A difusão da invenção do motor a vapor, desde James Watt e Robert Fulton, propiciou o sonho de mover grandes embarcações sem depender dos ventos. Fabricantes de veleiros buscaram manter-se no mercado aumentando as dimensões das velas para ganhar velocidade e adaptando motores a vapor acoplados a duas rodas de pás laterais para contornar as calmarias.
Essas adaptações, no entanto, não foram capazes de impedir o avanço dos transatlânticos a vapor que trouxeram novos hábitos e usos pela segurança, força, capacidade de carga e passageiros, não dependência de ventos, refrigeração para conservação de viveres entre outras modernidades para época.
Jornais impressos pelo mundo todo vêm tentando fazer adaptações com sites, blogs, paywall e outros movimentos na tentativa de reter os avanços do digital. No entanto experts em todo mundo preveem que a tecnologia digital deverá dominar o futuro da informação, levando a extinção das edições impressas, notadamente pelos custos de impressão e distribuição, relativamente elevados quando comparados aos custos de produção e distribuição digitais.
Cenário atual do mercado de mídia impressa na América Latina: a partir de uma projeção do mercado editorial brasileiro, podemos supor, por analogia, que na América Latina o consumo de conteúdo editorial dos jornais já ultrapassa 50% em tabletes e smartphones, quando considerados todos os canais, inclusive as edições impressas. Este fato modifica radicalmente a relação com leitores e anunciantes, na migração do papel para digital.
Abordagens sobre a sobrevivência do produto jornal impresso diante do avanço do mundo digital, como o percentual acima demonstra, foi tema exaustivamente considerado nas pautas em todos os fóruns da indústria editorial na região, nas últimas décadas do século passado. Havia uma tentativa coletiva de buscar uma reação urgente, naquela época, que se iniciou pelas reformas editoriais e gráficas dos produtos.
Com essas reformas gráficas e editoriais, os jornais procuravam adaptar-se aos novos tempos, atropelados que foram pelas novas práticas de consumo de conteúdo editorial digital. A partir do final século 20 em diante, houve uma proliferação de revistas com diversas linhas editoriais, cada vez mais segmentadas para se atingir públicos cada vez mais específicos, com o intuito de atrair anunciantes que buscavam nichos de mercado para seus produtos. Nesse rastro de segmentação de audiência, os jornais lançaram os cadernos temáticos que conseguiram trazer muitos anunciantes de volta ao segmento.
No início do século 21 com o desenvolvimento da Internet, blogs e aumento do número de publicações online, além de conteúdo espontâneo gerado por pessoas enviando imagens e comentários através da mídia social, a mídia tradicional se fragmentou mais ainda, e tudo ficou disponível através das ferramentas de busca, permitindo aos leitores escolherem com quais canais de comunicação se sentiam mais confortáveis, sem desembolsos na sua maioria.
Apesar desse avanço inexorável do digital com sua imensa disponibilidade de conteúdo, todas as adaptações que foram feitas para se evitar a extinção das edições impressas, continuarão em sua evolução, modificando comportamentos e formas de interação, do mesmo modo como os navios a vapor foram substituídos pelos aviões para um transporte mais rápido de passageiros e carga, porém até hoje, os grandes transatlânticos se mantiveram presentes nos segmentos de carga e passeio.
- Exceções sempre ocorrem e a relação com os avanços tecnológicos que tem também suas frustações nas avaliações e projeções. Muitos acreditaram que os livros impressos seriam extintos pelo Kindle, há cerca de 10 anos, no entanto os números mostram que a publicação de livros aumentou mesmo com o avanço do mundo digital, inclusive entre os mais jovens, pois a comodidade de leitura impressa no caso mostrou-se inquestionável.
No entanto, considerando-se verdadeira essa percepção de mudança crescente na forma de obtenção da informação pelos leitores de jornais, essas trazem impactos nas receitas de publicidade decorrentes, algumas reflexões são inevitáveis:
- Os meios de comunicação de massa, onde se incluem os jornais e revistas impressos, pode-se afirmar que esses têm como modelo de negócio criar audiência e na sequencia vender essa audiência ao mercado anunciante.
Na prática, como sabemos, os jornais impressos lidam com dois segmentos de mercado leitores (audiência) e anunciantes (compradores dessa audiência), sendo desse segundo grupo sua sobrevivência financeira e lucro.
Os leitores nesse cenário do impresso têm sido fidelizados a partir da credibilidade adquirida pelo esforço editorial. A credibilidade e a exatidão da informação são requisitos fundamentais para que leitores criem laços emocionais com o veículo, pois uma notícia em si pode chegar das mais variadas formas – Whatsapp ou Twitter –, por exemplo, porém é no jornal que buscam a confirmação e explicação mais detalhada para uma interpretação mais sólida para sustentar uma formação de opinião, a partir dos fatos veiculados.
Em outras palavras, uma audiência cativa e fiel à qualidade editorial percebida, sempre proverá maior sustentabilidade em longo prazo, muito mais do que ‘furos’ de reportagem, que fazem as pessoas correrem as bancas de jornal circunstancialmente motivadas.
Ainda, do ponto de vista do uso da informação digital, quando se avalia o impacto nos Meios de Comunicação de Massa observam-se duas vertentes ou grupos com resultados distintos:
Nos meios eletrônicos – TV e rádio – o avanço da internet contribui positivamente aumentando a audiência, sem canibalizar a receita de publicidade, ou seja, não importa se um programa é visto numa TV digital ou num smartfone/tablet, isso não altera o resultado financeiro e soma audiência.
