Há muito se tem falado e discutido sobre a capacidade dos jornais de cumprir sua tarefa fundamental: informar, com clareza e confiabilidade, a sociedade da qual faz parte.
Talvez, além da pouca da criticidade, seja justamente a falta de clareza e confiabilidade que nos permitem traçar possíveis causalidades sobre a notável queda (ano a ano) no número de exemplares e acessos dos jornais tradicionais, concomitante ao surgimento de mídias específicas que parecem ganhar espaço no vácuo criado pela baixa qualidade crítica da informação oferecida pela grande imprensa.
Um dos exemplos é o Nexo Jornal. Com trabalho cuidadoso, baseia sua produção em dados e pesquisas, quase sempre preenchidas com gráficos ou materiais de apoio que facilitam a compreensão dos leitores. Tem também explorado questões controvertidas através de posicionamentos de pessoas com notório saber sobre o assunto em pauta e com pontos de vistas antagônicos, talvez partido da percepção de que muitos já se cansaram de ver gente (humoristas, atores, músicos, etc.) discutindo assuntos completamente fora do seu domínio por oferecem, como único atrativo, a popularidade de sua persona.
Há também as fact-checking (como a Agência Lupa), que trazem para si a função de checar a veracidade dos dados e declarações que surgem nos jornais. São exemplos que parecem trazer à tona a tentativa de resgate de uma joia cada vez mais rara no jornalismo: a imparcialidade. Mas são pontos fora da curva por serem específicos e, também por serem específicos, poucos são os leitores que podem montar um painel do noticiário cotidiano buscando partes essenciais das informações espalhadas dessa forma. Além do mais, são construídas após a disseminação das informações. São posteriores, portanto, sem a mesma força ou alcance.
É bem provável que essas especializações não surgissem se a imprensa fizesse o que lhe é básico: checar as informações e transmitir com clareza aquilo que publica. Mas o que temos visto é a grande parte da mídia pautar suas matérias, com muita frequência, em releases e não em investigações (vide as ações da Polícia Federal ou das promotorias). Tem sido cada vez mais raras matérias como as de Gil Alessi no jornal El País sobre o projeto que acabaria com o estatuto do desarmamento, em que o jornalista assume uma postura crítica frente aos argumentos do deputado federal autor do projeto. Pesquisar, perguntar, apertar, ir mais a fundo, esmiuçar, verificar, utilizar dados parece ter virado incomum no jornalismo do dia-a-dia.
Também chama atenção que cada vez mais os jornais têm se assemelhado a mera plataforma de discursos, muitos dos quais não se sustentam à mais simples checagem. Pior, uma plataforma que não se limita somente aos artigos de opinião: os discursos transpiram fortemente nas reportagens justamente pela falta de criticidade dos profissionais de jornalismo que os escrevem (ou transcrevem).
Diante da avalanche de informações e discursos, é evidente a demanda do público leitor à tradução dos “ês” (economês, juridiquês e outros “ês”) que permeiam as notícias cotidianas e que impactam diretamente a sociedade, frutos também da ausência do papel jornalístico (filtragem e tradução) que permite que o discurso se aproprie da notícia. E assim as mídias sociais têm se ocupado dessa tônica.
Num palavreado mais simples, mais direto, as redes sociais têm sido usadas por muitos para tornar compreensível o que muitas vezes estava incompreensível nos jornais. Um tradutor, outra linguagem. Também é comum que links de matérias de jornais sejam acompanhadas da “tradução” daquele que compartilha a informação na rede. Não seria à toa que o Facebook tenha se tornado responsável por grande parte da informação circulante, como já publicado pelo Observatório de Imprensa no artigo “Cerca de 70% dos brasileiros ativos no Facebook se informam pela rede social” .
Pode-se (e deve-se) alegar falta de confiabilidade das informações geradas e compartilhadas pelas redes sociais, mas, para o público geral, talvez nesse quesito esta não esteja tão distante se comparada às mídias tradicionais: novamente, pouco claras e pouco confiáveis.
Sabendo que as redes sociais não são garantia de informação confiável e imparcial, lembrando que os jornais sofrem também uma acentuada crise de confiança e isenção, o que impedirá que estas últimas não sejam completamente absorvidas pelas primeiras, permanecendo tudo num mesmo e confuso caldo?
Podemos estar presenciando não só a democratização da informação, como muitos querem acreditar, mas também o fim do fazer jornalístico como fonte básica na construção da informação. Ou, em outras palavras, o domínio da informação despida de ética.
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Alexandre Marini é é sociólogo e professor