Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quando a rotina do repórter é quebrada pela emoção

Um professor de Jornalismo muito meu amigo, com certa frequência repetia que o jornalista esportivo era a única espécie de jornalista que não é frustrado. Dizia: “O jornalista esportivo é o único que vê o fato acontecer no momento, e não corre atrás para descobrir como aconteceu”, algo neste sentido, que, infelizmente, não é transcrito em sua perfeição pela falta de sublimidade de minha memória.

O setorista do clube que acompanha os treinos, as viagens e as partidas talvez se encaixe com perfeição nessa ideia de jornalista não frustrado do meu amigo e mestre. O jornalista esportivo vive e convive muito mais com o boleiro do CT, ou com o massagista do time X, do que com sua família. De segunda-feira a sexta-feira acompanhando a movimentação da equipe, coletivas de imprensa, ba-fa-fás relacionados a transferências de quem vem ou de quem irá, muitas vezes meros delírios jornalísticos para ter pauta a preencher as horas e horas a fio dos debates, das resenhas e dos programas de notícia que invadem os canais a cabo, as frequências AM e FM, as linhas dos jornais e das páginas online. No sábado ou no domingo, as famigeradas partidas, os espetáculos na Terra consomem 5, 6, 7 horas de um jornalista esportivo, e neste momento só me dedico a falar dos repórteres. Além do tempo no estádio, há o pré-jogo e o tradicional jantar pós-partida. Lá se vai o fim de semana, sagrado ao trabalhador “comum” da família para o compromisso profissional.

Quem cobre esporte, quem cobre futebol no seu dia-a-dia e, especialmente os chamados setorista dos clubes de futebol, se torna parte do clube e o clube se torna parte destes. Não numa questão de torcedor, ou ao menos não exclusiva de torcedor. Aquilo vira sua vida, para o bem e para o mal.

Não possuo dúvidas que é uma atividade cansativa, repetitiva e rotineira. Depois de dois anos você já sabe exatamente o que acontecerá, como acontecerá e o que ouvirá. Claro, existem as peculiaridades, quatro vezes numa temporada. Uma polêmica que é realmente uma polêmica, um furo que não é plantado, mas sim, uma informação realmente quente não são rotina nessa vida.

A tragédia da Chapecoense

Mas por que um jornalista esportivo passa 10, 15 anos, fazendo a mesma coisa?

Não sei. Talvez seja o clima. Quem já narrou uma partida de futebol em um estádio tomado, quem já viu a torcida chegando, o estádio enchendo, a expectativa do jogo adentrando aquele ar, às vezes seco, às vezes úmido. O lance inesperado, a reação da torcida, o gol, a cesta, o ponto, a curva. Depois o silêncio, o vazio, a calmaria do ginásio, do estádio após o jogo, quando só resta você, o técnico da companhia de telefonia, o vigilante do estádio e o companheiro da outra estação.

A sensação de se transmitir uma partida é indescritível, ao menos para os apaixonados pelo esporte e pela informação. É viciante. Viciamos no jogo, viciamos nas coletivas inúteis, nos bastidores, nas reuniões, nos treinos, nas viagens. Parece tão rotineiro e tão essencial.

Talvez a ideia de sermos a categoria que assiste o fato acontecer contribua com isto. Eu vejo o gol e consigo detalha-lo sem precisar perguntar ao atleta como ele marcou, só como ele se sentiu ao marcar. A apuração passa pelos meus olhos, o que resta são os sentimentos. O sentimento que o atleta teve, que o torcedor externou, que o espectador, de casa ou do estádio, sentiu.

Jornalismo esportivo, creio, possui um caso de amor com o entretenimento. A linha entre um e outra é fina, tênue, entrelaçando-se e confundindo quem as vê em diversos momentos. Talvez por isto seja tão humano, tão sentimental cobrir uma final. Estudamos para a frieza, não para a emoção. Mas não existe jornalista esportivo que se sustente apenas na caneta e no papel. Para fazer bom é necessária aquela dose de emoção.

Manuais de jornalismo esportivo são raros, escassos, pouco publicados. Como vamos ensinar a passar emoção em frias letras Arial 11? Só se aprende fazendo. Emoção, aquilo que eu e diversos colegas sentimos a saber que colegas, muitos que nunca ouvimos falar, faleceram enquanto trabalhavam.

Raramente se vê um jornalista chorar ao vivo ao cobrir uma tragédia de outra área. O esporte desperta nos que trabalham com ele sentimentos e emoções que nenhuma outra área nos proporciona. A relação do fato com o operador da notícia é mais próxima, mais viva, mais direta. Ela toca mais. E acaba por tocar a todos nós.

Chorei algumas vezes durante os noticiários da tragédia da Chapecoense, especialmente nas notícias relacionadas aos colegas da mídia esportiva. Não sei por quê. Simplesmente vinha a vontade e chorava. Não sei se por saber que poderia ser qualquer um de nós, não sei se por saber que a vida é tão frágil e nossa profissão tão inesperada que na mais rotineira das atividades podemos virar pauta. Não sei se em função de vidas humanas terem se esvairado e levado tão brilhantes mentes do nosso convívio. Não sei se porque o jornalismo esportivo me proporciona tais emoções.

Talvez o que conforte minha mente, e minhas lágrimas, ao pensar nos nossos colegas é saber que eles se vão fazendo exatamente o que amavam, para transmitir emoções, acalentar corações aflitos, mostrar ao mundo a beleza do esporte. Depois disso tudo, talvez meu amigo e mestre tenha razão. O jornalista esportivo não é frustrado pois acompanha o fato de perto. Infelizmente, desta vez, para eles e para nós, essa dádiva saiu pela culatra. Quem acompanha o fato de longe, frustrados, dessa vez, somos nós. Ao menos eles, não sentirão nossa dor.

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Bruno Henrique de Moura é jornalista esportivo e estudante de Direito