As portas do inferno das explicações estapafúrdias sempre estiveram abertas quando o assunto é política. Depois que alguém lembrou (corretamente) que impeachment não é só um julgamento jurídico, mas político também, as portas abriram um bocado a mais. O predicado deixou de existir, o sujeito virou a ação em si e o motivo central deixou de importar. Aliás, parece que nunca importou.
Portanto, nada mais natural ouvirmos quase quatrocentas vezes, daqueles que nos representam na Câmara dos Deputados, “pelo meu pai”, “pela minha mãe”, “pelos meus filhos”, “por deus”. Só o diabo não precisou ser lembrado, dizem as más línguas, pois presidia a sessão.
Agora no Senado, mais explicações. Num outro nível, claro, mas de pouca efetividade diante do caráter exclusivamente político em que se transformou esse processo, com pouco espaço para a prevalência da razão, ambiente propício para que razões pessoais se sobreponham, espúrias ou não.
Em recente artigo publicado em seu próprio portal e no Correio Braziliense , o senador Cristovam Buarque, do PPS, com o peso que a autoridade lhe dá para participar e decidir sobre o processo de afastamento da presidenta da República, e que já há muito se declarou a favor da abertura do processo de impeachment no Senado, diz estar agoniado e elenca diversos motivos para tal.
Os motivos da agonia
Um olhar mais atento aos seus motivos possibilita ver, com preocupação, que mesmo políticos mais progressistas tem dificuldades em vislumbrarem que o que se desenha à sua frente é um cenário de articulação para uma volta ao passado, devido ao caráter retrógrado dos setores e agentes políticos que se colocam como ponta-de-lança para corrigir as falhas da política atual.
Cristovam Buarque se diz agoniado. Pelo desemprego atual, não pela terceirização e um futuro provável de perda de direitos trabalhistas. Pela economia parada, não pelo projeto neoliberal a ser adotado com restrições econômicas ainda mais violentas, afetando sobretudo os mais pobres. Pelos hospitais, não pelo projeto de privatização do SUS desenhado pelo PMDB. Pela falta de assistência aos mais pobres, não pela intenção de um futuro governo em acabar com os parcos projetos sociais de hoje. Pelos bolsistas universitários sem o apoio prometido, não pelo projeto que quer restringir ainda mais os repasses de apoio ao ensino superior, acelerando o desmantelamento da universidade pública e sua gratuidade. Por Cunha ser presidente da Câmara dos Deputados, não pelo fortalecimento político que o processo de impeachment, como vem sendo desenhado, deu a ele mesmo diante de seu afastamento pelo STF. Com os desvios na Petrobrás, não pela evidente intenção política de entregar o controle do seu patrimônio ao capital estrangeiro. Com a ciência e tecnologia, mas ignora o sinal de gravidade quando um pastor passa a ser seriamente sondado para assumir esse ministério. Por fim, agoniado por romper com 53 milhões de votos num processo democrático, parecendo ignorar outro 1 milhão e meio, já que o pleito vencedor teve com 54.501.118 votos.
Com uma miopia dessas, é para ficar agoniado mesmo.
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Alexandre Marini é sociólogo e professor