Saturday, 30 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

‘Talvez a mídia se transforme num hobby’

Em entrevista à Der Spiegel, Chris Anderson, editor-chefe da revista Wired de tecnologia e cultura, discute o desafio da Internet à imprensa tradicional, os novos modelos de negócio na web e porque ele prefere ler o Twitter a um jornal diário.

Antes de se tornar editor da Wired, Chris Anderson escreveu para as revistas Economist, Science e Nature. Depois da quebra das ponto com, entretanto, a revista Wired, que foi fundada em 1993, perde um pouco de sua relevância. Mas Anderson transformou a publicação em um fenômeno cult para a comunidade de tecnologia e a circulação subiu 32% – para mais de 700 mil cópias. Infelizmente, a crise da mídia impressa que viu até o poderoso New York Times cair no vermelho também teve um impacto na Wired. As vendas de anúncios caíram 40% e a revista sofreu um baque bem maior com a crise do que muitas outras publicações mensais.

Desde a publicação do livro The Long Tail, Anderson tem sido considerado um guru da nova mídia – além de um provocador profissional. Em seu novo livro, Free, ele defende a disponibilização de conteúdo gratuito na internet. Isso apesar do fato de que seu livro custa US$ 26,99 na Amazon e que Anderson cobra para atuar no circuito de palestrantes convidados.

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Sr. Anderson, vamos falar sobre o futuro do jornalismo.

Chris Anderson – Esta será uma entrevista muito tediosa. Eu não uso a palavra jornalismo.

Tudo bem, e quanto aos jornais? Eles estão em maus lençóis tanto nos Estados Unidos como no resto do mundo.

C.A. –Desculpe, eu não uso a palavra mídia. Não uso a palavra notícia. Não acho que essas palavras signifiquem alguma coisa hoje. Elas definem o mundo editorial do século 20. Hoje, são uma barreira. Elas estão bloqueando nosso caminho, como uma carruagem sem cavalos.

Quais palavras você usa?

C.A. –Não há outras palavras. Estamos numa daquelas épocas estranhas em que as palavras do século passado não têm mais significado. O que notícia significa para você, quando a maior parte das notícias é criada por amadores? São as notícias vindas de um jornal, de um grupo de discussão ou de um amigo? Eu simplesmente não consigo pensar numa definição para essas palavras. Aqui na Wired, nós paramos de usá-las.

Espere um minuto. Os chamados jornalistas cidadãos e blogueiros mudaram o significado da palavra ‘mídia’. Mas sem os meios de comunicação tradicionais eles não teriam muito a fazer na verdade. A maioria dos amadores comenta o que a imprensa de qualidade informa. A pergunta é: você leu um jornal hoje de manhã?

C.A. –Não.

O jornal do lugar onde você mora, o San Francisco Chronicle, está lutando pela sobrevivência. Se ele desaparecesse amanhã…

C.A. –Eu não perceberia. Eu não saberia nem mesmo o que estaria perdendo.

Então como você se mantém informado?

C.A. –A informação surge de muitas formas: pelo Twitter, aparece no meu inbox, na minha base de RSS, através de conversas. Eu não saio procurando por ela.

Você simplesmente não se preocupa.

C.A. –Não, eu me preocupo. Você sabe, eu escolho minhas fontes, e eu confio nas minhas fontes.

Assim como milhões de pessoas confiavam na mídia tradicional.

C.A. –Se aconteceu alguma coisa importante no mundo, eu vou ficar sabendo. Fico sabendo dos protestos no Irã antes de eles aparecerem nos jornais porque as pessoas que eu acompanho no Twitter se preocupam com essas coisas.

O New York Times, a CNN, a Reuters e outros podem publicar suas melhores reportagens na internet que você nunca as lê?

C.A. –Leio muitos artigos da mídia tradicional, mas não a procuro diretamente para lê-los. Eles chegam até mim, o que é muito comum nos dias de hoje. Cada vez mais pessoas estão escolhendo filtros sociais para ler as notícias em vez de filtros profissionais. Estamos nos desligando das notícias da televisão, dos jornais. E ainda assim ficamos sabendo das coisas importantes; só que não é mais aquela saraivada de notícias ruins. São notícias que importam. Acho que no momento em que algo chega até mim é porque foi avaliado por pessoas em que eu confio. Então as bobagens que não importam não vão chegar até mim.

Mas você também pode descrever o fluxo infinito de palavras que vêm do Twitter como bobagem. Limitadas aos 140 caracteres, as mensagens do Twitter resultam numa impressão maluca, sem filtros nem comprovação, do que está acontecendo. As mensagens do Twitter não podem ser nenhum tipo de substituto para as reportagens e análises rápidas, abrangentes e bem fundamentadas da mídia de qualidade. E com todo o respeito, você mesmo produz esse tipo de informação. Você é um membro da mídia noticiosa, você trabalha para uma revista, faz entrevistas e cria notícias – ou informação, ou conteúdo, ou qualquer seja o nome que queira dar a isso.

