Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cinco décadas de cinema

Clint Eastwood, aos 86 anos, voltou a brilhar nas telas com seu filme mais recente: “Sully, o herói do rio Hudson”.

Trata-se de um filme menor de Eastwood, mas é superior a tudo que se faz em Hollywood atualmente.” ― curvou-se um crítico hostil. Isto é, até os trabalhos ditos “menores” brilham na longa história de Clint, que inclui quatro Oscar, entre outros troféus. Por duas vezes ele foi eleito o ator favorito dos norte-americanos e é o único ator da história do cinema a estrelar filmes considerados de “grande sucesso” por cinco décadas consecutivas.

A revista Esquire  fez uma macropesquisa de opinião com homens jovens norte-americanos, entre os 20 e os 40 anos, realizada para eleger “o cara mais legal da história do cinema”.

Campeão absoluto? Clint Eastwood.

Na verdade, em vez do “cara” acabaram elegendo o “coroa” mais legal… Mas, a escolha é compreensível para quem nasceu nos anos 1960/70, e cresceu assistindo os filmes de Dirty Harry que, entre tiros e socos, fazia justiça do seu jeito. Tudo bem, mas… não parece estranho o voto no velhote de Cowboys do espaço, em vez de, por exemplo, George Clooney?

Talvez. Mas, a revista sugere uma explicação: nas incontáveis crises que pontuaram a masculinidade “made in Hollywood” nos últimos 50 anos, Eastwood tem construido uma imagem de coerência e solidez em meio à incerteza e à confusão. A escolha parece uma refutação ao tipo “machão” (Burt Reynolds), aos feios engraçados (Woody Allen), aos insolentes charmosos (Bill Murray) e aos bonitões frios e enigmáticos (Steve McQueen, Brad Pitt).

Clint Eastwood conseguiu encarnar a virtude masculina definitiva, que jamais sairá de moda: a moderação. É uma ironia que Clint seja às vezes confundido com um ícone machista: o machismo é característico de tipos inseguros que compensam suas dúvidas exaltando a própria masculinidade. Eastwood parece nunca ter “dúvidas”, nem necessidade de “compensar” nada. Sua marca é necessitar o mínimo, ter o mínimo, explicar o mínimo… Esse é o seu dom: economia de movimentos e de ação.

É um arquétipo dotado de autodomínio exemplar. Normalmente seus personagens combinam dois papéis clássicos: o detetive amargo típico de Dashiell Hammett e de Raymond Chandler e o cowboy solitário que monta seu cavalo e abandona a cidade a trote, depois de cumprir o seu dever.

À medida que envelheceu, essa virtude de Clint se enriqueceu com um traço de tolerância diante da fragilidade alheia. Assim como ocorre aos grandes vinhos, o envelhecimento lhe fez bem: em vez de avinagrar, Clint Eastwood cresceu com o decorrer do tempo.

Por certo, Dirty Harry, seu personagem dos primeiros tempos, não deixava de ter um toque fascista fazendo justiça pelas próprias mãos. Mas Sobre meninos e lobos (Mystic River) é uma reflexão profunda sobre o instinto de vingança, e Gran Torino, além de discutir o racismo, é um ato de fé na justiça: não renega, mas deixa Dirty Harry para trás.

Além disso, a audácia e a coragem de apostar em cada novo projeto: Clint Eastwood se atreve com tudo – até mesmo com a celebração de um herói inesperado, em seu filme mais recente.

A Esquire saudou-o como um octogenário surpreendente e ousado, criativo, de mente aberta, nada a ver com o culto as celebridades: por isso o elegeram o cara – e/ou o coroa – mais legal da historia do cinema. Foi um ato de justiça: é o reconhecimento a um dos raros fenômenos do show business que podem servir como exemplo e como esperança para a vida real.

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José Antonio Pinheiro Machado é jornalista e crítico gastronômico