Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Rádio comunitária depende de padrinho

O III Seminário Internacional Latino–Americano de Pesquisa da Comunicação aconteceu na Universidade de São Paulo, de 12 a 14 de maio. No evento, grupos discutiram a democratização da comunicação nos diversos meios. No debate ‘Como democratizar a comunicação no rádio’, coordenado por José Luís Aguirre Alvis, da Bolívia, e Luiz Fernando Santoro, do Brasil, pesquisadores apresentaram diversas experiências com rádio, oportunidades para a democratização e os caminhos da rádio comunitária.

Entre eles destacou-se o estudo de Cristiano Aguiar Lopes, da Universidade de Brasília, sobre a dificuldade de outorga das rádios comunitárias, dado o grande número de exigências, sendo uma delas a necessidade de se ter um padrinho político como fator de sucesso.

Em sua pesquisa, Cristiano comprovou que ‘os processos apadrinhados têm 4,41 vezes mais chances de serem aprovados do que os que não contam com qualquer apadrinhamento político’.

Cristiano Aguiar Lopes é mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental pela Escola Nacional de Administração Pública e consultor legislativo da Câmara dos Deputados para as áreas de ciência e tecnologia, comunicação social, telecomunicações e informática. Após a apresentação do trabalho, ele concedeu a entrevista que se segue.

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Como se dá o processo para a outorga de uma radiodifusão comunitária?

Cristiano Aguiar Lopes – O processo da outorga é regrado pela Lei 9.612, de 1998. Essa lei é que vai trazer toda a documentação e todos os critérios que serão utilizados para essa outorga. Há ainda as normas e decretos complementares. Para conseguir a outorga, basicamente, a entidade apresenta um cadastro de demonstração de interesses, que é um documento bem simples, no qual ela diz nome, CNPJ, localidades em que ela pretende se instalar, a coordenada, e envia este cadastro ao Ministério das Comunicações.

Aí ela tem que esperar a publicação de um aviso de habilitação, que é um documento publicado no Diário Oficial da União, ou na página do Ministério das Comunicações, dizendo quais são as localidades que têm um canal reservado para a outorga de radiodifusão comunitária. Caso a localidade dela seja incluída num aviso de habilitação desses, ela tem um período, determinado pelo aviso de habilitação, para apresentar a documentação que é pedida pelo ministério. Essa documentação está nesse aviso de habilitação.

Depois disso, vem a parte da habilitação propriamente dita, ou seja, o ministério vai observar essa documentação para saber se a entidade cumpriu todas as exigências burocráticas, que são muitas. O processo costuma demorar de um ano e meio a dois anos, e termina por eliminar a maior parte das concorrentes. Caso, no final das contas, tenha sobrado apenas uma concorrente e esta tenha cumprido todas as exigências burocráticas, ela apresenta seu projeto técnico, que é outra vez analisado e, se aprovado, é publicada uma autorização de funcionamento, encaminhada ao Congresso Nacional, e este libera um decreto legislativo. Depois de toda essa via burocrática, a entidade está habilitada a prestar o serviço de radiodifusão comunitária. Isso no caso de haver apenas uma entidade escolhida.

No caso de haver duas ou mais concorrentes, cairá no critério de representatividade, que é medir qual tem mais manifestações de apoio. A que vencer levará a outorga. Basicamente, é isso.

Você falou, na palestra, sobre rádio que tem padrinhos políticos. Como ficam as que não os têm?

C.A.L. – As entidades organizadas representativas da radiodifusão comunitária denunciam esse tipo de coisa, muitas vezes sem terem os dados necessários. Exatamente, por isso, que eu estou mostrando, empiricamente, que isso realmente se dá. Mas o grande problema é que, por mais que as entidades que foram prejudicadas por isso protestem, tudo é feito na mais perfeita legalidade. Há uma lista de exigências [link abaixo para download] determinadas por lei, e, para cumprir essas exigências, um padrinho político é essencial. As que não têm um padrinho político não conseguem cumprir essas exigências que a lei determina e, por isso, terminam com seus processos arquivados. Mas não há nada ilegal nisso, esse é o problema. O que a gente tem que fazer é rever essa lei, porque ela está gerando obstáculos para se conseguir uma autorização de radiodifusão comunitária sem precisar desse tipo de subterfúgio, sem precisar do apadrinhamento de um político.

Não há nenhuma entidade ajudando essas rádios comunitárias que não têm apadrinhamento?

C.A.L. – O Fórum Abraço tenta ajudar. E até o ministério termina enviando, sempre que há uma pendência, as exigências e pede para encaminhar algum documento ou refazer outro. Mas tudo isso não tem sido suficiente. Por ser um processo muito complicado, ter alguém dentro da máquina burocrática que auxilie faz uma diferença enorme. As entidades que tentam sanar todos os problemas das associações e fundações comunitárias que não têm apoio de políticos não sabem como se dá o processo tão bem quanto os deputados, que contam com a assessoria de seus gabinetes que trabalham, muitas vezes, como despachantes desses processos, sanando documentação pendente e até apresentando essa documentação ao ministério. Então, é uma luta desigual.

Como foi o processo da sua pesquisa, como conseguiu tais dados?

