Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Tânia Alves

Nem as justificativas dos deputados para aceitar ou rejeitar a instalação do processo de impeachment nem o perfil da quase primeira-dama do Brasil publicada pela revista Veja. Nos últimos dias, o que mais me chamou atenção foi a notícia publicada na BBC Brasil com o título: “Na semana do impeachment, 3 das 5 notícias mais compartilhadas no Facebook são falsas”. O levantamento, aponta a matéria, foi feito pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Acesso à Informação da Universidade de São Paulo (USP), entre terça-feira (12/4) e sábado (16/4). Foram analisadas 8.290 reportagens, publicadas por 117 jornais, revistas, sites e blogs.

Embora ocupem o topo dos compartilhamentos, os conteúdos foram desmentidos em notas oficiais ou notícias publicadas pelos meios de comunicação, informa a reportagem. Só para se ter ideia, o boato mais visualizado conseguiu 90.150 compartilhamentos.

A primeira sensação que tive ao ler a notícia foi que a imprensa, de uma maneira geral, está perdendo a guerra para a onda de boatos que se instalou nas redes e que são compartilhados de forma ágil e sem muita reflexão. Basta o conteúdo ser próximo daquilo que se pensa para ser aceito e defendido como verdade. A minha verdade é a verdade do todo. Nesta nova realidade, temos nossa parcela de culpa, na medida em que o noticiário acaba não refletindo de maneira plural as nuances de um mesmo fato ou não enxerga a realidade como devia. Se a imprensa não distingue as pessoas, elas também deixarão de reconhecer estes meios como capazes de estabelecer conexões com elas. Tende a ser descartado. Mas não é o fim.

Ainda temos alguns cartuchos a queimar. A credibilidade e a responsabilidade social com a notícia são ativos capazes de merecer o reconhecimento dos usuários. São bens que não podem ser tratados apenas como retórica, pois sem eles há quebra de confiança e o terreno fica livre para as notícias falsas. É como fazia questão de dizer o velho professor da teoria da comunicação: o boato corre onde não corre a informação verdadeira e consistente. É aí onde o perigo se apresenta.

Acredito também que esta onda de compartilhamento de boatos faz parte de um aprendizado a esta nova maneira de ter acesso à informação. Estamos ainda na fase do lambuzar, do excesso. É uma adaptação dos usuários da notícia com as redes, com o fenômeno da participação, com a facilidade de se ter conteúdo a toda hora em todo lugar. Assim como é certo que esta novidade já está consolidada e não terá volta, é certo também que a maturidade virá. Não tardará e os leitores vão descobrir o verdadeiro sentido do compartilhamento. Vão distinguir a ilusão e a realidade e vão preferir o segundo. A era da viralização do senso comum então passará. Espero e sinto.

A importância da visão múltipla

Não existe matéria com uma visão só. A realidade é plural e, portanto, é essencial que esta diversidade esteja presente no conteúdo jornalístico. Pois foi na falta deste sortimento de dados que uma leitora entrou em contato com a ouvidoria na semana que passou. Ela se queixava de uma matéria publicada no dia 1º de abril com o título: “Projeto concede incentivo para térmicas a gás”, na editoria Economia. “Sou leitora de vocês há anos e sempre confiei no jornal como fonte de informação. Todavia, essa fé se abalou depois que vocês fizeram reportagem sobre projeto de lei para a isenção de ICMS sobre o gás natural no estado do Ceará, sem sequer citar a repercussão social que o caso gerou e sem ter o menor interesse em dar seguimento à matéria”, disse.

Ela completou que o projeto está sendo criticado por parte da sociedade civil e que há pressão nas reuniões das comissões do Legislativo sem que O POVO acompanhe o debate. “Na reunião de Comissão de Constituição Justiça e Redação (da Assembleia Legislativa), o projeto passou em uma vitória apertada, por 4 votos a 3. Onde está o jornal para repercutir a luta do povo?”, questionou.

A leitora tem razão. O problema se repetiu na terça-feira passada, em matéria da editoria de Economia, em que lojistas pediram ao prefeito de Fortaleza a regulamentação para o comércio abrir 24 horas (ver fac-simile). A matéria ouvia comerciantes e prefeitura, mas deixou de citar uma terceira peça importante na questão: os comerciários. Faltou um contraponto. Citei os editores do Núcleo de Negócios a explicar a falta de contraditório nas duas matérias. A editora-adjunta Nathalia Bernardo enviou a seguinte resposta: “Estamos fazendo pauta com os desdobramentos do assunto para a edição de segunda-feira”. Ela não especificou qual dos dois temas.

O projeto da redução do ICMS para as térmicas e a abertura do comércio 24 horas não têm visão única. As duas iniciativas são permeadas de contraditório. Dar voz e mostrar todos os atores que estão no jogo é regra básica para o bom jornalismo. Oferecer ao leitor o máximo de visões possíveis é essencial para que ele se sinta contemplado e possa tirar conclusões. Quando o jornalista esquece um dos lados para formar um contexto, o texto fica capenga e distorcido. Esse é um pecado que não se deve permitir no tempo em que notícias falsas são tão compartilhadas quanto as verdadeiras.