Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mais sobre promessas eleitorais

Segunda parte da EnBoBEsta – Enciclopédia de Bolso do Besteirol Estatístico da Propaganda Política e Afins; para ler a primeira parte, veja remissão ao pé desta página.

Saúde, educação, desemprego e segurança estiveram (e estão) na ordem do dia, em absolutamente todos os discursos dos ‘prefeitáveis’ – a ordem de importância depende da cidade. Mas outros fatores econômicos, além dos municipais, influenciam esses setores – e as mirabolâncias que brotam dos discursos flamejantes dos comícios. Nesta segunda parte da EnBoBEsta – Enciclopédia de Bolso do Besteirol Estatístico da Propaganda Política e Afins, sobrevoamos alguns destes fatores.

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Saúde – Candidatos em campanha se esmeram ao abordar este tema. Neste ano, o que dez entre nove candidatos prometem é mais postos de saúde, muitos garantem um novo hospital para atender ‘aos carentes’, distribuir remédios de graça, médicos e enfermeiras às pencas, solícitos e sorridentes – ao fundo, o logotipo da campanha e aquela musiquinha grudenta. Conversa fiada. Saúde pública, no que se prende às prefeituras, é miragem. Depende 99,99% das minguadas e minguantes verbas federais e estaduais, e o SUS não é exatamente o melhor pagador do planeta.

Melhor nem falar quanto é que se paga por uma consulta – pode ter algum recém-nascido lendo este artigo –, muito menos o tempo que demora para ser paga. Repasses atrasados e glosados do SUS estão quebrando muitos hospitais, inclusive os universitários, que não têm como se defender. Então, não adianta o candidato bradar que irá fazer ‘uma blitz na saúde’, ou que ‘nos primeiros meses de governo, todos os recursos da prefeitura serão concentrados na saúde’. As prefeituras não têm recursos para ‘concentrar’ nada. No máximo, implorar para ganhar uma ambulância do governo estadual (caso o governador seja do partido) ou rezar para que um deputado estadual se lembre da terrinha onde nasceu, e precise de votos para sua campanha. Vale também – e como vale! – um ministro ‘abrindo as portas’. Aí, lá vem a ambulância com o logotipo do governo do estado com 25 m2 e os dizeres, em vermelho-apocalipse e Times New Roman corpo 275, ‘Administração Municipal 2000-2004’. E estamos conversados.

Nota 2 – A saúde dos povos é medida, principalmente, por dois indicadores: a expectativa de vida e a taxa de mortes de crianças antes de completar um ano de vida (mortalidade infantil). No Brasil, o 182.124.873º brasileiro, que está nascendo neste instante, deverá viver em torno de 70 anos, se não morrer antes, é óbvio. Pois o caso é que 30 em cada mil crianças não irão ultrapassar um ano de vida. Ainda é um vexame (estamos em 89º lugar em expectativa de vida, e em 100º lugar em mortalidade infantil, no mundo), mas é muito melhor do que há 25 anos… se é que isto é consolo.

Segundo as previsões do IBGE, em 2050 chegaremos aos índices (de hoje) do primeiro mundo. É preciso, então, combinar com o primeiro mundo de forma a que este fique parado onde está, que nós já estamos chegando. Mas, devagar, devagarinho – leia esta gracinha, um Editorial do O Estado de S.Paulo, de 14/10/2003 (grifos nossos):

‘Estudo do Ministério da Saúde revelou que 17 Estados não cumpriram, em 2002, a Emenda Constitucional n.º 29, desviando para outras atividades recursos que deveriam ser destinados aos serviços e ações de saúde. Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul foram os Estados que tiveram os piores desempenhos orçamentários na área da Saúde. Aprovada em 2000, a Emenda Constitucional determina aumento de 1 ponto porcentual ao ano, no orçamento da Saúde, para os Estados que já gastassem 7% da receita, no ano da promulgação da Emenda, até atingir, em 2004, 12% da arrecadação dos impostos estaduais. Os dados do Ministério da Saúde revelam que dois terços dos 27 Estados brasileiros simplesmente não cumpriram a determinação.

Os governadores que agiram desse modo não estão isolados: com os vetos impostos pelo Executivo à Lei de Diretrizes Orçamentárias referente a 2004, a obrigatoriedade constitucional da União gastar 1,88% do Produto Interno Bruto com Saúde também não será cumprida. No orçamento do próximo ano, o governo federal incluiu gastos de R$ 3,4 bilhões do Fundo de Combate à Pobreza no cálculo do valor mínimo que deveria ser gasto exclusivamente no setor de saúde. Na prática, programas como o Bolsa-Alimentação – que eram pagos pelo Ministério da Segurança Alimentar e que devem custar, em 2004, R$ 1,2 bilhão – passam a ser pagos com as verbas do Ministério da Saúde. Com isso, os recursos do Ministério da Saúde – R$ 32,4 bilhões – sofreram um corte de 11%. O reflexo desse corte será dramático: por exemplo, as verbas do Sistema Único de Saúde, descontada a inflação, serão em 2004 menores do que as de 2003!

