Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As reações ao relatório inglês que admitiu erro no apoio à Bush

Os meios de comunicação franceses interpretaram o Relatório Chilcot [o relatório é o resultado de um inquérito, presidido por sir John Chilcot, que se estendeu por sete anos e foi divulgado no dia 6 de julho] como uma justificativa macabra da oposição feita por Jacques Chirac [na época, presidente francês] à invasão do Iraque liderada pelos Estados Unidos. Um dos principais jornais franceses afirmou que o então primeiro-ministro da Grã-Bretanha, Anthony Blair, tinha entrado na guerra contra “a prudente e profética recomendação” do presidente francês.

Muitos comentaristas não hesitaram em fazer uma comparação entre a decisão de Blair, de 13 anos atrás, e a desconfiança nos políticos que, em parte, sugeriu o voto para a Grã-Bretanha sair da União Europeia, no mês passado.

A advertência de Jacques Chirac foi feita antes da invasão, em 2003: “A guerra é sempre o último recurso. É sempre uma demonstração de fracasso. É sempre a pior das soluções porque traz a morte e a miséria.” E disse que qualquer invasão do Iraque iria acabar sendo um pesadelo.

Anthony Bellanger, comentarista de política externa da France Inter radio, disse: “Vistas de Paris, as conclusões do Relatório Chilcot parecem uma vitória absoluta da versão francesa para esta saga.” Bellanger foi um entre muitos comentaristas franceses que vincularam o papel do primeiro-ministro Blair na crise do Iraque à desconfiança na classe política que levou ao Brexit. Também disse que o caos no Iraque desempenhara um papel na guerra da Síria, o que levara à fuga dos refugiados da região para a Europa, criando a atual crise. “Portanto, poderíamos dizer que o Brexit foi a mais recente, mas não a última, consequência de uma guerra iniciada em 2003 que teve por base a mentira de um presidente, George Bush, e de um primeiro-ministro, Tony Blair”, disse ele.

Um compincha de Bush

Num editorial intitulado “A maldição de Tony Blair”, o jornal Le Monde destaca, numa passagem, que Blair entrara na guerra contra “a prudente e profética recomendação de Jacques Chirac”. Também o Monde achou que a crise política criada com a guerra do Iraque havia contribuído para o voto Brexit. “O senhor Blair cometeu um erro enorme, que teve consequências desastrosas para os iraquianos e contribuiu consideravelmente para a perda de credibilidade de que atualmente goza a classe política”, escreveu o jornal.

“Nos Estados Unidos, assim como na Grã-Bretanha, a guerra do Iraque, mesmo antes da crise financeira de 2008, reduziu radicalmente a confiança que as pessoas tinham nas instituições políticas – o que contribuiu para o voto Brexit. O senhor Blair não é responsável por tudo, mas teve participação integral em um dos maiores erros estratégicos desde a II Guerra Mundial.”

O embaixador francês nos Estados Unidos, Gérard Araud, enviou um tweet lembrando a todos como a França, difamada, à época, por não dar apoio à guerra no Iraque, tivera razão.

A imprensa espanhola destacou o papel desempenhado pelo primeiro-ministro conservador à época, José María Aznar, que dera apoio a Bush e Blair. Aznar contribuiu para os esforços no sentido de garantir uma segunda resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas e teve um encontro com Blair e Bush no arquipélago de Açores pouco antes da invasão. Posteriormente, enviou um contingente de 900 militares ao Iraque para “trabalho humanitário”.

El País escreveu: “O Relatório Chilcot contém inúmeras referências a Aznar. Mas apesar da famosa fotografia dele ao lado de Blair e de Bush no arquipélago de Açores, a Espanha não se destaca como tendo desempenhado um papel importante na tomada de decisões. Em vez disso, o ex-líder espanhol aparece como um compincha de Bush.”

O atual primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, do Partido Popular – mesmo partido de Aznar – recusou-se a fazer comentários sobre o Relatório Chilcot, limitando-se a dizer que os acontecimentos “ocorreram há 13 anos”.

Uma avaliação fria e precisa da decisão de Blair

Em Moscou, Gennady Gatilov, subministro de Relações Exteriores, disse que o embaixador russo em Londres lhe enviara um gráfico, na quarta-feira, dizendo: “Fique tranquilo, mas eu já o tinha avisado.” “Nós sempre soubemos disso”, disse Gatilov à agência de notícias Sputnik sobre as revelações de sir John Chilcot. “Mesmo durante a discussão dessa questão no Conselho de Segurança das Nações Unidas, era óbvio que eles tinham inventado fatos para convencer o Conselho que haviam pilhas de armas de destruição em massa no Iraque e, dessa maneira, conseguir a aprovação para a ação militar contra o regime de Saddam Hussein.”

Na Alemanha, Daniel Haufler, escrevendo para o Berliner Zeitung, disse que o relatório confirmava aquilo que os céticos sempre haviam dito: que a intervenção militar “não trouxe democracia e paz, e sim, um Estado falido, fome, caos e ausência de perspectivas”. E acrescentou: “A ditadura de Saddam Hussein foi trocada por uma entidade instável, grandes partes da qual foram conquistadas ou pelo menos vêm sendo oprimidas pela milícia terrorista Estado Islâmico. Tony Blair é cúmplice de tudo isso. Seria mais do que justo intimá-lo pela responsabilidade disso – assim como George W. Bush – diante de um tribunal internacional.”

Stefan Kornelius, do Süddeutsche Zeitung, escreveu: “Após treze anos, foi escrito o epitáfio de Blair, mesmo que não tenha uma pedra tumular. O Relatório Chilcot é uma avaliação fria e precisa da decisão do primeiro-ministro britânico de entrar na guerra e apresenta seu governo com provas calamitosas em relação ao seu profissionalismo e sua tomada de decisões.”

O jornal de economia italiano Il Sole 24 Ore disse que o relatório justificava aqueles que se haviam oposto ao conflito. “O inquérito confirma as suspeitas e as condenações que há tanto tempo vinham fazendo os grupos pacifistas, assim como todos os que se opunham à guerra. Porém, pela primeira vez, não se trata de uma opinião, e sim, de uma porção de fatos devidamente comprovados”, escreveu Leonardo Maisano, correspondente de Il Sole em Londres.

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Angelique Chrisafis, de Paris, Kate Connolly de Berlim, Rosie Scammell, de Roma e Shaun Walker, de Moscou, são correspondentes do Guardian