Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Paula Cesarino Costa

Faz dois anos e quatro meses que a operação Lava-Jato foi iniciada e chacoalhou o sistema político. Na Folha, um abre de página e uma chamada no pé da capa informavam o início da operação na edição de 18 de março de 2014: “Réu do mensalão é preso em operação da PF contra lavagem”.

Desde então, segundo o Ministério Público, ocorreram 166 prisões e 56 acordos de delação premiada, com os crimes já denunciados tendo envolvido o pagamento de R$ 6,4 bilhões em propinas.

A Lava Jato é a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro já realizada no Brasil. Na primeira instância, ocorreram 106 condenações, com as penas somadas atingindo quase 1.150 anos de prisão. No Supremo Tribunal Federal, que investiga os que tem direito a foro privilegiado, há 134 investigados, em 59 inquéritos.

Coube à Lava Jato popularizar o instrumento da colaboração premiada, o que concentra as críticas mais renhidas. Um grupo de advogados publicou em manifesto que “as prisões têm sido usadas para obter acordos de delação premiada, numa espécie de inquisição”.

Recentemente os jornais foram dominados por detalhes das chamadas pré-delações. Passaram da fase do “delator disse que…” para “a delação vai dizer que…”, a partir de vazamentos sobre negociações de delação em andamento.

O delator precisa dar informações novas aos investigadores para que tenha condição de negociar a redução de pena. Os investigadores estipulam condições mínimas para transformar, por exemplo, uma condenação em regime fechado em prisão domiciliar.

As reportagens sobre negociações de delações são de claro interesse público, mas correm sério risco de manipulação, de uma parte ou de outra. É jornalisticamente difícil defender a não publicação. Não há como jornalistas deixarem de acompanhar, investigar e divulgar o conteúdo do que está sendo negociado para uma delação ser obtida.

O problema é como as informações devem ser tratadas e, especialmente, como anunciadas em títulos. O jornal deve se preocupar em evitar simplificações condenatórias.

É essencial buscar linhas próprias de investigação dos crimes sugeridos e centrar o relato em casos com provas materiais. É preciso consistência no relato jornalístico, para que o leitor não enquadre acusações e as reportagens na categoria do “disse-me-disse”.

As duas mais esperadas delações premiadas desde o início da investigação estão sendo negociadas há meses: a de Marcelo Odebrecht, herdeiro do grupo Odebrecht, e a de Léo Pinheiro, do grupo OAS.

De acordo com jornais e revistas, nesse processo, Odebrecht disse ter discutido financiamento de campanha diretamente com a presidente Dilma Rousseff, que a empreiteira fez reforma no sítio de Atibaia usado pelo ex-presidente Lula e que o então governador Sérgio Cabral (PMDB) cobrou propina em obras como metrô e reforma do Maracanã. Prometeu ainda detalhar financiamentos de vários partidos.

Pinheiro envolveu o Lula (com pagamento de obras em sítio de Atibaia e tríplex no Guarujá), Dilma (no pagamento de dívidas da agência de publicidade Pepper) e o senador tucano Aécio Neves (suborno para auxiliares de 3% valor de obra), além de prometer lista d os políticos que receberam dinheiro não declarado.

É inegável o potencial explosivo, o que amplia os cuidados no tratamento do texto e na capacidade de estabelecer linhas próprias de investigação.

Entre conhecedores dos meandros da Lava Jato há quem veja chance razoável de os investigadores só aceitarem a delação de um dos dois empreiteiros. Um se beneficiará da colaboração; outro amargará integralmente com a pena dos crimes que cometeu.

Injustiças serão cometidas. Criminosos escaparão ou inocentes terão sido enlameados, sem chance de recuperação? Como se portará então a imprensa?

A discussão fundamental é a quem interessa os vazamentos e que papel os jornais devem assumir. Envolvidos na Lava Jato consideram muito difícil controlar tais informações.

O que parece evidente é que a divulgação ou vazamento do conteúdo das pré-delações faz parte de um jogo, que não tem regras claras. Envolve delatores, advogados e procuradores. Os textos precisam explicitar ao leitor os jogos de interesse das delações em negociação.

Os jornalistas trabalham em meio a tal turbulência, como transmissores para a opinião pública dessa tensão interna.