As artes são como peles da memória. Cada artista registra nelas – em materiais que vão do barro ao silício – suas impressões históricas.
Dan Flavin (1933-1996), artista norte-americano, construiu suas obras a partir de materiais sem um dos atributos perseguidos insistentemente pela maioria dos artistas e das artes: a perenidade. A memória efêmera era o tema de Flavin, que produzia seus ‘monumentos’ sobre itens como lâmpadas fluorescentes, de luz branca, funcional, encontrada em qualquer escritório. Sua obra, para ser reconhecida, deve estar necessariamente em um museu ou galeria de arte. E, ao ocupar esse espaço, para ser reconhecida, precisa de uma etiqueta de identificação: o que representa e o nome do artista. É um artefato que se propõe instável, cujo tempo de vida é igual ao das lâmpadas. É uma memória que não fica. É impressão fugaz do artista, pronta para ser copiada, reciclada. É desprezada por ladrões de artes. Não quer imitar nada, não quer ter um valor e, aparentemente, não quer enviar recados, mensagens ou críticas. Nada nela é erótico, político ou monetário. É observar e passar. Fotografar e, caso queira copiá-la, basta uma loja de material elétrico.
A obra de Dan Flavin é divertida, embora nos lembre o tempo todo a nossa natureza passageira e a impermanência das coisas na vida. Suas lâmpadas e os objetos fetichistas de marca, na nossa sociedade de consumo, acabarão nos lixões urbanos. Assim como os palácios, as casas desenhadas por renomados arquitetos e a palhoça, tudo se transformará em ruínas, acabará, como diria, Milton Santos (1926-2001), em rugosidades entre as construções das cidades contemporâneas.
Grande arte
Flavin é fenômeno temporal, como todas as outras artes, mesmo aquelas com programa político de criação. Nos primeiros anos da Revolução Russa e do Nazismo, uma parte das artes se transformou em cartazes datados, apesar de sua intenção eterna.
Esses comentários sobre Flavin não querem desvalorizar outro tipo de memória artística, que proponha leitura simbólica e contemplação, como as obras que tem no mármore, no granito ou no bronze as matérias-primas, nas quais homens e animais esculpidos parecem esperar apenas o toque dos deuses para ganhar vida. Habilidade do artista em transformar bronze e pedra em carne humana, como diz Tom Wolfe, em ‘O artista invisível’, sobre o escultor Frederick Hart, um exemplo, para Wolfe, da grande arte que a sociedade atual não quer ver. No meu ponto de vista, não é uma questão de visão. É apenas outra pele da memória, canônica e necessária para uma sociedade sem lembranças.
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Jornalista, professor da ECA-USP e diretor-geral da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje)