Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os “cara de santinho”

“O corrupto tem sempre a cara de quem diz: Não fui eu!” (Papa Francisco)

Em artigo recente, neste espaço, aludimos de passagem a uma frase do papa Francisco em que ele descreve o perfil do cidadão corrupto. Indagações de alguns leitores, interessados em se inteirarem de mais detalhes do pronunciamento, estimularam-nos a retornar ao assunto.

O jornalista italiano Andrea Tornielli, vaticanista, redator do La Stampa, é responsável pelo site Vatican Insider e colaborador de várias revistas internacionais. Escreveu a primeira biografia de Francisco, o grande estadista mundial providencialmente alçado ao cargo de Pontífice da Igreja Católica. O livro Francisco, a vida e as ideias do papa latino-americano foi traduzido para 16 idiomas.

Uma outra publicação, de autoria do mesmo jornalista, intitulada O nome de Deus é Misericórdia, nasceu de uma entrevista de Andrea com Francisco em julho do ano passado, poucos dias depois da visita papal ao Equador, Bolívia e Paraguai. A conversa girou em torno da “misericórdia de Deus”, classificada por Francisco como “a mensagem mais forte do Senhor.”

É do livro mencionado, de enriquecedora leitura, o substancioso trecho da fala de Francisco, referente à corrupção. Reveste-se de refulgente atualidade nestes tempos tumultuados de agora.

A máscara do corrupto

O papa com a palavra: “A corrupção não é um ato, mas uma condição, um estado pessoal e social, no qual a pessoa se habitua a viver. O corrupto está tão fechado e satisfeito em alimentar a sua autossuficiência que não se deixa questionar por nada nem por ninguém. Construiu uma autoestima que se baseia em atitudes fraudulentas: passa a vida buscando os atalhos do oportunismo, ao preço de sua própria dignidade e da dignidade dos outros. O corrupto tem sempre a cara de quem diz: ‘Não fui eu!’ Aquele que minha avó chamava ‘cara de santinho’.”

O corrupto é aquele que se indigna porque lhe roubam a carteira e se lamenta pela falta de policiais nas ruas, mas depois engana o Estado, sonegando impostos, e talvez demita os empregados a cada três meses para evitar contratá-los por tempo indeterminado, ou então possui trabalhadores não registrados. E depois conta vantagem de tudo isso diante dos amigos. É aquele que talvez vá à missa todo domingo, mas não vê nenhum problema em aproveitar a sua posição de poder, para exigir o pagamento de propinas. A corrupção faz perder o pudor que protege a verdade, a bondade, a beleza. O corrupto muitas vezes não se dá conta do seu estado, do mesmo modo que quem tem mau hálito e não se dá conta. E não é fácil para o corrupto sair dessa condição por um remorso interior. Geralmente, o Senhor o salva por meio das grandes provas da vida, situações que não pode evitar e que destroem a máscara construída pouco a pouco, permitindo assim à graça de Deus entrar.”

Animamo-nos a perguntar ao distinto leitor, depois de visto o texto acima, se não lhe ocorreu, como aconteceu conosco, identificar, na descrição feita pelo papa Francisco sobre o comportamento habitual de muita gente na vida mundana, certos personagens com os quais esbarramos frequentemente em situações rotineiras da convivência comunitária?

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Cesar Vanucci é jornalista