Prepotência e arrogância de um lado. Que se traduz muitas vezes nas seguintes falas: ‘Um bando de chatos. Querem ensinar padre a rezar missa. Ou fazer jornalismo a quem sabe. Acham que podem determinar o que é mais importante ou não para os veículos’. Medo da imprensa ou desinformação do outro. Mas que não tem impedido o mote que contraria até ditado popular: ‘No fundo, o bom cabrito tem é que berrar!’.
No meio do ‘tiroteio’, um agente de mudanças ou mero marqueteiro? Independentemente de que lado do balcão esteja – da empresa ou normalmente do cliente –, verdade seja dita: o ombudsman fincou pé definitivamente nas organizações. Das instituições de educação e saúde, passando por shoppings e bancos, destaca-se cada vez mais nos setores governamentais e aos poucos amplia o espaço na mídia: além de três jornais e duas emissoras de rádio, agora a TV Cultura de São Paulo passa a ser a primeira do país a instituir o cargo.
Muito a aperfeiçoar
A figura do ouvidor está presente no Brasil desde 1538. O capitão-mor Antonio de Oliveira foi o pioneiro. Nomeado, passou a acumular os dois cargos na Capitania de São Vicente. Mas a onda da ‘ombudsmania’ só foi impulsionada no Brasil quatro séculos e meio depois, a partir dos anos 80, quando o usuário passou a ‘redescobrir’ seus direitos. Direitos não só de consumidor, mas de consumerista, numa onda originada a partir dos EUA. Em 1985, a Rhodia deu o pontapé inicial na área privada e incorporou a função a seus quadros. No ano seguinte surgiu a primeira Ouvidoria Pública em Curitiba, pelo Decreto-Lei nº 215. Nos anos 1990, a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) saiu na frente na área de educação, mesmo período em que passou a vigorar o Código de Defesa do Consumidor, reforçando o compromisso das organizações com a cidadania. E conseqüentemente, consolidando a participação do ombudsman/ouvidor na sociedade brasileira.
Segundo estimativa da Associação Brasileira de Ouvidores/Ombudsman (criada em março de 1995), existem hoje, no Brasil, mais de 500 ouvidores e ombudsman em atividade. Embora a expansão proporcione a presença de profissionais nas mais diversas áreas possíveis, algumas confusões são observadas. Por exemplo: a figura do ombudsman é identificada com o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC). Também há distorções quando se tenta caracterizar as duas vertentes. Na opinião de alguns profissionais, a diferença não está no nome. A diferença está no objetivo específico de cada setor e de cada órgão: defender um serviço justo para o cliente, defender o cidadão ou defender a qualidade do jornalismo a que o público tem direito.
Na opinião do jornalista Cláudio Monteiro, o consumidor aprendeu muita coisa no sentido de como se relacionar com fornecedores e exigir seus legítimos direitos. As empresas, por sua vez, melhoraram seus produtos e serviços, criaram canais para resolução de problemas, passaram a admitir mais facilmente defeitos de fabricação e muitas a efetuar trocas e até aceitar devolução imotivada. Mas, muito ainda precisa ser feito e aperfeiçoado.
Jornal dos Jornais
, o começoEle cita como exemplo alguns obstáculos que os serviços de atendimento colocam no caminho telefônico do consumidor. A começar pela ladainha e a maratona de digitação: tecle 1 para saldo, tecle 2 para fatura, tecle 3 para mudança de endereço… tecle 12 para falar com um de nossos atendentes… ‘Ora, o cidadão quer é ser atendido logo por alguém de carne-e-osso que resolva o problema’. Outra perda de tempo apontada por Monteiro: a solicitação de se digitar extensos números de cartão e CPF, para depois a atendente pedir tudo de novo porque o sistema não funcionou ou não deu acesso à tela de dados cadastrais do cliente. O tratamento pessoal, salvo honrosas exceções, além de frio, permanece excessivamente formal em muitas empresas: os atendentes tratam o consumidor como idiota. São apresentadas desculpas esdrúxulas ou então tentativas absurdas de imposição de taxas, juros e procedimentos ilegais e abusivos.
No caso da imprensa, o problema para aceitar a figura do ombudsman ainda é o medo. A conclusão é de Jairo Faria Mendes, autor do livro O ombudsman e o leitor. Fruto de pesquisa de mais de cinco anos para sua dissertação de mestrado na UFRJ, ele chegou à conclusão de que a mídia brasileira teme a implantação da função. Por isso, persiste o número reduzido de empresas que adotaram e mantiveram a função.
