Para muitos, a frase mais marcante de Alberto Dines é “Você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito”. É o lema do Observatório da Imprensa – e é impossível dissociar a imagem deste Observatório da imagem de seu fundador. Para mim, no entanto, a frase que remete ao veterano observador é outra: “Como você vê… (insira aqui um tema relevante para a imprensa)?”. Comecei minha carreira no Observatório como estagiária no programa de TV. Lembro que, durante as gravações, nas noites de terça-feira, Dines iniciava assim as perguntas aos convidados. Além da óbvia ligação com o símbolo do Observatório, um olho, a frase continha a essência do projeto: ser plural.
Nestes 20 anos, o Observatório da Imprensa nunca perdeu esta essência. A preocupação com a pluralidade de vozes e opiniões estava presente tanto na frente das câmeras como por trás delas. Por vezes, nas reuniões de pauta, Dines perguntava aos estagiários suas opiniões. Ali, estudantes de jornalismo completamente crus, éramos ouvidos com atenção por um dos maiores nomes do jornalismo brasileiro.
Depois de formada, trabalhei no site do Observatório por 12 anos. Comandada por Luiz Egypto, uma das pessoas mais sensatas que já conheci, a página sempre manteve como seu principal trunfo a pluralidade de vozes. Egypto convidava, com educação e paciência, leitores críticos que nos enviavam mensagens raivosas a, em vez de se irritar via email, expressar seus pontos de vista escrevendo artigos. Ele sempre prezou pelo diálogo: com os membros da equipe, com os colaboradores, com os leitores que nos procuravam.
Cuidei, por muitos anos, da moderação do canal de comentários dos leitores. Deparava-me, diariamente, com mensagens que criticavam o Observatório, seus autores, seu fundador. A orientação para lidar com estas mensagens era clara: a menos que contivessem ofensas pessoais, calúnia ou difamação, as críticas eram todas publicadas. Valorizava-se o debate rico e construtivo.
Uma plataforma plural
Ao longo de seus 20 anos, o Observatório passou por momentos mais prósperos e outros nem tão prósperos. Mas sua equipe sempre lutou para que sua missão e sua essência não se apagassem. Na TVE, emissora pública, não tínhamos luxos e nos esforçávamos para que o programa fosse ao ar semanalmente. Lembro-me de um episódio engraçado: tínhamos apenas um dia por semana para as entrevistas externas. Todas eram marcadas para as quintas-feiras, quando um carro e um cinegrafista da emissora nos eram reservados. Certa vez, surgiu a oportunidade de uma entrevista com Luis Fernando Veríssimo. Ele estaria em um hotel no Rio de Janeiro e iria embora no dia seguinte. Aquela era a nossa chance. O único problema: era sexta-feira. Não tínhamos carro, cinegrafista ou repórter.
Nossa produtora, Zezé Sack – a praticidade em pessoa –, olhou para as duas estagiárias presentes na redação e não pensou duas vezes: lá iríamos nós entrevistar, sem supervisão, o Veríssimo. Conseguimos um amigo de alguém que tinha uma câmera e adorou o convite para passar a tarde como cinegrafista do Observatório. Não me recordo se conseguimos um carro de última hora ou se fomos de taxi. Imagino o que deve ter pensado o Veríssimo quando chegou para a entrevista e deu de cara com aqueles jovens universitários que se diziam do Observatório da Imprensa.
Enfim, controlamos o nervosismo, mantivemos a pose e fizemos a entrevista. Este jogo de cintura para encarar os imprevistos e as limitações sempre esteve presente na equipe. O Observatório da Imprensa existe – e persiste – em muito pela força de vontade. A de Alberto Dines e a de todos que fazem parte de sua história e acreditam na importância de uma plataforma plural e transparente de olho em nossa imprensa.
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Leticia Nunes é jornalista