C.A.L. – Há um programa de computador no ministério que se chama Pleitos, onde são cadastradas todas as demonstrações de interesse de deputado, senador ou qualquer pessoa que encaminhe um pedido de informação, um determinado processo de radiodifusão, não apenas comunitária. Esse programa foi instalado no governo Lula, por volta de meados de 2003, então todos os pedidos e todas as manifestações de políticos sobre o processo de radiodifusão de seu interesse são cadastrados nesse programa, de 2003 até hoje.

O que se criou foi uma incrível base de dados sobre apadrinhamento político, que a gente não tinha até então. Eu consegui, por meio de uma fonte no Ministério das Comunicações, o acesso a essa lista, tirada a partir do Pleitos. O que eu fiz foi cruzar com os processos de radiodifusão comunitária que tinham sido outorgados nesse mesmo período, entre 2003 e 2004. A partir desse cruzamento, consegui saber quais entidades foram outorgadas, se essas entidades estavam cadastradas no Pleitos e se tinha algum deputado, senador, enfim, algum político interessado na outorga daquela rádio. Foi a partir desse cruzamento de dados entre os processos autorizados e os processos de interesse que estavam cadastrados que eu cheguei aos resultados.

Na minha dissertação de mestrado, analisei como foi o andamento dos processos de radiodifusão comunitária apresentados ao Ministério das Comunicações desde o início – agosto de 98, a data de promulgação da lei –, até maio de 2004. Foram ao todo 14.006 processos. Pesquisei quantos desses processos foram autorizados, quantos foram arquivados e os motivos do arquivamento. O que eu queria saber, principalmente, era se eram motivos técnicos, ou simplesmente burocráticos. Cheguei à conclusão de que foram barreiras impostas pela legislação, barreiras estas muitas vezes artificiais para não se conseguir chegar a uma outorga.

Dos mais de 4.800 processos arquivados nesse período, mais de 80% o foram por motivos burocráticos, pelo não-cumprimento das exigências da legislação, e 20% por motivos técnicos, apesar desses motivos técnicos poderem ser questionados. Depois, peguei os processos autorizados e fui estudar o porquê de terem conseguido sucesso e chegar a uma autorização de radiodifusão comunitária e outros não. O que atuou nesse meio de campo para fazer essa diferença? Foi esse o caminho seguido.

Tendo em vista que, para se ter uma rádio comunitária, é fundamental a ajuda do governo, de algum político ou entidade religiosa, podemos desacreditar na existência de rádios realmente comunitárias?

C.A.L. – Não. Há uma desvirtuação do modelo, as rádios comunitárias não eram para ser isso. Nesse evento a gente está discutindo conceitos e não chegamos ainda a uma conclusão do que é rádio comunitária, mas, com certeza, chegamos à conclusão do que não é rádio comunitária. E o que não é rádio comunitária é uma rádio que tem tolhida a sua independência, que tem um compromisso político com alguém e que esteja a serviço de alguma pessoa que ajudou em determinado momento a conseguir a outorga e, óbvio, não conseguiu de graça. Existe uma relação promíscua nesse sentido e isso tudo é possibilitado pela legislação, pela dificuldade de se conseguir uma outorga. Mas isso, de maneira alguma, desvirtua, desqualifica a radiodifusão comunitária, porque isso, simplesmente, não é radiodifusão comunitária. É radiodifusão a serviço de político, de determinada igreja, seita, enfim… Não é um serviço independente e que esteja sob a gestão da comunidade. Então, não desqualifica de forma alguma o modelo.

Utopicamente falando, qual o modelo ideal de radiodifusão comunitária?

C.A.L. – O modelo ideal seria aquele no qual não existe o dono da rádio, ou então a associação é a dona da rádio. E aquele em que há um serviço público posto à disposição da comunidade, que esta possa usar à sua maneira, claro que por meio de um conselho que decida como será essa programação, o que ela vai inserir. Que não tenha fins lucrativos, mas que tenha dinheiro suficiente para manter esse serviço. Então ela pode inserir publicidade, desde que a geração de lucros não seja o fim, mas a geração de caixa necessário para a manutenção das suas funções. E, principalmente, uma rádio comunitária que esteja a serviço de uma sociedade crítica, de uma comunidade que entenda como funciona a comunicação e que, por isso, possa prestar seus próprios serviços de comunicação por rádio, que é um meio com um potencial democrático incrível. Prestando esse serviço de maneira crítica, a rádio comunitária poderá se contrapor a uma comunicação formalmente estabelecida.

E esse conselho, que será a base de tudo isso, como fazer para formá-lo sem problemas? Seria constituído pela população?

C.A.L. – O conselho é uma forma de democracia mediada. E, para se conseguir a perfeição na democracia mediada, é muito complicado. O conselho teria que ser ao máximo representativo da população. De maneira alguma poderia chegar um pesquisador, um ente estatal, um agente público, ou seja lá quem for para impor idéias. Quem tem que gerir é a comunidade.

Clique aqui para ler a lista de exigências, em formato PDF (177 Kb)

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Estudante de Jornalismo das Faculdades Integradas Hélio Alonso, Rio de Janeiro