Como o governo federal está agindo desse modo, prefeitos e governadores também se sentem autorizados a fazê-lo. No caso do Estado do Rio de Janeiro, não cumprir a Emenda n.º 29 significou dedicar apenas 6,13% da receita estadual para a Saúde, no ano passado, quando deveria ter destinado 9% – na prática, um corte de R$ 271,2 milhões nos recursos do setor. Neste ano o quadro será ainda pior. A Assembléia Legislativa aprovou dois projetos do Executivo, transferindo R$ 489 milhões do Fundo Estadual de Saúde para oito projetos assistencialistas da administração Rosinha Matheus, entre eles a ‘sopa do cidadão’ e o ‘cheque cidadão’. O quadro não é muito diferente em outros Estados grandes, como Paraná e Minas Gerais.

Nota 3 – Transcrevo trechos de uma notícia do jornal Panorama (1/10, pág. 9), de Juiz de Fora (MG), dada por Evandro Eboli, da Agência O Globo:

BRASILIA – Em discurso feito num palanque na sua terra natal. em Santos Dumont (MG), no sábado passado, o ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Luiz Dulci, ressaltou as vantagens e a importância de o prefeito a ser eleito ter ligação com o presidente da República (…) Dulci afirmou que o candidato que ele está apoiando na cidade, o também petista Evandro Nery, se eleito, terá livre acesso aos ministérios em Brasilia (…) – Quero dizer com muita clareza para que não haja dúvida: Santos Dumont faça sua parte elegendo o melhor candidato, o melhor prefeito, o mais preparado. Não erre. Não desperdice a oportunidade de ter um prefeito que é diretamente ligado ao presidente da República. Nossa cidade não pode desperdiçar essa oportunidade. Portanto, Santos Dumont faça sua parte que o governo federal vai fazer a parte dele. Isso eu garanto e reitero. O governo federal vai trazer muitos recursos para Santos Dumont. Será urna nova cidade se tivermos aqui um parceiro à altura daquilo que o governo federal quer fazer por Santos Dumont. Mas, para isso, é preciso ter gente da nossa cidade em Brasília, em Belo Horizonte.’

(Santos Dumont agora vai! O povo sandumonense captou a sutil mensagem do ministro Dulci e elegou o petista Evandro Nery com 49% dos votos…)

Então, salve-se quem puder, e salve-se ainda mais quem puder pagar um plano de saúde. Mesmo assim, cuidado! Tem muito plano indo pro brejo financeiro, qual um candidato, não suportando as próprias promessas.

Roubalheira e corrupção – Meu pai já dizia que, se fosse investigado direito, tinha corrupção e desvio de verba até na caixinha de esmola da igreja. E não é que apareceu, dia destes, a notícia que na igreja de Nosso Senhor do Bonfim, em Salvador, Bahia, meia dúzia de meliantes pescavam (isto mesmo) doações da caixinha de esmolas da igreja?! E isso há mais de 10 anos – nos fins de semana dava umas 500 pratas para cada um…

Voltando aos prefeitos e às campanhas, todos os candidatos, é claro, são uns anjinhos dignos de esvoejar barrocamente no teto da supracitada igreja soteropolitana – exceto os adversários, que são uma quadrilha de contumazes dilapidadores do erário. E, antes que o odor de santidade provoque estados alterados em nossas mentes, é muito interessante ler coisas como a deliciosa reportagem do caderno ‘Eleições 2004’, da Folha de S.Paulo (1/10), onde fica-se sabendo das travessuras de 199 prefeitos afastados nos últimos três anos e meio, por falcatruas diversas que vão desde uma ‘lancha-ambulância’ atracada no porto do quintal de um prefeito do Pará até 5 mil cadernos escolares com a foto do prefeito de Itagimirim (BA). É de rolar de rir, e dar toda razão (e combustível) ao Dias Gomes, com o seu absolutamente real Odorico Paraguaçu.

Mas a reportagem da Folha fixa-se apenas nos prefeitos afastados (1 em cada 28 prefeitos). Tem prefeito recordista que foi ‘afastado’ e voltou 6 ou 7 vezes, tem prefeito com centenas de cheques sem fundos, tem prefeito com obras pagas e inexistentes… E tem mais, muito mais. Veja-se uma das chamadas da capa da revista Época, da semana passada: a investigação, feita pelo governo, sobre os prefeitos de 310 cidades revelou que 98% (!) destes têm algum tipo de culpa no cartório, que vai desde a simples incompetência até as concorrências fraudadas.

A corrupção é endêmica no país, como mostram estes números. É daí pra baixo, como se verá no próximo artigo. Até lá.