A comunicação governamental passa por mudanças e processos de ruptura de modelos absolutamente ultrapassados. E isso tem se dado mais por necessidade de contexto, de dinâmica da própria sociedade do que por mérito de ainda poucas iniciativas isoladas. Essa exigência por mudança de padrão não é um fenômeno local, mas global. É este um dos pontos que se pode extrair da pesquisa “O Relatório dos Líderes – O futuro da comunicação governamental”, conduzida pela WPP Group, uma das maiores empresas de comunicação corporativa do mundo. O relatório, divulgado nesta terça-feira (17/01), em Londres, apresenta o resultado de pesquisa aplicada com cerca de 240 líderes de comunicação governamentais de quase 30 países, com entrevistas e questionários qualitativos. No Brasil, por exemplo, a pesquisa foi conduzida pelo Ibope Inteligência e ouviu gestores de comunicação de órgãos públicos de diferentes esferas.
A pesquisa é abordada em cinco tópicos: confiança, audiência, conversação, capacidade e influência. Possui outros desdobramentos, mas são nestes pontos que sua análise é desenvolvida pelos consultores. Entre as diferentes possibilidades de abordagem, destacamos rapidamente duas delas, embora todas mereçam consideração.
O próprio título do tópico “audiência” explica bem a ideia geral: “Desligue o megafone. Atenção aos dados”. Basicamente, os gestores de comunicação de órgãos públicos mundo afora concordam que ainda dependem fortemente de um modelo de comunicação de difusão ampla, com até 90% da comunicação do governo direcionada a uma genérica “audiência geral”.
Ou seja, ainda se faz uma comunicação unidirecional, baseada na divulgação de informações, reproduzindo um modelo que pode ter funcionado no século XX, mas que já foi bastante superado nesses novos tempos. Isso é problemático por duas razões, de acordo com os resultados da pesquisa. Em primeiro lugar, uma comunicação eficaz depende tanto da transmissão como da disseminação, a fim de minimizar a falta de informação e o boato. Em segundo lugar, o mundo é composto por populações cada vez mais heterogêneas: a extrema urbanização atual, a migração de mão-de-obra e a migração de conflitos estão intensificando rapidamente a interseção de diversos grupos com diferentes necessidades de comunicação.
O cidadão como centro da comunicação governamental
Assim, os cidadãos – e não os governos – devem ser colocados no centro do processo de comunicação e envolvidos em termos mais personalizados. Por isso, não se deve mais apenas pensar no resultado de entrega de comunicação, mensurando nível de exposição na mídia tradicional. E, sim, em formatos de comunicação que façam a mensagem chegar a quem precisa e que ela – a mensagem – engaje, sensibilize, transforme. Para tal, o foco no cidadão precisa estar no centro das políticas públicas. Alguns índices – de saúde, por exemplo – podem ter melhorias consideráveis através de ampla campanha de conscientização e educação de saúde preventiva.
Logo, a comunicação não deve simplesmente divulgar o que vem sendo feito e tornar-se uma das próprias política s empregadas para melhorar os indicadores. A mensagem, afinal, pode se encerrar nela própria. O resultado da comunicação, agindo assim, vai muito além de números de matérias positivas ou negativas expostas na mídia. Os governos podem não ter ainda percebido, mas já foi superada a lógica onde, tradicionalmente, as funções de comunicação do governo se concentravam no gerenciamento da cobertura da mídia sobre suas políticas públicas.
Logo, a comunicação governamental deve romper com a lógica de ser vista como uma ferramenta acessória acionada para disseminar informações e mais como um mecanismo importante para consultar ou envolver a sociedade.
Em outro ponto do relatório, em “capacidades”, a análise destaca que os governos rotineiramente dizem aos seus cidadãos o que estão fazendo e como, mas menos frequentemente por quê. No entanto, “explicar por que ocorre um curso de ação pode ajudar a minimizar a resistência dos cidadãos: eles ainda podem não gostar de uma política ou curso de ação (como a austeridade), mas podem concordar com ele se entender por que é necessário”, diz o relatório.
O cantor e compositor Renato Russo, durante um show, brincou dizendo que “as pessoas acham que tenho as respostas, mas eu não sei qual é a pergunta”. Talvez os governos tenham todas as respostas. Porém, não conseguem ouvir e dimensionar as perguntas. É somente através de uma comunicação de duas vias que os governos passam a ser capazes de avaliar as questões mais salientes e enquadrar o seu “porquê” em termos que mais terá ressonância com as questões e perguntas que vem do público. Isso, como aponta o relatório, ajuda a envolver os cidadãos no processo de comunicação e demonstrará que as necessidades públicas estão no centro das decisões e ações do governo. Inclusive nas práticas de comunicação, permitindo um diálogo mais constante, ágil, colaborativo e transparente.
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Daniel Nardin é jornalista, mestre em Comunicação e Sociedade, Secretário de Estado de Comunicação do Governo do Pará. e membro da diretoria da Associação Brasileira de Comunicação Pública.