Ao invés de surrar a imprensa, chamando-a de desonesta, Donald Trump deveria ficar de joelhos e agradecer a ela, de acordo com um novo estudo sobre a cobertura das eleições norte-americanas feito pela Universidade de Harvard.
Os jornalistas foram “negligentes ao não perceberem que eram eles, e não o eleitorado”, o alvo de Donald Trump durante as chamadas “primárias invisíveis” que levaram à coleta dos primeiros votos nos estados de New Hampshire e Iowa, segundo o estudo.
O texto, que parece um tanto estreito em termos de foco, embora amplo, e possivelmente correto, na condenação da cobertura, foi revelado na segunda-feira (13/06).
O texto mantém que o período de um ano que antecedeu os votos iniciais divergiu do precedente quando aborda “dois indicadores básicos da cobertura jornalística que poderiam ter previsto a pesada cobertura de Trump”. Em primeiro lugar, há a posição de um candidato nas pesquisas. Em segundo lugar, há a capacidade de levantar dinheiro, o que tende a ser interpretado pelos jornalistas e pelo establishment político como uma métrica de força intrínseca e potencial.
Nenhum desses indicadores explica a cobertura de Trump, segundo o relatório: Quando sua cobertura pelos jornais começou a subir, ele não estava bem colocado nas pesquisas preliminares e quase não tinha levantado dinheiro. Ao entrar na corrida, ele ocupava uma posição mais forte no noticiário do que nas pesquisas. Quando terminou a primária invisível, ele estava suficientemente forte nas pesquisas para desfrutar da cobertura que se espera de um favorito. Mas ele foi içado a essa altura por uma quantidade sem precedentes de jornais independentes.
Metodologia abrange oito organizações
Então, o estudo faz a pergunta incontestavelmente retórica: qual foi o fascínio de Trump para a imprensa? E a resposta: “Os jornalistas são atraídos ao novo, ao incomum, ao sensacional – o tipo de material de reportagem que conquista e segura a atenção da audiência. Trump encaixou-se nessa necessidade como nenhum outro candidato dos anos mais recentes. Trump é o primeiro candidato a presidente genuinamente criado pela mídia. Embora posteriormente ele tenha dado uma contribuição política, foram os jornalistas que alimentaram o seu lançamento.”
Numa conclusão que, com certeza, será questionada por alguns repórteres, o estudo afirma que os jornalistas “pareceram negligentes ao não perceberem que eram eles, e não o eleitorado, a primeira audiência de Trump. Trump explorou seu apetite por matérias fascinantes. Não tinha outra opção. Não tinha uma base eleitoral nem uma reivindicação a credenciais para a presidência.”
A ideia da ausência de uma base eleitoral também pode inspirar alguns escrúpulos entre os repórteres. Deles podem afirmar, ainda que com alguma imprevidência, que havia uma base numa nação ansiosa por celebridades, principalmente entre os trabalhadores brancos, que apontam injustiças econômicas variadas e são carregados para a posição anti-establishment de Trump.
Poderia dizer-se que o estudo da Universidade de Harvard faz um trabalho enviesado em sua metodologia. Ele avalia o período que antecedeu as primárias por meio de matérias de oito organizações: a CBS, a Fox, o Los Angeles Times, a NBC, o New York Times, o USA Today, o Wall Street Journal e o Washington Post.
As caracterizações negativas de Hillary Clinton
Portanto, não há um desmembramento da cobertura jornalística da campanha, que se expandiu de maneira dramática, nas redes sociais, e ainda com o uso empolado, prolífico e aparentemente eficiente que Trump faz dela. Também, nenhum dos novos geradores de notícias digitais é criticado. Mas a ausência, no estudo, de uma análise dos noticiarios na TV fechada parece particularmente infeliz, uma vez que a universidade se resume a apresentar o caso como o de uma cobertura negligente. Muitos repórteres, principalmente do lado dos impressos, podem apontar o dedo para os noticiários na TV a cabo por terem dado a Trump um tempo exagerado e por terem sido, muitas vezes, acríticos.
Mas o texto procura antecipar-se à reação de alguns jornalistas às críticas de que teriam “alimentado o vagão de Trump”. Em primeiro lugar, rejeita a ideia de que os repórteres estivessem num “módulo investigativo” e que a cobertura jornalística com notícias ruins sobre Trump superou as boas. Em segundo lugar, ridiculariza a alegação de que as redes de notícias a cabo estavam a serviço de Trump via uma cobertura ilegítima, enquanto outras foram mais moderadas.
Os dados do estudo concluem que a cobertura de Trump foi “favorável em todos os veículos jornalísticos que estudamos. Ocorreram diferenças entre um veículo e outro, mas a variação foi relativamente pequena, de 63% de opiniões positivas ou neutras no New York Times a 74% positivas ou neutras no USA Today. No geral de todos os veículos, a cobertura de Trump foi, aproximadamente, favorável por dois a um”.
Do lado democrata, o estudo não adota a ideia de que Bernie Sanders foi, durante muito tempo, um candidato essencialmente esquecido (pela mídia). Considera que, após uma cobertura inicial previsivelmente modesta e sua caracterização como imprevisível, a cobertura cresceu numa “tonalidade” mais positiva do que a de Hillary Clinton.
O estudo termina com observações ao que considera “metanarrativas”, ou matérias genéricas sobre os candidatos, que vieram à tona no período das pré-primárias. Se as metanarrativas que surgiram durante a primária invisível de 2016 irão ou não persistir, é uma pergunta ainda não respondida, mas os contornos dessas narrativas iniciais foram inconfundíveis, ainda segundo o trabalho da Harvard.
Trump foi um “valentão sarcástico, metido a fanfarrão, com comentários insultuosos e ultrajantes” que, supostamente, atingiria as frustrações dos eleitores brancos de classe média ou baixa. Hillary Clinton foi “a candidata mais bem preparada para a presidência em decorrência de sua experiência e conhecimento detalhado de questões políticas”. Onde ela ficou devendo foi em como essa caracterização entrava em choque com a percepção de “que era uma pessoa difícil de se gostar, calculista e pouco confiável”.
O estudo da cobertura da campanha em 2016 não foi o primeiro e seguramente não será o último, uma vez que a disputa – principalmente a ascensão de Donald Trump – será uma festa para analistas e acadêmicos ainda por vários anos.
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James Warren é jornalista