Quase dez anos já se passaram desde que a expressão jornalismo de dados se tornou corrente nas redações da maior parte dos jornais e páginas noticiosas online. Mas só agora repórteres e editores começam a se dar conta de como ela afeta o dia a dia da atividade profissional.
Para a grande maioria dos jornalistas, quando alguém menciona a palavra dados, a associação imediata é com estatísticas, gráficos e tabelas. Uma pesquisa feita por uma bolsista da Fundação Knight, Sandhya Kambhampati , mostrou, no entanto, que as redações jornalísticas são verdadeiras jazidas de dados, onde quase metade deles simplesmente vai para o lixo.
Este desperdício de dados e informações, é uma consequência direta da mudança de valores no exercício do jornalismo, desde que os processos analógicos começaram a ser substituídos por procedimentos digitais. O que antes era anotado a mão ou registrado em gravações em fitas magnéticas, agora pode ser feito com o auxílio das novas tecnologias digitais.
O que se pensava ser uma transição fácil de uma rotina para outra mostrou-se algo bem mais complicado, conforme mostrou a pesquisa de Kambhampati e pode ser observado diariamente numa redação comum. É que os hábitos antigos estão arraigados em valores e em atitudes culturais que resistem à mudança, porque ela, é óbvio, sempre implica riscos e insegurança.
As redações deixaram se ser, prioritariamente, linhas de montagem de notícias e reportagens, para se transformarem em centros produtores de conteúdos jornalísticos baseados na recombinação de dados e informações. Na era analógica o registro de dados recolhidos pelos repórteres era limitado pela ausência de tecnologias adequadas mas com a chegada dos computadores as barreiras foram eliminadas.
A inovação colocou em evidência dois problemas: como transmitir o conhecimento acumulado por um profissional para outro; e como evitar o desperdício de dados e informações recolhidos por repórteres durante a realização de uma reportagem. São duas questões chaves na nova realidade dos jornais na era digital porque interferem diretamente no funcionamento das equipes de trabalho e na economia de um veículo jornalístico.
Compartilhamento e registro
Na era digital, a velocidade de produção de notícias e a complexidade dos métodos utilizados tornou obrigatório o trabalho em grupo, muitas vezes envolvendo diferentes empresas jornalísticas. O famoso caderninho de endereços, considerado uma propriedade privada inviolável e quase um ativo econômico, tornou-se obsoleto diante da pressão pelo compartilhamento de informações gerada pelos processos digitais.
A cultura da exclusividade e do furo jornalístico ainda existe e é a razão pela qual muitos profissionais ainda resistem ao uso dos processos de compartilhamento de conhecimentos. A velocidade de inovação de processos tecnológicos e a alta rotatividade dos profissionais passaram a exigir que as normas operacionais sejam registradas permanentemente para que não haja uma ruptura nos procedimentos operacionais.
Boa parte da resistência ao compartilhamento e registro de procedimentos tem origem na ideia, ainda muito comum nas redações, de que a posse individual de conhecimentos é uma garantia de preservação do emprego. Em alguns casos isto pode até funcionar, mas a esmagadora maioria dos desempregados testemunha que esta garantia não existe mais.
Mais importante ainda que a questão operacional é a valorização financeira do acervo de dados de um jornal. É cada vez maior o número de empresas jornalisticas como o The New York Times, The Guardian e Folha de São Paulo que digitalizaram seus arquivos para poderem oferecer informes baseados em análise de dados. A imprensa é uma fonte privilegiada de dados porque monitora diariamente a realidade local, nacional e mundial, nas mais variadas áreas do conhecimento humano. É um registro histórico insubstituível na era do conhecimento.
Mas não é só a grande imprensa que pode tirar proveito do registro e compartilhamento de dados. Jornalistas independentes dispõem hoje de ferramentas digitais que permitem a criação de bancos individuais de dados especializados em temas que não se enquadram na agenda generalista das empresas de comunicação. A criação de um banco individual de dados leva algum tempo, exige muita disciplina e uma análise constante dos fatos e números indexados, mas a partir da formação de uma massa crítica mínima , pode se transformar numa fonte de renda promissora.
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Carlos Castilho é editor do site do Observatório da Imprensa e pesquisador em pós doutorado sobre jornalismo e conhecimento.