O Roda Viva é um programa de entrevistas produzido e transmitido pela TV Cultura há 30 anos (desde 29 de setembro de 1986). O programa, que já venceu 3 vezes o Troféu Imprensa na categoria “Melhor programa de entrevistas”, não tem um perfil definido de entrevistados. Já contou com a presença de diversos líderes políticos, escritores, esportistas, filósofos, músicos entre outras pessoas que foram consideradas notórias para o Brasil e para o mundo. No último dia 14 de novembro, o convidado foi o atual presidente da República Michel Temer – ou melhor, o convidante foi Michel Temer, já que a entrevista foi gravada no Palácio da Alvorada, e não nos estúdios da TV Cultura, como de costume. Em 1h30m de conversa, Temer concedeu sua mais longa entrevista desde que foi efetivado no cargo máximo da política brasileira.
Além do local escolhido, outro fator que sofreu adaptação para a gravação com Michel Temer foi a posição dos entrevistadores. Seguindo a ideia proposta pelo nome do programa, os jornalistas, tradicionalmente, se posicionam formando um círculo em volta do entrevistado. Assim, este por vezes precisa girar 180 graus para debater de frente com quem o está questionando, o que pode causar uma sensação de “estar cercado”, de não ter como fugir da discussão. No programa do dia 14/11, porém, os 6 jornalistas se posicionaram em linha, todos de frente para o presidente.
Historicamente, as características do programa propiciam debates acalorados. Em muitos momentos, figuras políticas se exaltaram ou se acuaram, dada a pressão psicológica que pode ser exercida no modelo original do programa. Em 1994, o então candidato à presidência Orestes Quércia, quando perguntado sobre seu suposto enriquecimento ilícito, se levantou para proferir xingamentos como “safado” e “canalha” ao jornalista Rui Xavier e mandá-lo calar a boca. No mesmo ano, Leonel Brizola também se irritou com uma pergunta de Lenildo Tabosa Pessoa, do Jornal da Tarde, e chamou o jornalista de “Rato”. Já o General Newton Cruz, em 2000, sendo pressionado com perguntas sobre o período da ditadura militar, disse aos entrevistadores: “Pelo jeito, todo mundo está em cima de mim”, ao que o jornalista Paulo Markun lhe respondeu: “Essa cadeira é exatamente para isso”.
O tom, na conversa com Michel Temer, porém, foi muito mais ameno. Mesmo quando o assunto era a Operação Lava-Jato e as menções da Odebrecht a respeito de propinas destinadas diretamente a Temer, as risadas e complacências tomaram conta da conversa. O programa pareceu mais isso mesmo: uma conversa entre amigos, ou até um pronunciamento presidencial não-oficial assistido por profissionais da imprensa. Durante um dos intervalos do programa, Michel Temer agradeceu a um dos jornalistas pela “propaganda” para o seu governo. “Eu cumprimento vocês por mais essa propaganda”, disse Temer, diante das câmeras, provocando gargalhadas dos jornalistas.
Uma das primeiras perguntas feitas foi se Michel Temer será candidato à presidência em 2018, ignorando a pendência judicial que recai sobre ele e que poderia impedir sua candidatura. Acontece que Temer foi condenado, em maio, por unanimidade pelo plenário do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) por ter feito doações ilegais para as campanhas de 2014 de dois candidatos a deputado federal do seu partido, o PMDB, no Rio Grande do Sul. Em nenhum momento o TRE declarou sua inelegibilidade, mas o tribunal afirma ter enviado à 2ª Zona Eleitoral de São Paulo – onde Temer está cadastrado, um comunicado para que essa condenação seja incluída em sua ficha. Assim, sua candidatura dependeria de aprovação do Tribunal Superior Eleitoral.
Em muitos momentos, Temer responde as perguntas olhando não para os entrevistadores, mas para a câmera, que foi colocada à sua frente – o que tecnicamente propicia que isso ocorra -, aproximando-se novamente do formato de um pronunciamento oficial. Temer nunca é interrompido, mesmo quando claramente se estende em suas respostas explicativas. Nada é perguntado sobre o porto de Santos, onde o Grupo Libra, um dos principais doadores de campanha do então vice-presidente Michel Temer, em 2014, obteve uma vantagem inédita para administrar uma área 100 mil metros quadrados, graças a decisões tomadas pelos então deputados Eduardo Cunha e Edinho Araújo, ambos do PMDB e aliados de Temer; nem sobre o time de ministros escolhidos pelo presidente, sem mulheres ou negros, que teve 6 quedas em 6 meses de governo.
A Operação Lava Jato não é tratada em uma conversa minimamente aprofundada e a crise econômica só é abordada quando o objetivo é ressaltar os erros do antigo governo e como o presidente, tão “elegante”, recebeu uma “terra arrasada” – palavras estas do mediador da entrevista, o jornalista Augusto Nunes. Já no fim da entrevista, o editor executivo da Folha de São Paulo, Sérgio Dávila, pede para “registrar um protesto” e em tom de insatisfação, lança a crítica a Temer: “O Senhor não usou nenhuma vez uma mesóclise nessa conversa”. Em meio às risadas de todos no salão, o presidente responde: “Até o final, tentá-lo-ei”, causando mais uma vez gargalhadas da bancada de jornalistas.
Para finalizar, uma conversa descontraída sobre o romance que Temer pretende lançar em breve e uma bonita história de como o presidente se apaixonou pela primeira dama Marcela Temer. Para os entrevistadores, esses assuntos, e não alguns citados aqui anteriormente, é que compõem o interesse público.
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André Lux é analista de marketing, produtor de conteúdo digital e estudante de Jornalismo