Por um momento, ponha de lado as contínuas emoções que sentimos neste verão a partir da residência do primeiro-ministro e dê uma olhada na barulhenta turma da imprensa, do outro lado da rua[1]. Em especial, preste atenção nas declarações de duas entidades jornalísticas de peso – uma britânica e a outra, norte-americana –, que cantaram a letra da mesma música sobre o futuro dos jornais.
A primeira, do Centro de Pesquisas Pew, em Washington, vê o ano de 2015 como, possivelmente, “o pior ano para os jornais desde a Grande Recessão” e o que imediatamente se seguiu: “A circulação diária caiu 7%, em sua maior parte desde 2010, e a receita publicitária nas empresas jornalísticas caiu 8%.” Tudo bem, mas não diziam que a publicidade digital seria a salvação da indústria? Não é bem assim: “Quase dois terços dos 60 bilhões de dólares [mais de R$ 190 bilhões] em publicidade digital (65%) foram para apenas cinco empresas de tecnologia: Google, Facebook, Yahoo, Microsoft e Twitter. Apesar disso, os jornais tradicionais receberam um empurrão relativamente pequeno deste boom digital… Embora 25% da receita publicitária percebida pelos jornais seja de origem digital, no geral a receita publicitária digital caiu 2% em 2015.”
E – a segunda das armadilhas –, o Instituto Reuters detecta exatamente o mesmo ponto crucial na Grã-Bretanha e no resto do mundo: os anúncios digitais secando, as esperanças de crescimento estancadas e as marcas e a importância de dirigir um website diminuindo à medida que o Facebook e o Google limpam as matérias de que gostam. Além disso há o fato de que “a maioria dos consumidores ainda está relutante em relação a pagar pelas notícias online, em especial no mundo altamente competitivo de língua inglesa (9%, em média). Mas em países menores, protegidos por seu idioma, a probabilidade que as pessoas paguem é duas vezes maior”.
Seria a França um “país menor”? Louis Dreyfus, publisher do jornal Le Monde, conta uma história bem maior. Há cinco anos, o mais famoso jornal da França estava perdendo dinheiro rapidamente e, aparentemente, caminhando aos solavancos para o túmulo. Porém – após uma espécie de enfrentamento com a equipe editorial, que achava que mandava no jornal – os proprietários comerciais do jornal adotaram uma nova estratégia que poderia ser chamada “tudo menos a pia da cozinha”. “No Monde, acreditamos que o jornal impresso não morreu”, diz Dreyfus. “Sejam quais forem as dificuldades e as perdas, as pessoas irão comprar o nosso produto, tanto impresso quanto digital, desde que tenhamos conteúdo exclusivo. Iremos sobreviver e crescer se tivermos os melhores jornalistas e essa é a nossa principal prioridade.” Uma prioridade que se procura com uma energia formidável e um impulso controlado.
O crescimento da Economist
Eis aqui, então, uma revista nova, lustrosa [M le magazine]. Eis aqui um empurrão decidido para reportagens sobre finanças, com uma seção especial de negócios. Eis aqui uma paywall considerada inteligente (19 libras esterlinas [R$ 81,5] por mês por todo o conteúdo, impresso e digital, sete dias por semana), com sites especializados, como Le Monde Afrique. E eis aqui – finalmente – uma edição matutina do Monde. Eis aqui festivais e escolas de treinamento para leitores, uma nova consciência de envolvimento.
Resumindo, trata-se de mudança e inovação por toda parte. É claro que algumas dessas ideias são familiares, procuradas por outros jornais pelo mundo inteiro. Mas o pacote como um todo, sem escolher entre as iniciativas e explorando todas as avenidas em francês, parece estar se mostrando sólido e com bastante êxito longe dos batalhões de língua inglesa. Aux armes, citoyens…
Mas talvez não se deva tratar a língua como a pedra angular do sucesso renovado em Paris. É preferível pensar nela como uma definição de peculiaridade, um ponto fundamental de diferença. Isso porque outras redações que têm algo diferente a oferecer também têm tido boas notícias para alardear em seus países nas últimas semanas. A revista Economist, com seu balanço anual mostrando lucros de 59,3 a 60,6 milhões de libras (de R$ 254 a 260 milhões), antes de pagar os impostos, a um faturamento de 324 a 331 milhões de libras [R$ 1,4 a R$ 1,425 bilhão].
