Se você é funcionário da rede de televisão NBC em Nova York e não se adaptar às drásticas mudanças que vêm sendo implantadas na redação local, ‘você sabe o que vem depois’. Desta maneira pouco cordial, jornalistas da emissora nova-iorquina WNBC foram formalmente avisados sobre a data de lançamento do novo canal de notícias da empresa, o New York Nonstop. Sem contratações ou ampliação de equipe, o grupo responsável pelos telejornais locais do canal 4 também terá a incumbência de preparar conteúdo para o novo canal.
Descrito como uma mistura entre o factual e programas de comportamento, o New York Nonstop entra em cena ao mesmo tempo em que vários jornalistas na NBC perdem seu emprego – naquilo que está sendo descrito como a migração da redação convencional para um centro de conteúdo, onde não existem mais as tradicionais funções do telejornalismo, mas, sim, profissionais multifuncionais, devidamente preparados para gerar material tanto para os noticiários do canal 4, quanto para a página eletrônica na internet e para a emissora recém-chegada. Estima-se que o investimento no New York Nonstop tenha sido na casa dos 20 milhões de dólares para as reformas físicas na redação e aquisição de novos equipamentos digitais.
E este processo está sendo de tudo menos tranqüilo para os jornalistas da NBC. Desde o anúncio do lançamento do canal de notícias – em maio do ano passado – até hoje, dezenas de profissionais veteranos foram dispensados para dar lugar a recém-formados – obviamente mais baratos e dispostos a trabalhar por um salário bem menor.
Erros e uma sucessão de gafes
A redação foi inteiramente desmantelada e outra nova construída, com todas as ferramentas digitais necessárias para minimizar os custos da produção de notícias. Repórteres passaram a acumular a função de editores e cinegrafistas também passaram a fazer reportagens solo. Em cada posto de trabalho, não existe apenas o computador para escrever e editar reportagens. Uma câmera permanentemente montada ao lado da estação de trabalho está disponível para a gravação de passagens ou boletins. Desta forma, o repórter não precisa ocupar um carro de reportagem para ir à rua ‘gerar despesas’. E se sair, haverá de gravar duas versões da matéria. Uma para cada emissora.
Após meses de suspeitas e desconfianças por parte dos funcionários, um processo de re-seleção de pessoal começou em outubro do ano passado, quando literalmente toda a equipe de jornalismo do canal 4 foi convidada a justificar suas vagas na redação. Testes de aptidão foram conduzidos a fim de avaliar a habilidade que cada profissional tinha para trabalhar em várias funções ao mesmo tempo. ‘Nós solicitamos à nossa redação que se adaptasse ao atual ambiente digital e que transformasse a sua maneira de produzir notícias. Enquanto esse tipo de mudança pode ser difícil, é chave para melhor servir nosso público’, explicou a porta-voz da WNBC canal 4, Susan Kiel. Apesar da justificativa engomada, as mudanças não foram bem recebidas pela equipe da emissora e pelos companheiros de imprensa.
O jornal New York Post noticiou que os novos profissionais não seriam mais chamados de produtores ou editores, mas sim, de ‘captadores globais de notícias ou algum outro título ridículo como esse’. Com profissionais sobrecarregados e muitos inexperientes, o resultado passou a ser catastrófico para os telejornais do canal 4. Tão logo as mudanças passaram a ser executadas, erros passaram a ser freqüentes. Como se vê nesta seqüência postada no YouTube, contendo uma sucessão de gafes nos principais telejornais da emissora.
Uma ameaça velada
Após este processo nada espontâneo de readequação, 500 funcionários de toda a NBC foram demitidos no último mês de dezembro, sem qualquer cerimônia ou respeito em função da proximidade do natal. Dezenas deles no canal 4, como a repórter Carolyn Gusoff, que escreveu uma carta aberta falando do seu drama pessoal. ‘Foi algo que jamais imaginei acontecer comigo, após 20 anos de trabalho produtivo. A resposta formal é que a audiência de emissoras abertas vem caindo e assistir a telejornais com hora marcada é uma atividade em extinção. Quem espera até o telejornal para ver as notícias, quando elas já estão na internet ou na TV a cabo? Adicione a isto a queda nas receitas publicitárias e está aí a tempestade perfeita para jornalistas de televisão’.
Além dela, pelo menos outros três repórteres do primeiro time também deixaram a emissora. Na mídia americana, estima-se que as demissões fazem parte de um plano da empresa NBC Universal – dona da rede NBC e do canal 4 de Nova York – no sentido de enxugar 500 milhões de dólares do orçamento de 2009.
