Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Adrenalina vicia e jornalismo, também

Peço desculpas, penso e escrevo por elipses, dou umas voltas para chegar onde pretendo. Como ninguém aprende sem errar, isto é o mesmo que dar umas voltas pelos erros antes de acertar. Na vida também é assim.

Quando me tratei do alcoolismo, numa primeira entrevista, o dr. Sergio de Paula Ramos (um dos maiores craques brasileiros na área) me perguntou qual era a razão para que eu bebesse tanto. Eu, que nunca havia pensado na questão – para mim, até então, beber, dormir e respirar eram as mesmas coisas – pensei muito para responder. Sem ter resposta melhor, respondi: ‘Porque gosto de ficar bêbado…’

O médico ficou muito surpreso e retrucou: ‘Sua resposta é inédita, a regra é o dependente culpar algo ou alguém por sua compulsão!’, mas me corrigiu: ‘Gostar, você não gosta, você precisa beber…’

Apesar da aparente sutileza semântica da justificativa, tive que lhe dar razão e saí desta dolorosa experiência mais sabidinho. Dói muito, é sempre bom avisar. Depois que tive alta da internação, e depois de suspender do uso do álcool por 15 anos, uma das constatações que mais me doeram, foi perceber que o mundo continuava a mesma droga.

Quinze minutos de glória

As drogas químicas que alteram o humor, desde o cigarro até a heroína, alteram a percepção de mundo. Quem está drogado enxerga pouco (ou muito), dependendo da perspectiva de seu olhar. A droga equivale a um óculos meio diferenciado. E melhor (ou pior), além de fazer ‘ver’ diferente, as lentes especiais fazem o usuário ‘sentir’ diferente. O drogado vive 12.000 metros de altitude acima das nuvens e tempestades. O efeito inicial das drogas é maravilhoso e é esta a razão do dependente querer sempre mais delas. Mas, no fim do êxtase, quando é obrigado a aterrissar, ele passa só a enxergar o que mais precisa para manter seu pique: mais droga. No caso das drogas químicas, como o álcool, o usuário precisa mais, e este ‘precisa’ é sinônimo de necessita, como me ensinou meu médico. A questão é física.

Ampliando a idéia, existem outras drogas tão viciantes quanto – e até incentivadas por nossa sociedade. Exemplo? A fama, o poder e a grana causam efeitos tão agradáveis (e nocivos) quanto as drogas químicas. A necessidade de ‘usar’ outra vez, quando o efeito agradável passa, é a mesma, inebria igualzinho. Quinze minutos de glória nos fazem acreditar que estamos mais vivos e nossa cabeça (e pescoço) parecem destacar-se na multidão. Ficamos mais altos (nos dois sentidos) que qualquer craque da NBA.

Uma mistura bombástica

Neste sentido (existem pesquisas que comprovam isso), trabalhar na Bolsa de Valores, no jornalismo diário, dirigir ambulâncias, fazer cirurgias delicadas ou atuar em palcos são profissões perigosas. Nestas atividades, há uma tensão pré-resultado (que inclui prazo, pressa e ansiedade pela aceitação posterior do resultado) que acelera em muito o metabolismo. O profissional age tão focado no que está fazendo, e excitado, que não percebe com clareza seu estado de estresse e tensão. É óbvio que, depois, sente-se tão aliviado que, ao tranqüilizar-se, fica em êxtase, entra em alfa e precisa relaxar… com uma bebedinha, ou sei lá o quê. É a isso o que os médicos chamam de dependência cruzada.

Por exemplo, jornalismo, poder, e drogas alteradoras do humor é uma mistura bombástica.

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Compositor, educador e jornalista; Delfinópolis, MG