Talvez a publicidade nos impressos tenha despencado, até chegar a 41 milhões de libras [R$ 176 milhões] em março deste ano. Mas os lucros da circulação – do impresso e do digital – aumentaram 31%, com as vendas crescendo 3,5% em um ano e os acionistas que adquiriram as ofertas iniciais a preço reduzido podendo negociar pacotes adicionais mais lucrativos.
Tom Standage, subeditor da revista, faz uma declaração fundamental: “Temos uma equipe de 10 jornalistas e editores promovendo a nossa produção num número crescente de plataformas sociais. Temos mais de 17 milhões de seguidores no Twitter e 7,7 milhões no Facebook… Nossas mensagens nas plataformas sociais incentivam novos leitores a experimentarem o nosso jornalismo. Mas o nosso objetivo é sempre o de conduzi-los ao nosso website e apps, onde podemos incentivá-los a tornarem-se assinantes. Cedemos um número limitado de artigos às plataformas distribuidoras como parte desta estratégia, mas o acesso completo à nossa produção exige uma assinatura e sempre o fará.”
A melancolia é uma péssima conselheira
Resumindo, você pode diminuir o impacto dos bloqueadores de publicidade e de algoritmos malignos e assumir o controle das mídias sociais se você dirigir a maior parte da ênfase para as vendas online e no jornal impresso. E também, poderiam acrescentar os leitores da Economist, se a versão impressa ainda ajudar a definir uma imagem de marca que não pode desaparecer ou submergir quando o Facebook manipular os seus algoritmos.
O impresso é parte da equação do Monde, parte do projeto de lucros da Economist – e, curiosamente, é um aspecto do sucesso prematuro da empresa Johnston Press com o jornal i, que comprou há seis meses do Independent – com as vendas agora chegando a 300 mil exemplares e crescendo, à medida que o carrossel da vida política gira mais rapidamente.
Katharine Viner, editora do Guardian, colocou o dilema que preocupa tantas redações num ensaio digno de nota. “Embora as possibilidades do jornalismo tenham sido reforçadas pelo desenvolvimento digital dos últimos anos, o modelo de negócios está fadado ao fracasso, pois independentemente do número de cliques que você der, nunca serão o suficiente. E se você cobrar do leitor para acessar o seu jornalismo, você tem o enorme desafio de persuadir o consumidor digital, que está habituado a ter a informação gratuitamente, a gastar dinheiro.”
Esse dilema, naturalmente, é especialmente grave no Guardian, que divulgou uma perda de quase 69 milhões de libras [mais de R$ 295 milhões] até março, numa era em que as vendas de publicidade são particularmente difíceis de enfrentar. (O retorno dos anúncios digitais caiu 2 milhões de libras [R$ 8,6 milhões] a cada ano; nos anúncios do jornal impresso, a queda foi de 15%.) Porém, no mundo dos jornais, o desafio é praticamente o mesmo.) O New York Times acabou de anunciar uma perda de 500 mil dólares no segundo trimestre, com os anúncios do impresso caindo 14% e a publicidade digital – a suposta salvação –, 7%.
Essa equação, difícil e exemplar – proporcionando uma ampla variedade de respostas possíveis, de paywalls a financiamento coletivo [crowdfunding] de expansão a redução – é um desafio comum. A questão não é apenas se os jornais impressos podem sobreviver, mas se as redações, em geral, que cobrem informações e opiniões por todo o lado, detectam um vídeo seguro num ambiente em que os gigantes sociais da mídia decidem o que fazer, tornando a transição para qualquer futuro independente um sonho distante.
Você diria, obviamente, que as notícias ou comentários que tiverem como alvo audiências específicas e mantiverem a marca clara do jornal impresso têm oportunidades de sobreviver e prosperar. E acrescentaria que os últimos 15 anos foram recheados por falsas acusações e mudanças de tática. Porém, também acrescentaria que a melancolia, em geral, é uma péssima conselheira. Há pouco mais de um mês que as notícias da crise europeia aumentaram vem provocando um aumento nas vendas dos jornais impressos e fizeram as visitas às páginas online dispararem. Trata-se de um promissor sinal positivo, em tempos de necessidade. Formez vos bataillons. Marchons, marchons!
[1]. O texto se refere ao episódio da mudança na chefia do governo inglês, ocorrida este mês.
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Peter Preston é colunista do Guardian e do Observer