Após uma solicitação de reciclagem profissional e uma onda de demissões, os jornalistas da WNBC canal 4 teriam ainda mais uma dose de forte emoção pelo caminho. No começo deste mês, o diretor de jornalismo da emissora, Michael Horowicz, assinou um comunicado interno com as diretrizes do novo canal de notícias. E de brinde, uma ameaça velada de demissão destinada àqueles que não se adaptarem à nova rotina. Rotina essa que inclui somente matérias gravadas em forma de boletim ao vivo, com muitos movimentos de câmera e ângulos diferenciados.
‘Simples e fácil’
Como se imaginava, um memorando eletrônico com esse tipo de conteúdo acabou se tornando público e a pressão recebida pelos jornalistas da NBC passou a ser conhecida abertamente:
‘O lançamento do New York Nonstop está próximo. Alguns de vocês têm sido ótimos em produzir reportagens nesta fase de ensaio. Outros, nem tanto. Aqui vão algumas orientações.
1. Seja ativo, não passivo. Não espere receber tarefas e pautas da chefia de reportagens do New York Nonstop. Se o material é bom o suficiente para a WNBC, é bom o suficiente para o novo canal. Considere isso como uma entrada ao vivo tradicional em alguma emissora concorrente, mas sem a formalidade e cobrança.
2. Seja pontual. Se você não enviar a sua matéria o mais cedo possível, eu preciso saber da razão. Você pode gerar o material do seu laptop enquanto seu cinegrafista realiza outras atividades. Se todos entregarem suas reportagens somente no final da tarde, nossa missão terá sido falha. Eles (os chefões da NBC Universal) vão nos transformar em um canal de programação de comportamento e teremos uma plataforma a menos para mostrar nosso trabalho. E vocês sabem o que vai acontecer depois. Eu não tenho como enfatizar mais esse ponto.
3. Produção. Suas reportagens não devem parecer tradicionais. Com a possível exceção do principal noticiário das 19h. Se tiver cara de reportagem normal, os telespectadores mudarão de canal. Pense como se fosse uma entrada ao vivo. `Eu estou aqui na fila da casa lotérica onde as pessoas estão fazendo apostas´ e aproveite para conversar com algumas delas. Tudo em uma tomada. Simples e fácil. Pense em movimentos ousados de câmera e ângulos diferenciados. É possível que sua participação seja apenas uma série de sonoras coladas. Se parecer um noticiário convencional, estamos mortos. Sem contar que o material ficará deslocado em comparação com o resto do conteúdo do canal.
Está em nosso poder fazer com que o novo canal seja o assunto da cidade… de uma maneira boa.
Michael Horowicz’
Uma pergunta (ao vivo) histórica
A nova emissora estreou na última segunda-feira (9/03). Basicamente, o canal possui telejornais curtos a cada 15 minutos, intercalados com programetes sobre estilo de vida, comportamento, música e cinema. ‘Você terá a sua `carne´: notícias e previsão do tempo. E entre esses 15 minutos, talvez um programa de dois minutos, de cinco minutos. As atrações que estamos planejando vêm em pequenas porções. Não no seu tradicional telejornal de meia-hora. É como ter o seu i-pod na função shufflle. Você sabe que vem algo bom a seguir, mas não sabe o que é’, disse ao jornal New York Daily News a gerente de projetos da WNBC, Meredith McGinn.
Um destes pequenos produtos intermitentes é Sidewalk Stories, onde as pessoas são abordadas na rua para comentar assuntos do dia. O principal telejornal vai ao ar às 19h, com apresentação de Chuck Scarbourough, um dos únicos veteranos da WNBC não atingido pelos cortes. Ele é o principal âncora da emissora desde 1980. O noticiário noturno terá reportagens mais densas e entrevistas em estúdio que podem ser conduzidas com uma abordagem polêmica, se necessário. ‘Antes de qualquer coisa, é tudo sobre Nova York, coisas que são jornalisticamente interessantes e palpitantes. E nos queremos dizer isso em um senso universal e inclusivo’, disse a vice-presidente de jornalismo da WNBC, Vicky Burns ao New York Daily News.
Como em toda mudança, a instabilidade emocional e o questionamento ocuparam um papel importante nesta história. A imprensa americana vem reportando que desde o anúncio do enxugamento e da reformulação da redação da WNBC, os ânimos estariam bastante exaltados nos interiores da emissora. Talvez em função disso, a apresentadora Sue Simmons veio a cometer uma gafe histórica, durante uma chamada ao vivo do telejornal News 4 New York no dia 13 de maio do ano passado. O vídeo é recordista de acessos no YouTube. Depois de dar o seu texto, a jornalista perguntou irritada para o colega de bancada: ‘What the fuck are you doing?‘. Após uma retratação no telejornal, a jornalista de 64 anos disse que achou que a chamada estava sendo gravada e que não era ao vivo. Há quem diga que a exaltação de Simmons – e a pergunta feita – refletia a opinião coletiva dos colegas da NBC, que gostariam avidamente de saber o que seria feito do seu ambiente de trabalho.
Veja também: página da WNBC e do do New York Nonstop.
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Jornalista