‘Em busca de uma forma diferente de abordar por antecipação o recente debate parlamentar sobre o Estado da Nação, na edição do próprio dia em que teria lugar (10 deste mês), o PÚBLICO concluiu, nas palavras do seu director, que ´era mais interessante pedir a um conjunto muito alargado e muito diverso de personalidades portuguesas que formulassem perguntas ao primeiro-ministro do que entregar esse trabalho a jornalistas da casa especializados nas diferentes áreas´.
A ideia, segundo José Manuel Fernandes, ´implicava vários riscos´, sendo que ´o primeiro era conseguir que um número suficiente e suficientemente diversificado de personalidades acedessem ao nosso convite´. Conclui José Manuel Fernandes: ´Essa aposta foi ganha, mas implicou envolvermos na recolha das perguntas 16 jornalistas´.
Um desses jornalistas foi Isabel Coutinho, que em mensagem ao cineasta António-Pedro Vasconcelos explicava: ´O PÚBLICO quer registar a pergunta que gostaria de fazer ao primeiro-ministro caso pudesse estar presente no plenário da Assembleia da República (…). Terá de ser curta e directa, embora a possa antecipar com uma breve (400/500 caracteres) justificação dos motivos que o levam a considerar como fundamental´.
António-Pedro Vasconcelos correspondeu à solicitação, avisando porém Isabel Coutinho: ´Mesmo depois de muito cortar no texto de introdução, não consigo resumir mais. Sobretudo porque a questão é demasiado genérica para dispensar o preâmbulo´. Isto tinha a ver com o segundo risco apontado por José Manuel Fernandes: ´Conseguir que os que convidávamos (…) respeitassem o número de caracteres que lhes havia sido pedido. Isso não foi conseguido, e (…) imaginámos uma forma de paginação com alguma elasticidade e capaz de acomodar textos de diferentes dimensões.´
Mas quando António-Pedro Vasconcelos abriu o PÚBLICO desse dia descobriu que toda a introdução da sua pergunta havia desaparecido. ´Não queria acreditar´, escreveu a Isabel Coutinho. ´Disse-me que estava tudo bem. O problema é este: tal como saiu, a minha pergunta é de um atrasado mental. E não havia necessidade, como dizia o outro. Bastava deixar-me de fora, em vez de me obrigar a fazer figuras tristes´.
Sem responsabilidades no sucedido, pois limitou-se a reencaminhar a pergunta para a direcção, Isabel Coutinho ainda informou António-Pedro Vasconcelos que as 34 questões recebidas, incluindo a sua, estavam integralmente transcritas no PUBLICO.PT, o que porém foi fraco consolo para o realizador: ´Há muita gente, como eu, que continua a preferir o papel´. Além de que haviam sido publicadas pelo jornal perguntas tão extensas como a dele, de José Saramago e Gonçalo M. Tavares – sugerindo, adianta o provedor, que o PÚBLICO deu aqui vantagem aos homens das letras em detrimento dos homens das imagens.
A questão completa dirigida por António-Pedro Vasconcelos a José Sócrates (em que a introdução tinha uns 300 caracteres a mais do que o pedido) era esta: ´Parece uma evidência que o mundo está sem resposta para a profunda crise económica e social que aí vem. Não há medidas reformistas que travem a explosão dos preços, a escassez dos recursos e a escalada de protestos. A proletarização das classes médias vai agravar-se. O recurso ao roubo, à fraude, à fuga dos compromissos com o crédito, vai aumentar. Já não temos o recurso da guerra nem dos regimes duros para mascarar as crises. Há o risco sério de o Estado baquear, de o poder cair na rua e de o caos se instalar. Portugal é o elo mais fraco da UE. Nestas circunstâncias, as oposições não vão perder nenhuma oportunidade para criticar o governo por tudo o que acontecer. E, se as coisas azedarem, o PM não pode esperar, como já se percebeu, a solidariedade do PR. Num mundo globalizado, numa Europa enfraquecida, o que acha que pode prometer ainda aos portugueses?´
Na edição em papel, surgiu apenas a última frase. Reacção do autor junto da jornalista: ´Não estou para passar impunemente por um imbecil. (…) Exijo ser tratado com correcção. Não fui eu que pedi para fazer uma pergunta ao Sócrates. E tive a precaução de pedir que me ligasse se houvesse problema com o tamanho. A ter que cortar, cortava eu [apesar de – note-se – ter antes confessado a sua incapacidade para o fazer]´. E na consequente queixa que fez ao provedor fundamentou ainda António-Pedro Vasconcelos: ´Entendo que se trata de um injustificável e inexplicado atentado aos meus direitos. No limite, aceitaria que me dissessem que a minha pergunta estava longa, que havia respostas a mais, tudo menos reduzi-la à sua expressão mais simples, que me faz passar por um idiota´.
O provedor declara desde já entender que a pergunta, tal como saiu, é coerente e não faz de António-Pedro Vasconcelos idiota, imbecil ou atrasado mental. Haverá também quem diga que este caso se trata de uma tempestade num copo de água. Admitiu aliás António-Pedro Vasconcelos a Isabel Coutinho: ´Dirá que estou a ferver em pouca água [a do copo?]´. E na sua reclamação reconhece, do mesmo modo: ´Dir-me-ão (já me disseram) que o assunto não tem a importância que eu lhe estou a dar´. Mas conclui: ´Para mim é uma questão de princípio: se deixamos passar estas coisas, deixamos passar tudo´.
