Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Usinas acabam com deficit energético, mas impacto socioambiental ainda é incógnita

Desde sua fundação, em 1907, que a história de Porto Velho se confunde com mega projetos talhados para conquistar a selva amazônica. Erguida na margem leste do rio Madeira, a cidade nasceu para abrigar a Madeira-Mamoré Railway Company, empresa do engenheiro americano Percival Farquhar responsável por construir a estrada de ferro de mesmo nome. O projeto era uma encomenda do governo brasileiro para cumprir um acordo com a Bolívia. Hoje em ruínas, a Madeira-Mamoré chegou a ser conhecida como a “ferrovia do diabo,” consumindo a vida de milhares de trabalhadores, parte dos quais em regime de escravidão, vitimados pela fome e a malária.

Pouco mais de um século depois, Porto Velho sedia duas grandes usinas hidrelétricas: Jirau, com capacidade de geração de 3 750 megawatts e Santo Antônio, com 3 568 megawatts. Em 2017, quando ambas devem passar a operar à plena carga, deverão gerar energia suficiente para abastecer 20 milhões de residências. Estima-se que usinas também deverão render cerca de R$ 100 milhões ao ano para a cidade em royalties. Planejadas durante o segundo mandato do ex-presidente Lula e inauguradas no primeiro governo de Dilma Rousseff, elas se destacam em meio ao Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC.


Leia mais:

–  Prioritária, cobertura sobre impacto das cheias do rio Madeira reflui na seca;

A visão da usina de Santo Antônio;

A visão de Marcelo Freire, editor-chefe do Diário da Amazônia, líder em Porto Velho;

A visão de João Marques Dutra, representante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB);

A visão de Raphael Luis Pereira Bevilaqua,  procurador da República em Rondônia.


Por um lado, além de gerar mais impostos para o município e para Rondônia, através do recolhimento do ICMS, as usinas vieram para acabar com o déficit energértico do estado, e de parte da região norte, historicamente dependentes das caras e poluentes termelétricas. Parte da energia gerada abastecerá outras regiões do país. Mas por outro lado, as usinas levantam dúvidas sobre seu impacto socioambiental de forma ampla, e não apenas sobre os riscos advindos de grandes enchentes, que devem se tornar mais comuns em tempos de aquecimento global.

 

Raio X de Porto Velho
População (milhares) 503
IDHM* 0,736
IDHM Educação 0,638
IDHM Renda 0,764
Índice de Transparência 9,8
Fontes: IBGE, Estimativa em 2015 e Ranking da Transparência 2015 do Ministério Público Federal (MPF). O Índice de Desenvolvimento Municipal é considerado alto para o intervalo entre 0,7 e 0,799

 

As usinas também têm mexido com a economia da cidade e com a vida da população. Sua construção trouxe um ciclo de forte crescimento a Porto Velho, com a geração de cerca de 40 000 empregos diretos no pico das obras, no início da década. Desde 2014, em função do término da maior parte das obras, Santo Antônio e Jirau demitiram a maioria dos operários. Segundo o Diário da Amazônia, 80% do desemprego na cidade se concentra hoje no setor da construção civil.

Maior capital estadual em área, com seus 34 000 km2, Porto Velho é maior do que Israel. Com mais de meio milhão de habitantes, sua população alcança quase um terço da de Rondônia. O município reúne alguns alguns bons indicadores, sendo a capital brasileira com o quarto menor índice de pobreza e obtendo uma boa nota do Ministério Público Federal em termos de transparência. Por outro lado, exibe indicadores atrozes de saneamento. Segundo dados do Instituto Trata Brasil, em 2012 menos de 5% do esgoto produzido no município era tratado. Tamanha carência explica o alto índice de infestação do mosquito Aedes Aegypti, transmissor de doenças como dengue e zika. Os habitantes mais vulneráveis às doenças são também os que vivem às margens do rio. O risco aumenta em tempos de cheia.

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Diogo Magri, Fernanda Giacomassi e Victória Damasceno são alunos da disciplina de Ética, da Graduação em Jornalismo na Escola de Comunicações e Arte, da Universidade de São Paulo.