Ao renunciar esta semana ( 3/10) à direção do sistema de rádio da emissora britânica BBC, Helen Boaden ressuscitou a expressão “jornalismo lento” (slow journalism) reabrindo um debate que foi atropelado pelo ritmo vertiginoso da corrida deflagrada pela maioria dos órgãos da imprensa em ser o primeiro a dar uma notícia.
A instantaneidade informativa foi de tal maneira incorporada à rotina jornalística que a surpresa ou espanto só se manifestam quando alguém decide propor algo diferente. Se a obsessão com a primazia já era grande na era analógica do jornalismo, ela se tornou ainda maior com a chegada da computação e da internet. Tão intensa que a maioria dos profissionais simplesmente não sentem que pode haver outras alternativas.
A priorização da velocidade ganhou ainda mais força com a multiplicação dos canais 24 horas de notícias na TV, onde além da urgência, a massificação informativa passou a ser a marca registrada deste tipo de programação. Uma mesma notícia é retransmitida várias vezes no mesmo dia, com raras atualizações, levando o espectador a achar que a repetição é sinônimo de relevância. Para as redações, a repetição é um recurso para encher espaços na transmissão e não ficar atrás dos concorrentes, o que acaba padronizando quase todos os noticiários, independente da emissora.
O caso do chamado jornalismo lento, uma expressão que para muitos já embute uma conotação pejorativa, tenta provocar uma reflexão sobre a forma como a maioria esmagadora dos profissionais tratam a notícia, priorizando a velocidade sobre a explicação, contextualização e reflexão. Questiona acima de tudo a real necessidade da urgência e da preocupação em dar a notícia na frente da concorrência.
Este tipo de questionamento põe em dúvida toda a arquitetura de comercialização da notícia montada pelas grandes empresas jornalísticas e que foi transformada em estratégia padrão pelas corporações do ramo da comunicação. Nos jornais impressos, a estratégia se manifesta na crescente pulverização noticiosa, com a transformação das primeiras páginas em verdadeiros quebra cabeças de manchetes, onde a explicação se resume e no máximo duas ou três linhas, quando tanto.
Na televisão e no rádio, a palavra-chave é “ritmo”. O que explica a velocidade exaustiva com que os apresentadores e repórteres narram as notícias. Os editores partem do princípio de que se não for rápido, o espectador acaba se desinteressando. Trata-se de uma postura que na verdade tenta se auto justificar, porque pouco se sabe a respeito do comportamento do público, quando exposto a um noticiário menos frenético e mais preocupado em explicar questões complexas.
Informação por impulso
A preocupação com a urgência e com a pressa nos levou ao que Helen Boaden chamou de “informação por impulso”, ou seja o espectador é levado a uma montanha russa de notícias, onde ele só capta aquelas que despertam seus impulsos emocionais (rejeição, adesão, raiva, simpatia, admiração etc) . Este tipo de comportamento induzido tem como resultado a redução acentuada da capacidade de reflexão, especialmente nas questões mais complexas, que hoje já formam a grande maioria dos temas abordados na imprensa.
A dificuldade ou incapacidade de assimilar esta avalanche noticiosa gera uma angustia informativa, que segundo estudos citados num artigo do jornal inglês The Independent, reduz a nossa capacidade de entender e refletir sobre questões complicadas, num fenômeno que os psicanalistas definem de forma quase cabalística como “entropia psíquica”.
A soma de todas estas consequências da urgência e da primazia na veiculação de noticias, ao reduzir nossa capacidade de lidar com questões complexas, aumenta a tendência a comportamentos do tipo manada, onde a característica comum é a predisposição inconsciente (sem reflexão) e em massa, a tomar como verdade incontestável aqui que é publicado na imprensa.
Isto faz do “jornalismo lento” uma solução editorial capaz de reduzir a angustia informativa de leitores, ouvintes, telespectadores e internautas, provocada pela falta de explicação para questões complexas. Mas é quase certo que ela já enfrenta uma forte resistência das grandes corporações jornalísticas porque afeta um modelo de negócios, um comportamento padronizado nas redações e uma estratégia política de controle da opinião pública.
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Carlos Castilho é jornalista, editor da página do Observatório da Imprensa e pesquisador no pós-doutorado em jornalismo no POSJOR/UFSC