Historicamente foi no exercício de media criticism, iniciado no Brasil na segunda metade dos anos 1970, pela coluna Jornal dos Jornais, do jornalista Alberto Dines, na Folha de S.Paulo, que surgiram os primeiros movimentos em direção ao aproveitamento do ombudsman na mídia. Foi o próprio jornal que, em 1989, criou oficialmente o cargo de ombudsman, provocando uma reviravolta interna e também nos demais meios de comunicação.
A redação reage
Ombudsman quer dizer representante do povo. Vem de fusão da palavra sueca ombud, representante, deputado, com a inglesa man. Para a Organization of News Ombudsmen – com sede em Sacramento, Califórnia, EUA –, eles são denominados editores públicos, advogados do leitor ou representantes do leitor. Suas funções foram incorporadas pela primeira vez a um jornal em 1967, nos EUA, pelo Louisville Courier Journal. Ouvir as reclamações dos leitores era sua principal atribuição. Agora já existem profissionais em jornais de muitos países do mundo: Canadá, África do Sul, Suécia, Israel, Japão, Inglaterra, além de EUA e Brasil. Na Espanha, El País, um dos mais respeitados no mundo, criou o estatuto do ombudsman, com regras bem definidas e de conhecimento de toda a redação e dos leitores.
Apesar do reconhecimento mundial, dúvidas e conflitos provocados sobre a atuação desse profissional também estão presentes na mídia. A jornalista Junia Nogueira de Sá, ombudsman da Folha no período 1993-94 (o mandato do ombudsman no jornal é de um ano, podendo ser prorrogado por mais um; o pioneiro foi Caio Túlio Costa, e no dia 5 de abril deste ano Marcelo Beraba tornou-se o oitavo ombudsman), atualmente diretora de Assuntos Corporativos e Imprensa da Volkswagen do Brasil, diz que são muitas as dificuldades para o exercício do cargo: ‘Descobri, logo de início, que ser ombudsman significa reservar boa parte do tempo para explicar aos outros o que é ser ombudsman. Principalmente a estudantes e novos leitores’.
Para Bernardo Ajzenberg, que também já ocupou o cargo na Folha, ‘embora mudanças tenham ocorrido há anos, continua sendo muito difícil por parte dos jornalistas, de maneira geral, admitir um mínimo de culpabilidade em relação aos erros, mais ou menos relevantes, cometidos’. Vera Giagrande, que instituiu a função no Grupo Pão de Açúcar, sempre deixou claro que é melhor não ter ombudsman do que manter uma instituição falsa: ‘Um ombudsman só como jogada de marketing pode acabar com a imagem da instituição, pois não se trata apenas de cumprir o código, mas de firmar compromisso com a cidadania, com o papel social do outro’.
Relação não-convencional
No Japão, oficialmente, existe há 50 anos o Comitê de Inspetores do conteúdo de jornal, ligado a um dos maiores jornais do mundo, o Yomuri Shimbum, com cerca de 9 milhões de leitores. Mesmo assim, a palavra ombudsman ainda é desconhecida para muitos leitores. Os profissionais que exercem a atividade, segundo o jornalista Takeshi Maezawa, que já integrou o comitê e hoje é crítico de mídia do Daily Yomiuri – o segundo jornal de língua inglesa mais vendido no Japão, com mais de 500 mil exemplares diários –, referem-se a si mesmos como representantes dos leitores. E os departamentos onde trabalham têm muitos nomes: comitê de checagem dos jornais, conselho de inspeção de reportagens jornalísticas, departamento de avaliação do conteúdo das notícias, e por aí vai.
No Brasil, alguns jornais enfrentaram problemas ao tentar criar a função. Foi o caso de O Dia, do Rio de Janeiro. Inicialmente o projeto era semelhante ao da Folha, mas encontrou muitas barreiras internas e preferiu adaptar-se a uma iniciativa própria, denominada ‘Fale com O Dia‘, voltada para o controle de qualidade do conteúdo e do ‘visual’ do veículo, com a participação do leitor.
O jornal tem banco de dados, e o leitor pode ligar, escrever, deixar recado ou ir pessoalmente à sede: é cadastrado, e mensalmente todas as reclamações são distribuídas aos diversos setores do jornal. Principalmente à redação. Lá, fica-se sabendo, entre outras coisas, qual a editoria mais questionada, qual o tipo de reclamação é mais comum e quais as matérias que ocasionam mais problemas. Além disso, o jornal recebe queixas que atingem outros segmentos da sociedade, pois o leitor tem uma relação não-convencional com a publicação, acreditando muitas vezes que o jornal é a sua salvação para tudo.
