornal francês, que era Ignacio Ramonet, o qual, além de escrever magistralmente bem, também ensina a ler jornal. Ramonet dirigiu o Monde diplomatique – votado por unanimidade pela redação – de 1990 a 2008.

Ocorreu, então, uma curiosa coincidência. Pouco depois de me ter afastado da versão brasileira do Diplo, em meados de 2007, então já com bem mais de 60 anos, fui convidado pelo Luiz Egypto, editor-chefe do Observatório da Imprensa, para ser editor assistente deste jornal preenchendo a vaga de Marinilda Carvalho, que estava saindo para trabalhar na Fiocruz.

Plenamente ciente de que – nos dias que correm – jornalista com mais de 50 anos é um produto descartável [um aparte: consta que, quando Otavinho Frias assumiu a direção da Folha na década de 80, ele teria dito que na sua redação não trabalhariam pessoas com mais de 30 anos e Cláudio Abramo, ao tomar conhecimento dessa graça, respondera com uma pergunta: “E a memória?”] considerei, e considero até hoje, que ganhei na loteria. Jamais expressei com a gratidão devida, meu agradecimento profundo ao Luiz Egypto. Além de ter trabalhado com Ramonet, passei a trabalhar num projeto comandado pelo Dines em seu programa de observação da imprensa. Isto não é apenas uma experiência agradável. É um privilégio.

Existe outra coincidência não menos curiosa: em 2002, Ignacio Ramonet foi um dos fundadores do Observatoire français des médias, versão francesa do Media Watch Global. Portanto, também ele dirigiu um programa de observação da imprensa (crítica da mídia).

Do nascimento da ideia e da concretização do projeto que originou o Observatório da Imprensa não posso falar porque não acompanhei o processo. Mas o Luiz Egypto o fez excepcionalmente bem em seu texto aqui publicado na edição nº 895, de 28 de março.

De minha experiência de cerca de oito anos no Observatório, só posso dizer que foi extremamente enriquecedora e gratificante – do carinho e incentivo de pessoas como a Andrea, a Marinilda, o Luiz Antônio, a Letícia, a Larriza e a Maria Luiza Werle, ao apreço e solidariedade dispensados ao meu trabalho por diversos colaboradores assíduos que acabaram se tornando amigos.

Numa era pós-Thatcher e pós-Reagan, de exaltação ao individualismo e apologia da lei de Gérson, palavras como solidariedade e coletividade ainda existem entre nós, observadores. Quando a Letícia ganhou neném, por exemplo, todos nós, do Observatório, éramos pais e mães do João. Perceber a solidariedade e o espírito coletivo no ambiente de trabalho é outro privilégio.

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Jô Amado é jornalista