Londres, Paris, Roma, Berlim, Praga, Moscou, Nova York, Washington, Miami, Chicago, Jerusalém, Pequim, Buenos Aires e Tóquio. A exaustiva lista de cidades espalhadas por todo o mundo representava, em 1991, a rede de correspondentes internacionais da Folha.
O jornal tem tradição em valorizar postos no exterior. Foi o primeiro brasileiro a enviar, em 1988, um correspondente para acompanhar as reformas feitas na desaparecida URSS. Em 2011, foi o primeiro a ter um jornalista em Teerã (Irã).
A rede murchou. Sucumbiu ante os altos custos em moeda forte e a evolução tecnológica que trouxe acesso instantâneo à notícia em qualquer lugar do mundo.
A Folha não possui hoje nenhum jornalista contratado baseado no continente europeu. Dispõe de apenas quatro correspondentes, sendo dois deles bolsistas: nos EUA (Washington e Nova York) e na América Latina (Buenos Aires e Caracas). Usa extensa lista de colaboradores em várias cidades, com diferentes tipos de vínculo com o jornal.
A crise não é só brasileira, nem só da Folha. Grandes jornais americanos reduziram à metade seus escritórios de trabalho no exterior.
O olhar próprio em terra estrangeira dá força e originalidade ao relato jornalístico. Nada substitui a presença de um profissional nos grandes (e pequenos) acontecimentos.
“Ninguém pode se equiparar a um jornalista do veículo, que conhece bem o seu público e a cultura nacional e tem experiência ampla dos fatos do país onde trabalha. Não há mídia social, agência, TV, stringer que possa fazer isso”, resume Carlos Eduardo Lins da Silva, que foi ombudsman e correspondente da Folha em Washington.
Em tempos de hiperinformação, o jornal tem de fazer o papel de curador das notícias que veículos estrangeiros de qualidade publicam. Mas não deve abrir mão de ângulos, enfoques e informações próprias que interessem ao seu leitor. Reforça seu vínculo direto com ele.
O surpreendente e histórico resultado do plebiscito no Reino Unido, que decidiu por deixar a União Europeia, foi coberto na Folha e em “O Globo” por colaboradores residentes em Londres. “O Estado de S. Paulo” relatou os fatos a partir de Paris.
Não seria um solitário correspondente brasileiro que rivalizaria com agências internacionais e dos grandes jornais britânicos como “Guardian” e “Financial Times”. Ele poderia, porém, construir narrativa própria, diferenciada, criativa e calibrada para o leitor brasileiro.
As páginas publicadas no Brasil sobre o plebiscito foram exemplares da timidez jornalística provocada pela ausência de um corpo regular e experiente de correspondentes.
Não bastasse isso, a Primeira Página de sexta (24) cometeu um dos pecados básicos do jornalismo: acreditar que algo vai acontecer, antes de acontecer. Chamada na capa da edição concluída às 21h, afirmava: “Permanência na UE deve vencer no Reino Unido”. Mais prudente, o título da página interna destacava a participação recorde e relativizava a importância da pesquisa.
O leitor da Folha foi privado de questões básicas: o que a decisão significa para os milhares de brasileiros que lá vivem? O que muda para o Brasil em termos diplomáticos, políticos e econômicos?
Mais de 135 mil brasileiros vivem nos países pertencentes ao Reino Unido, segundo o departamento de imigração. Mais da metade está em situação irregular, acompanhando o aumento da xenofobia e da restrição da imigração, causas apontadas como impulsionadoras do “Brexit”.
Um título na versão digital na tarde de sexta (24) chamava para texto que mostraria “como a decisão afeta os brasileiros que vivem no Reino Unido”. A reportagem tinha origem na seção brasileira da BBC.
Por que então o leitor considerará a Folha imprescindível? Se é para reproduzir jornais estrangeiros, não ficará mais bem informado se for direto à fonte?
A editora de “Mundo”, Luciana Coelho, reconhece que “o correspondente faz muita falta, já que ele vai ter um olhar mas afeito ao que interessa para o leitor brasileiro do que uma agência internacional ou um jornal local.” Avalia que, “apesar das contingências, a Folha tem sido o jornal que mais preza a produção própria na cobertura internacional”.
A redação em São Paulo tem hoje vários ex-correspondentes. Isso enriquece o debate jornalístico, permite a realização de reportagens à distância, dá fôlego para textos de apoio. Não substitui o relato in loco.
O maior jornal do Brasil não pode voltar as costas para a Europa. O exemplo do “Brexit” foi só o mais recente. O mal já se percebia durante os atentados terroristas a Paris, para citar outro exemplo.
“Por que as pessoas vão aos jornais? Porque temos repórteres”, afirmou o editor-executivo da Folha, Sérgio Dávila, no 11º congresso da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). Dado o quadro atual, em breve parece que não haverá nenhum lá fora.