Algo a mais na vida
Numa estrutura bem-organizada, o ombudsman atua recebendo e investigando denúncias e reclamações de seus leitores, produz um relatório diário ou semanal sobre o que ouviu do leitor e publica uma coluna em seu jornal, analisando o comportamento geral do veículo ao longo da semana. Segundo Vera Giagrande, em artigo publicado no livro A ouvidoria no Brasil, algumas características são imprescindíveis para quem pretende exercer a função: equilíbrio emocional, pró-atividade, persuasão, cooperação, tenacidade, espírito empreendedor, adaptabilidade, empatia, análise crítica, autodesenvolvimento e conhecimento do negócio.
Para Richard Cunnigan, ex-ombudsman do Washington Post, um profissional qualificado para o exercício nessa área deve proteger o leitor da linguagem abusiva, de informações distorcidas e, principalmente, de qualquer tentativa de impedir que as queixas dos leitores sejam investigadas e atendidas. Opinião compartilhada por Caio Túlio Costa, autor no Brasil do primeiro livro sobre a atividade, O pêndulo de Focault, que considera como grande vantagem no surgimento desse novo personagem do jornalismo o estímulo à precaução dos profissionais antes de decidirem fazer ou dizer o que não estiver dentro de preceitos éticos e reais.
Para Caio Túlio, quando um leitor compra um jornal não vê naquele maço de papel apenas um material descartável, mas essencialmente uma coisa que acrescentará algo a sua vida. ‘Ele se sente gratificado quando liga para seu jornal e percebe que alguém presta atenção a suas críticas. Ele se sente parte do processo e, na verdade, é’.
Código de Ética do Ombudsman
Em dezembro de 97 foi aprovado o Código de Ética da ABO, que orienta a conduta dos profissionais que pretendem ocupar as funções nas empresas. Eis alguns dos seus artigos:
1.
Preservar e respeitar os princípios da ‘Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Constituição Federal e das Constituições Estaduais’.2.
Estabelecer canais de comunicação de forma aberta, honesta e objetiva, procurando sempre facilitar e agilizar as informações.3.
Agir com transparência, integridade e respeito.4.
Atuar com agilidade e precisão.5.
Respeitar toda e qualquer pessoa, preservando sua dignidade e identidade.6.
Reconhecer a diversidade de opiniões, preservando o direito de livre expressão e julgamento de cada pessoa.7.
Exercer suas atividades com independência e autonomia.8.
Ouvir o representado com paciência, compreensão, ausência de pré-julgamento e de todo e qualquer preconceito.9.
Resguardar o sigilo das informações.10.
Facilitar o acesso à Ouvidoria, simplificando seus procedimentos, agindo com imparcialidade e justiça.11.
Responder ao representado no menor prazo possível, com clareza e objetividade.12.
Atender com cortesia e respeito às pessoas.13.
Buscar a constante melhoria das suas práticas, utilizado eficaz e eficientemente os recursos colocados à sua disposição.14.
Atuar de modo diligente e fiel no exercício de seus deveres e responsabilidades.15.
Promover a reparação do erro cometido contra o seu representado.16.
Buscar a correção dos procedimentos errados, evitando a sua repetição, estimulando, persistentemente, a melhoria da qualidade na administração em que estiver atuando.17.
Promover a justiça e a defesa dos interesses legítimos dos cidadãos.18.
Jamais utilizar a função de ouvidor para atividades de natureza político-partidária ou auferir vantagens pessoais e/ou econômicas.Veículos brasileiros com ombudsman
**
Folha de S.Paulo: Marcelo Beraba (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ombudsma ou ombudsman@uol.com.br)**
O Povo, jornal de Fortaleza: Guálter George (www.opovo.com.br);**
Jornal da Cidade, de Bauru (SP): Daniela Pereira Bochembuzo (www.jcnet.com.br);**
Rádio Bandeirantes, de São Paulo: Maria Elisa Porchat (www.radiobandeirantes.com.br);**
TV Cultura, de São Paulo: Osvaldo Martins (www.tvcultura.com.br);**
Radiobrás: Emília Magalhães (www.radiobras.gov.br).**
Associação Brasileira de Ombudsman (http://www.abonacional.org.br)******
Jornalista, doutor em Comunicação pela UFRJ, professor da Ufal, autor e organizador do livro Jornalismo e relações públicas, Editora Mauad, em fase de lançamento