Estamos vivendo uma crise, toda a mídia fala desta. Naturalmente que é papel da mídia falar sobre fenômenos como este, sobretudo quando se tem um desdobramento sobre a vida das pessoas no qual estas são profundamente afetadas pelo que está acontecendo. Mas, o que mais tem me chamado a atenção é a forma como a mídia tem abordado o tema. É lugar-comum ouvirmos no rádio, assistirmos na TV, lermos nos jornais escritos uma ênfase muito grande sobre o tema. Só que o tratamento é dado de maneira factual, pontual, ou seja, trata-se a crise de uma forma particular. Fala-se da crise do setor imobiliário, das instituições financeiras, das montadoras, das empresas de seguros, da construção civil; chega-se a cogitar e fazer inferências sobre quais países terão condições de sair primeiro da crise etc. E, todo este trato dado única e exclusivamente a partir de clichês, sem nenhuma reflexão teórica e ideológica e sem uma análise profícua sobre o que veio à tona agora, mas que já é praxe do arquétipo capitalista.
Tem faltado à mídia fazer uma ontogênese e uma filogênese do fenômeno crise. Em suma: falta fazer uma rebuscada sobre a origem do fenômeno e tem faltado também uma análise mais acurada da crise a partir de uma dialética, de como um sistema (tese) se confronta com um universo humano que não tem como conviver com um modelo de produção que é o seu outro (antítese). Em síntese, o que a mídia tem feito com certa maestria é tratar da natureza da crise, e, não da crise de natureza do sistema do capital.
Sem perspectivas de saída
Tem se equiparado a crise atual com a de 1929-1933, esquecendo-se que aquela foi uma crise cíclica, de um ciclo do capital, e esta é uma crise estrutural, toda a estrutura global está em crise. Devendo a isto, em parte, ao fato de o avanço do capital ter chegado a uma escala global e, chegando a esta esfera, é claro que todas as contradições vêm a tona tanto territorialmente como a nível de objeto. O objeto capital em sua essência está em crise. Ninguém, até agora, no interior da mídia, teve a audácia e a coragem de dar umas cutucadinhas nos figurões que fazem a apologia do ‘deus mercado’, da teologia protestante da prosperidade, dos defensores da ‘mão invisível’ do mercado. Ninguém provocou o Fukuyama perguntando para ele se realmente a história haveria chegado ao fim.
Mas, deixemos as provocações de lado e vejamos quatro fatores basilares que, segundo IstvánMézáros, caracterizam a atualidade da crise. São eles: primeiro, seu caráter universal, em lugar de uma esfera restrita (por exemplo, financeira ou comercial, ou afetando este ou aquele ramo particular de produção, aplicando-se a este ou aquele tipo de trabalho, com sua gama específica de habilidades e graus de produtividade etc.); segundo, seu alcance verdadeiramente global (no seu sentido mais literal e ameaçador do termo) em lugar de um conjunto particular de países (como foram todas as principais crises do passado); terceiro, sua escala de tempo extensa, contínua, se preferir, permanente, em lugar de limitada e cíclica, como foram todas as crises anteriores; quarto, em contraste com as erupções e os colapsos mais espetaculares e dramáticos do passado, seu modo de se desdobrar poderia ser chamado de rastejante.
Como se percebe, as crises atuais são como ‘fogo de monturo’, não acontecem de forma espalhafatosa, mas de uma forma mais discreta. Por que isto ocorre? Porque os meios de comunicação de massa capitalista são os menos democráticos e transparentes de toda história humana, porque estão orientados a ocultar a realidade contraditória. Mas, apesar deles, uma explosão assustou o mundo no final de 2008 e início de 2009, sem perspectivas de saída brevemente. Neste momento, não teve como manter a crise sob sigilo.
Mistificação ideológica
(MÉSZÁROS: 796): ‘Aqui temos que nos concentrar em alguns componentes da crise em andamento. Se, no período pós-guerra, tornou-se embaraçosamente antiquado falar de crise capitalista – mais outro sinal da postura defensiva do movimento do trabalho – isso foi devido não apenas à operação prática bem sucedida da maquinaria que desloca (por difundir e por retirar a espoleta explosiva) as próprias contradições.’
O que se verificou no pós-guerra foi uma ofensiva midiática e por meio dos meios intelectuais da educação em maquinar um ‘deus mercado’. Para forjar uma falsa consciência de que tudo que representava a esquerda e/ou o Estado era maléfico. Tudo que representava a esquerda era pintado como demoníaco. O debate ideológico foi subtraído à inexistência, tudo operou sob a cartilha do laissez faire e da ditadura do mercado. Neste cenário, se mistifica a ideologia capitalista como forma única e o fim do debate ideológico.
(MÉSZÁROS: 796): ‘Foi também devido à mistificação ideológica (do fim da ideologia ao triunfo do capitalismo organizado e á integração da classe trabalhadora etc.) que apresentou o mecanismo de deslocamento sob o disfarce de remédio estrutural e solução permanente.’
A farsa caiu por terra
Naturalmente, que no momento atual não tem mais como ocultar a crise. Todo o edifício do disfarce para que a crise não aparecesse e não fizesse muito alarde, acabou por ruir, e a crise bate à porta do capital. (MÉSZÁROS: 796): ‘Naturalmente, quando já não é mais possível ocultar as manifestações da crise, a mesma mistificação ideológica que ontem anunciava a solução final de todos os problemas sociais hoje atribui o seu reaparecimento a fatores puramente tecnológicos’.
O que se ver é, mais uma vez, a ideologia do capital negar a sua crise estrutural tentando encontrar subterfúgios e válvulas de escape. O bode expiatório da vez é o fator tecnológico. Mas, como se diz na gíria policial, ‘a casa caiu’ e, como se diz no jargão formal, a farsa ‘caiu por terra’, assumamos e vamos para o debate ideológico. Não adianta mais ‘tampar o sol com uma peneira’.
Filósofo e educador; graduado em filosofia pela Universidade Católica de Goiás, com pós-graduação pela mesma IES
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Professor, Adustina, BA