C.A. –É verdade. Mas o problema não é que a forma tradicional de escrever não vale mais. O problema é que isso hoje é a minoria. Costumava ser um monopólio, costumava ser a única forma de distribuir notícias.

Porque as empresas de notícias costumavam controlar os processos de impressão e as ondas aéreas?

C.A. –Exatamente. Então agora que não precisamos mais do acesso a um canal comercial para distribuir [notícias], qualquer um pode fazê-lo. O que nós fazemos continua sendo útil, mas o que as outras pessoas fazem é igualmente útil. Não acho que o nosso jeito seja o mais importante e com certeza não é a única forma de transmitir informações. Então é por isso que estamos numa fase estranha. Levará uma década ou duas para entendermos o que é que estamos fazendo.

Mas mesmo com esse entusiasmo pelos novos formatos e pela mídia baseada na internet, a demanda por jornalismo de qualidade está crescendo, e não diminuindo. A mídia online conquistou uma audiência nova e enorme. E apesar de todos os rumores de extinção da mídia impressa, as circulações continuaram notavelmente estáveis. O problema é a queda da arrecadação com publicidade.

C.A. –Os jornais não são importantes. Pode ser que sua forma física e impressa não funcione mais. Mas o processo de compilar informação e analisá-la, acrescentando valor a ela e a distribuindo, ainda funciona.

Mas onde está o modelo de negócio web para isso?

C.A. –Ainda estamos tentando descobrir.

Boa sorte – um futuro que não se sustentará sozinho.

C.A. –O anúncio em banner foi inventado bem aqui nesse escritório em 1995. Essa foi a primeira resposta à sua pergunta. Mas não há um modelo de negócio, há milhares. Cada um de nós deve descobrir o seu próprio. Todos nós ganhamos dinheiro, mas não ganhamos o suficiente – e não tanto quanto ganhávamos no meio impresso. O Facebook está tentando descobrir como, o Twitter também. Chegaremos lá. Ainda é muito cedo.

Qual é a resposta da Wired?

C.A. –Do outro lado do corredor, funciona a wired.com. Ela tem cerca de 120 milhões de pageviews por mês, é um dos maiores sites do mundo. Nós basicamente a tocamos sem lucro nem prejuízo. Mas isso é totalmente arbitrário; nós decidimos como fazer. Temos jornalistas pagos e blogs. Há conteúdo gerado por usuários e conteúdo da revista, com histórias de 8 mil palavras, pesquisadas durante seis meses.

Algumas partes são editadas, outras não. Temos milhões de faturamento, e decidimos se queremos ter lucro ou não.

Spiegel: Outros não querem, ou não podem, levar isso tão na esportiva. Eles fazem dinheiro no meio impresso e o usam para construir ou financiar seus produtos online. Agora muitos, como o New York Times, estão perdendo grande parte de seu faturamento impresso e não conseguem gerar receita suficiente com seus websites. Daqui a algum tempo, isso será um grande problema.

C.A. –A matemática do lucro é muito fácil, faturamento menos custos. Você dá o seu melhor no faturamento e se não está conseguindo lucrar, tem que reduzir os custos. O problema não é que não haja dinheiro para ganhar online, é simplesmente que nossos custos são muito altos.

Ou talvez os faturamentos sejam muito baixos. Por que os anunciantes pagam menos online do que no meio impresso? A audiência da wired.com é menos atraente do que os leitores da revista Wired?

C.A. –Tem a ver com a eficiência. As pessoas online tendem a não olhar para os anúncios. No impresso, as pessoas tendem a olhá-los porque os anúncios são mais bonitos e bem integrados. Eles são grandes, de página inteira, com fotos boas. Sob vários aspectos, eles são conteúdo. É por isso que os anunciantes gastam US$ 22 para alcançar mil pessoas na wired.com – e US$ 100 na revista. Acho que ainda não descobrimos o veículo perfeito para a propaganda online.

Exceto pelo Google. Eles fazem bilhões em anúncios de texto colocados ao lado dos resultados das buscas.

C.A. –A ideia do Google é fantástica. Mas você não consegue fazer muito mais com texto. É muito bom para transações, mas é muito pobre para as marcas. É muito bom se você está tentando guiar uma ação imediata, mas é pobre se você está tentando incutir um desejo que se exaure semanas mais tarde. Precisamos desenvolver uma forma de publicidade que funcione tão bem online quanto as páginas brilhantes das revistas. E não temos isso ainda. Repito, é muito cedo. Estamos a poucas décadas da invenção da imprensa por Gutenberg e ainda estamos tentando entender o que inventamos. Mas entenderemos.

Spiegel: Se a audiência migrar para a internet, os lucros a seguirão?

C.A. –Sim. Tudo diz respeito à atenção. Este é o bem mais valioso. Se você têm atenção e reputação, você pode descobrir como monetizá-las. Entretanto, o dinheiro não é mais o fator número 1.

Por quê?