O problema, na verdade, não está em saber se o que saiu desvirtuou a pergunta mas sim em apurar se o jornal pode tomar a iniciativa de mutilar uma colaboração escrita que pediu sem, no mínimo, prevenir o autor e obter o seu acordo.
Nas explicações que o provedor lhe solicitou, José Manuel Fernandes explana o processo de produção das duas páginas com as perguntas solicitadas, invocando ainda um terceiro risco: ´Conseguir fechar a horas, isto é, (…) que todos enviassem as suas contribuições em tempo útil. (…) À hora de almoço da véspera da publicação apenas tinham chegado umas 20 contribuições´.
Para o que aqui importa, o director relata: ´Dos 34 textos que recebemos, 21 tiveram de ser condensados. (…) Este trabalho de edição levou cerca de cinco horas (…) e obrigou a várias adaptações para ir conseguindo ‘encaixar’ as novas contribuições que iam chegando´. E faz uma comparação talvez devida ao perfil do reclamante: ´A opção de reduzir os textos pareceu-nos absolutamente adequada: da mesma forma que um filme ganha ritmo se for limpo de cenas redundantes ou menos importantes, aquele trabalho ficaria virtualmente ilegível. A forma como foi apresentado e, ao mesmo tempo, complementado com a publicação na íntegra dos textos no on-line [cuja remissão José Manuel Fernandes lamenta não ter sido feita no papel, ´um erro, motivado pelos atrasos´] fez com que tivéssemos recebido muitos elogios de leitores´.
Quanto ao texto de António-Pedro Vasconcelos, ´optou[-se] por deixar apenas a pergunta, que (…) pareceu pertinente´. Mas resta a questão fulcral: a legitimidade para o jornal proceder unilateralmente ao corte. ´Em condições ideais o PÚBLICO deveria ter consultado de novo as 21 personalidades cujos textos tiveram de ser adaptados, (…) mas as condições em que se processa o fecho de jornal diário não o permitiriam nunca, sobretudo porque muitas das contribuições chegaram-nos muito tarde´, alega José Manuel Fernandes. ´Compreendemos que António-Pedro Vasconcelos possa sentir que o seu texto foi irreparavelmente truncado, mas agimos de absoluta boa-fé´.
É claro que a boa-fé (de que o provedor não duvida no caso) não substitui as regras. Não existe no Livro de Estilo do PÚBLICO uma norma específica para esta situação, mas por analogia entende o provedor que lhe é aplicável a alínea c) do ponto 6 do capítulo ´Os factos e a opinião´, que estipula a certa altura: ´Toda a intervenção do jornal num texto de opinião só é admissível com prévia autorização do autor´. Esta é a recomendação do provedor na circunstância. À redacção competirá fazer com que tal seja possível.
CAIXA
Forma e conteúdo
Nas suas reclamações ao provedor, os leitores dividem-se em duas correntes: os que acham as gralhas, discordâncias linguísticas ou erros técnicos questões menores, inevitáveis em artes gráficas, e os que projectam esses acidentes como faceta essencial (da suposta decadência) do PÚBLICO. O provedor acha que não deve tomar posição, competindo-lhe estar atento a essas duas componentes do seu ofício. Ambas concorrem para dar ou retirar consistência ao projecto do PÚBLICO como jornal que se pretende de referência.
Compreende-se assim, por um lado, a argumentação do leitor Carlos Machado Acabado que considera relevante, sim, o facto de na pág. 25 de um recente caderno biográfico dedicado pelo jornal a Fernando Pessoa (distribuído só aos compradores que entregaram o talão da véspera) os norte-americanos Walt Whitman e Edgar Allan Poe tenham sido apresentados como ´poetas ingleses` (estaria bem ´poetas de língua inglesa´): ´Uma gralha ou até mesmo uma ou outra ocasional ‘perturbação’ de concordância e/ou sintaxe são episódios linguísticos e culturais aborrecidos mas seguramente não ‘fatais’ relativamente aos conteúdos que se supõe serem por elas e através delas veiculados – os quais representam, esses sim, a essência verdadeiramente elementar do que está impresso´.
Mas também se entende a perturbação de José Oliveira, ao reclamar por a pág. 38 da edição de 7 de Julho, pertencente à secção de Economia, ter sido também integralmente reproduzida (com a mesma numeração) no lugar da pág. 28, de outra secção, privando os leitores de conhecerem o conteúdo da verdadeira pág. 28: ´Quando eu esperava que na edição [seguinte] houvesse um ‘O PÚBLICO errou’ a reconhecer o erro e pedir desculpa aos leitores, exaustos com tanta anarquia, …nada, silêncio absoluto. Portanto: total falta de respeito do jornal para com os seus leitores pagantes´.
Não é de facto agradável ler, na edição de ontem (19 de Julho), logo em subtítulo da manchete: ´Lista foi fornecida à política [em vez de ´polícia´] britânica´. Ou uma legenda incompleta na reportagem de Alexandra Lucas Coelho sobre o Afeganistão (pág. 8 do P2): ´Como Cabul está entre montanhas, é por elas que a´.
NOTA: Não se publicará a crónica do provedor no próximo domingo.’