No caso jornais impressos a visualização do conteúdo na internet gratuitamente – sites – não soma isoladamente para aumentar circulação e canibaliza as receitas publicitárias.
As receitas obtidas no digital (banners), no modelo de sites não cobrem as perdas de receita do impresso. Assim os sites canibalizam o impresso e reduzem a rentabilidade global, em muitos casos utilizando informações geradas pelo o impresso, logo sem custo para obtê-las
O futuro
Como uma consequência do avanço do mundo digital, eis que surge mais uma variável nessa equação entre a audiência que gera receita publicitária e o engajamento de leitores para garantir sustentabilidade, que poderá mudar tudo nos próximos anos: o oceano de dados do Big Data.
A quantidade de informação que foi produzida em menos de 20 anos de internet já supera tudo que a humanidade acumulou de dados desde a invenção da escrita, e pior, a curva acumulada de informação no futuro se apresenta como uma exponencial sem limites a olho nu.
Voltando à analogia com os meios de transporte, é como se precisássemos inventar rapidamente um novo meio de comunicação que será necessário para atravessar distâncias ainda maiores sem se afogar em tantos dados.
“O Big Data oferece a capacidade de entender com maior profundidade o mercado leitor a partir da interpretação de hábitos de leitura e navegação, chegando até ao nível individual de preferências e não mais a partir de amostras coletadas em pesquisas de opinião ou pela quantidade de páginas visitadas apresentadas pelo Google Analytics”, conforme declarou Mauro Negrão, CEO da Datawise durante sua palestra no Encontro do Mercado Leitor 2015 em São Paulo.
No mercado editorial pelo mundo, já existem empresas como Taboola e Outbrain que ajudam editores a entender melhor seu público leitor através dessas análises de dados, como foi publicado por Mário Garcia no seu blog em 17 de março de 2016, além de iniciativas como no Financial Times, que criou um dashboard de dados de leitores (lantern) para apoiar os editores a entender melhor como engajar os leitores através de conteúdo mais apropriado, no lugar de simplesmente acompanhar dados de audiência a partir das páginas mais visitadas:
“The Financial Times’ launch of lantern will provide journalists with data about how readers engage with stories, as opposed to relying on page views. Lantern will also allow for editors to get data on such areas as depth of scroll, time spent on page, traffic source, and device breakdown” – Fonte:http://garciamedia.com/blog/what_the_audience_wants_predicting_it_measuring_it_offering_it
No Brasil, há alguns anos que o Big Data já é uma realidade em segmentos de mercado como grande varejo, shoppings, telecomunicações e bancos, pois já existem ‘cientistas de dados’ que se reúnem em equipes multidisciplinares nas corporações, ou se incorporam à grandes agências, como também serviços de inteligência analítica são oferecidos por empresas especializadas em Data Driven Marketing como Datawise Marketing (www.datawisemarketing.com.br) que veem desenvolvendo modelos matemáticos que são aplicados na modelagem de múltiplas fontes de dados estruturados e não estruturados, que permitem prever com mais exatidão do que a pura intuição, qual seria, por exemplo, a próxima compra mais provável por tipo de consumidor, também segmentar pessoas em grupos homogêneos – clusters – a partir de hábitos em comum e até calcular o risco de crédito de cada cidadão, inclusive explicitar os fatores correlacionados à propensão ao cancelamento de uma assinatura, tudo isso servindo estrategicamente para que a empresa possa escolher as melhores abordagens por segmento, como também para tomar medidas preventivas, além de decisões táticas bem mais fundamentadas ou até manter o consumidor cada vez mais fidelizado através de sugestões relevantes usando uma comunicação 100% personalizada.
“Chamamos tudo isso de actionable insights, é como usar toda a inteligência capacitada pela experiência empírica que é acumulada após vários anos em marketing de massa e marketing digital, para interpretar os resultados obtidos com o Big Data e colocar em prática algumas boas ideias que surgem a partir de descobertas e ‘grandes sacadas’ inspiradas nos resultados e nas correlações encontradas pelos algoritmos estatísticos que são exaustivamente aplicados em imensas bases de dados de comportamento” – como declarou Mauro Negrão numa conversa após o evento.
Grandes Dados
Entender melhor as necessidades e características do mercado leitor para assumir uma atitude mais corajosa de reinventar o jornal de dentro para fora, usando o Big Data como fonte de inspiração:
- Criando um novo tipo de veículo que conduza os leitores com base em personalização da informação, levando cada indivíduo para onde e como deseja ir, de veleiro, navio ou avião, não importa, pois, a vantagem será percebida não pela velocidade e quantidade de carga, mas pela capacidade de entender que tipo de conteúdo deixará o passageiro mais satisfeito e engajado na leitura durante a travessia.
O desafio, sabemos, continua sendo como manter o faturamento perdido do impresso com essa migração para plataformas digitais, até que se torne rentável.
É possível, de imediato, aprofundar o relacionamento através de maior engajamento com a base de leitores virtuais, mas ainda não se deslumbra a manutenção da rentabilidade nos níveis históricos de forma permanente do impresso.
Esse será o grande, permanente e próximo desafio deste século. Muito obrigado.
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Luiz Caldeyra é economista com MBA Executivo em Gestão.