C.A. –A atenção e a reputação são dois bens não-monetários. A grande maioria das pessoas na internet escreve de graça. Tentamos pagar alguns dos nossos blogueiros e eles acharam isso insultante. Eles não o fazem por dinheiro, mas sim por atenção e reputação, ou simplesmente por diversão. Por exemplo, há dois anos, eu comecei um site chamado geekdad.com. É sobre como ser pai e geek ao mesmo tempo. Estamos escrevendo sobre como fazer coisas que são divertidas para as crianças e para os pais. É um projeto comunitário, todos contribuem gratuitamente mas agora temos uma audiência maior do que muitos jornais. E há um número infinito de sites como este por aí.

O jornalismo clássico, que é obviamente mais caro de se produzir, compete com esse tipo de coisa?

C.A. –No passado, a mídia era um emprego de tempo integral. Mas talvez a mídia se torne um emprego de meio período. Talvez ela não seja nem mesmo um trabalho, mas em vez disso um hobby. Não há uma lei que diga que os setores precisam continuar a ter o mesmo tamanho. Antigamente havia ferreiros, mas as coisas mudam. A questão não é se os jornalistas terão empregos. A questão é se as pessoas podem receber a informação que querem, do jeito que querem. O mercado resolverá isso. Se continuarmos a acrescentar valor à internet, descobriremos um jeito de fazer dinheiro. Mas nem tudo o que fazemos precisa render dinheiro.

Você acabou de publicar um novo livro, chamado Free [‘Grátis’]. Sua mensagem principal é distribuir seu produto de graça…

C.A. – …e de certa forma monetizá-lo!

Spiegel: Como isso se aplica à internet?

C.A. –A economia online tem mais ou menos o tamanho da economia alemã. E está baseada num preço padrão equivalente a zero. A maioria das coisas disponíveis online são gratuitas. Nunca vimos uma economia tão grande com um preço padrão igual a zero. Percebi isso quando precisávamos de um modelo econômico para explicar como um setor poderia ser baseado no conceito de ‘grátis’. E precisamos entender a psicologia disso. Temos a psicologia do gratuito, somos atraídos por ela, mas também nos sentimos traídos por ela. Se alguma coisa costumava custar dinheiro e agora é gratuita, achamos que a qualidade caiu. Mas se algo sempre foi de graça, e continua de graça, não pensamos isso.

Muitas companhias adoraria se o seu conceito de ‘gratuito’ desaparecesse da internet o quanto antes.

C.A. –Como isso poderá desaparecer? Grátis é a força da gravidade. Se decidirmos resistir a isso, outra pessoa competirá com algo que á gratuito. O mercado segue a economia subjacente. Você pode ser gratuito ou competir com o gratuito. É a única escolha possível. O Wall Street Journal, a propósito, foi muito inteligente quanto a isso.

Em que sentido?

C.A. –Eles usam conteúdo gratuito para atrair uma grande audiência e então transformam parte disso em conteúdo pago. A ideia é: ‘Não cobre pelas coisas mais populares. E nunca cobre por coisas exclusivas porque se você separa o que é exclusivo e outras pessoas noticiam sobre a sua informação exclusiva, elas receberão o tráfego e você não. Em vez disso, cobre pelas coisas específicas, de nicho, pelas quais algumas pessoas estarão dispostas a pagar.

Mas cobrar uma minoria de sua audiência não financiará uma cara reportagem no Irã ou no Iraque.

C.A. –O curioso é que foi isso que restou para a mídia de massa – é o tipo de coisa que os nichos não fazem bem. Política, guerra, desastres, escândalos, etc. Você não pode cobrar por isso e os anunciantes não gostam do conteúdo. Diferente do antigo mundo offline, acaba que eles preferem não anunciar sua propaganda da Coca-Cola do lado de reportagens sobre as ruas do Irã.

Conclusão, não há uma solução convincente até agora – mesmo de provocadores como você?

C.A. –Acho que descobriremos que qualquer que tenha sido o modelo de negócios do século 20, ele será diferente no 21. Talvez percebamos que vender anúncios não é o nosso negócio. Talvez descubramos que nosso negócio é vender conteúdo online para o público, ou criar comunidades ou vender eventos – da mesma forma que parte da indústria musical está fazendo dinheiro com os shows. Talvez as companhias que foram construídas em torno do antigo modelo de negócios deixem a cena e outras companhias surjam, da mesma forma que o setor das gravadoras poderá desaparecer mas as Apples do mundo, com seus iPods e iPhones, continuará a ir bem.

Uma última pergunta, por que o seu livro não é gratuito?

C.A. –Só a versão de capa dura é cobrada. O preço do arquivo digital é zero, então eu dou o texto digital e os arquivos de áudio de graça. Entretanto, se você quiser uma versão resumida em áudiolivro em 3 horas, tem que pagar.

Por que tempo é dinheiro?

C.A. –Exatamente.

Sr. Anderson, obrigado por esta entrevista.

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Da redação do Der Spiegel