Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quem está disposto a colaborar com o jornalismo cotidiano?

Brasileiros estão entre os mais engajados online, mas experiência do Coletivo Blumenau aponta dificuldades quando a pauta esfria. Embora venha sendo debatida há quase 20 anos no mercado profissional e na academia em diversos países, a participação direta do público na produção de notícias ainda está longe de se consolidar.

No início deste século houve um momento de deslumbramento com as possibilidades oferecidas pela Web 2.0, estimulado pela constatação de Dan Gillmor de que o público reunido tem mais informações que um jornalista profissional. Desde então foi possível observar acontecimentos-chave em que o público protagonizou a cobertura jornalística, em parceria com jornalistas e veículos ou mesmo sem a mediação de profissionais.

Após os atentados terroristas nos Estados Unidos em 2001, caiu em desuso a expressão “imagens cedidas por um cinegrafista amador”, comum nos créditos que as redes de televisão davam ao material produzido por não profissionais. O número de vídeos do ataque ao World Trade Center produzidos pedestres era tão grande que seria necessário manter a frase na tela o tempo todo.

Três anos mais tarde, na Indonésia, imagens registradas com câmeras portáteis relevaram ao mundo, de diversos ângulos, o horror de um tsunami que matou centenas de milhares. Em 2005, o furacão Katrina varreu Nova Orleans e despertou uma energia informativa e solidária que encontrou terreno fértil na internet.

No Brasil, a participação de cidadãos no ecossistema jornalístico eclode no desastre climático de 2008 em Santa Catarina, quando mais de 130 pessoas morreram soterradas por deslizamentos ou afogadas nas enchentes e enxurradas. Vídeos publicados no YouTube ganharam milhares de visualizações e foram parar no Jornal Nacional. O blog Allesblau (tudo azul, em alemão) reuniu cidadãos de Blumenau dispostos a ajudar e se transformou num importante veículo de prestação de serviço e troca de informações.

Acontecimentos políticos relevantes também vêm sendo acompanhados de modo inovador com o auxílio das mídias sociais e do jornalismo colaborativo. Os protestos após a eleição iraniana de 2009, a Primavera Árabe, a partir de 2011, e a onda de manifestações de junho de 2013 no Brasil seguiram a mesma tendência.

Colaboração para além do factual

Desastres naturais e eventos políticos de grande magnitude provaram a oportunidade de mobilização proporcionada por mídias sociais digitais, mas também embaralharam limites e desafios que a produção coletiva de notícias suscita. Por serem instantâneos e de grande repercussão, acontecimentos assim mobilizam os cidadãos e geram enorme volume de conteúdo – que ganha cada vez mais espaço na cobertura tradicional. O que esses episódios encobrem é o monumental desafio de engajar os usuários na cobertura jornalística cotidiana, quando os fatos interferem indiretamente ou interferem com menor ênfase na rotina dos cidadãos.

No Coletivo Blumenau, iniciativa de jornalistas catarinenses que deu origem a uma startup [1] e que vem sendo acompanhada por este Observatório, a dificuldade surgiu tão logo a crise no transporte público de Blumenau amainou. Usuários incomodados com atrasos, ônibus lotados e quebrados reduziram a frequência das contribuições assim que o serviço melhorou – ainda que muitos dos problemas persistam, quase cinco meses depois. Outra dificuldade foi diversificar a pauta do grupo colaborativo. Em geral, os usuários compreendiam o espaço como exclusivo para se debater o tema transporte coletivo.

Um aprendizado importante que o projeto gerou nesses primeiros meses é de que quando a poeira baixa e a pauta esfria, em geral as pessoas só são pró-ativas na colaboração se têm envolvimento direto com o tema e portanto se sentem mais seguras para informar e opinar.

Exemplo recente e que gerou bons resultados foi a reportagem para denunciar a situação das calçadas de Blumenau: em um mês mais de 100 fotografias de diversos pontos da cidade foram compartilhadas por quase 40 usuários. Como todos são em algum momento pedestres, mais pessoas se sentiram envolvidas. Ainda assim, os números são pouco relevantes se levarmos em conta que o grupo no Facebook conta com quase 2,4 mil integrantes.

Brasileiros entre os mais engajados

No recém-divulgado Digital News Report, do Reuters Institute, os brasileiros aparecem em segundo lugar, atrás dos turcos, dentre os que mais se engajam na produção de notícias. Seis em cada 10 entrevistados disseram ser participantes ativos. Em todos os países pesquisados vem crescendo o percentual de consumidores que já compartilharam conteúdo jornalístico via mídias sociais ou postaram comentários.

A estatística leva a crer que a matéria-prima do jornalismo colaborativo crescerá nos próximos anos e que, com o volume de informação disponível nas redes em curva ascendente, alguém terá de cuidar de sua organização, hierarquização e contextualização. Porém, até onde foi possível observar na experiência do Coletivo Blumenau (e no grande número de iniciativas colaborativas mundo afora que morrem pouco tempo depois de nascer), ainda há um longo caminho a ser trilhado no desenvolvimento de modelos que permitam aos jornalistas conhecer melhor as comunidades de colaboradores e acessar seus conhecimentos quando necessário.

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Evandro de Assis é jornalista e mestrando no POSJOR/UFSC

[1] Hiperlink para o primeiro texto: https://www.observatoriodaimprensa.com.br/tendencias-no-jornalismo/jornalismo-de-solucoes-para-a-crise-no-transporte-urbano/.